Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado nº 0048102/14

(Ref. n. MP: 43.0695.0000493/2013-2)

Suscitante: 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

Suscitado: 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital. Suscitado: 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

2.   Apuração de fraudes fiscais, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva e crimes contra a ordem tributária relacionados na denominada “Operação Yellow”. Desmembramento em relação aos agentes públicos para apurar enriquecimento ilícito. Diante da expressiva complexidade da prática ilícita, oportuno o desmembramento relativamente ao agentes públicos.

3.   Diante do exposto, a atribuição para oficiar no presente procedimento é do suscitante.

 

 

 

 

 

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital e como suscitado o DD. 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, relativamente ao feito em epígrafe, tendo como objeto apuração de fraudes fiscais (lavagem de dinheiro, corrupções ativa e passiva e crimes contra a ordem tributária) relacionadas na denominada “Operação Yellow”.

Segundo consta, o Grupo Especial de Delitos Econômicos (GEDEC) encaminhou ao Promotor de Justiça Secretário Executivo da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital  cópias das peças de informação n. 87/13 (Procedimento de Investigação Criminal n. MP 9406610000029/11-4) para conhecimento e providências cabíveis.

Mencionada investigação refere-se ao trabalho produzido pelo Núcleo Bauru do GAECO em conjunto com a Agência de Inteligência Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, a fim de apurar fraudes fiscais em prejuízo ao Estado brasileiro na ordem aproximada de R$ 2.765.700.000,00 (dois bilhões, setecentos e sessenta e cinco milhões e setecentos mil reais).

Há a informação de que o material que instrui a investigação está sob segredo de justiça, havendo, porém, autorização judicial para compartilhamento para fins criminais, civis e administrativos (fl. 05).

Originariamente, o PJPP-CAP 317/13 foi distribuído ao 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, em exercício (fl. 336), o qual, em 12 de junho de 2013, lançou a seguinte manifestação:

“Considerando a grande quantidade de investigados, é impossível a análise de todos eles em apenas um procedimento, sendo necessário o desmembramento para que cada representado seja investigado separadamente em procedimento próprio.

Ante o exposto, determino a extração de cópias, de acordo com a quantidade de investigados, remetendo-as à Secretaria da Promotoria de Justiça para distribuição, apurando-se neste procedimento o Sr. NEMR ABDUL MASSIH”(fl. 337).

Também no PJPP CAP 317/2013, o membro do Ministério Público oficiante determinou em 31 de julho de 2013, em relação a cada um dos agentes públicos envolvidos, a extração de cópias do procedimento e remessa à Secretaria da Promotoria de Justiça para “providências cabíveis em razão das suspeitas de enriquecimento ilícito” (fl. 339).

Aos 13 de agosto de 2013, o 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (Secretário) asseverou que, em relação aos empresários, a redistribuição individual foi incorreta e inadequada; determinou, então, a juntada da manifestação acerca da redistribuição em cada um dos feitos para “análise da conveniência de arquivamento imediato dos casos estranhos ao enriquecimento ilícito de servidor público” (fl. 340).

Assim é que o 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital indeferiu a representação, porque, no tocante ao representado Walter José Guedes Junior, já existia investigação por enriquecimento ilícito e improbidade administrativa (fl. 343).

Ocorre que o E. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTDO DE SÃO PAULO, ao apreciar o indeferimento da representação, ordenou o retorno dos autos à origem para prosseguimento das investigações ou para se suscitar conflito negativo de atribuições (fls. 344/345).

 E assim o fez o 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (fls. 348/350).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Afirma o suscitante que o “procedimento foi instaurado indevidamente, pois já existe investigação específica para a apuração dos fatos que podem configurar-se em enriquecimento ilícito e improbidade administrativa” e que “já foram instaurados procedimentos em face de (...), agentes públicos que atuam na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Em tais procedimentos, obviamente, será verificada a participação de particulares no enriquecimento ilícito, inclusive do representado nestes autos, se for o caso” (fls. 349/350).

Afirma o suscitante que eventual enriquecimento ilícito de Walter José Guedes Júnior já está sendo apurado nos autos do inquérito civil n. 317/2013 (fl. 350).

Ocorre, porém, que a manifestação do 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social expressamente assentou que em relação a cada um dos agentes públicos (inclusive Walter José Guedes Júnior) deveriam ser extraídas cópias do procedimento e remetidas à Secretaria da Promotoria de Justiça para as providências cabíveis em relação a eventual enriquecimento ilícito.

O próprio Secretário da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital obtemperou que em relação aos empresários a redistribuição foi incorreta e inadequada. Alias, percebeu com sensibilidade a Ilustre CONSELHEIRA DORA BUSSAB, ao assentar o seguinte:

 “Assim, quer nos parecer que não houve equívoco na presente instauração, mas sim cumprimento de decisões exaradas nos autos do IC 317/2013” (fl. 344).

Logo, respeitados os argumentos externados pelo suscitante, o quadro de fato que aqui se delineia, embora complexo em função de inúmeros aspectos, indica que agiu com acerto o suscitado.

 Destarte, diante da expressiva complexidade da prática ilícita, envolvendo crimes de falsidade, lavagem de dinheiro, contra a ordem tributária, formação de quadrilha e corrupção ativa e passiva, não se mostrou equivocado o desmembramento da investigação relativamente ao enriquecimento ilícito dos agentes públicos.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão ministerial suscitante, o DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, oficiar no presente expediente.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 25 de abril de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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