Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº
0048567/2015
Inquérito
Civil nº SIS 14.0444.0001941/2014-4
Suscitante: 3º
Promotor de Justiça de São Vicente
Suscitado:
Ministério Público Federal
Ementa:
1)
Conflito negativo de atribuições. 3º Promotor de
Justiça de São Vicente (suscitante). Procurador da República em exercício na
cidade de Santos (suscitado).
2)
Investigação a respeito de provável prática
abusiva. Cobrança de taxas excessivas para a realização de serviços
administrativos. Possível ofensa ao Código de Defesa do Consumidor.
3) Investigação cujo escopo é a apuração de irregularidades em instituição privada de ensino superior. Em conformidade com o art. 16 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96), as instituições de educação superior, criadas e mantidas pela iniciativa privada, inserem-se no sistema federal de ensino.
4) Atribuição de órgãos públicos federais para a fiscalização e controle dessas entidades. Projeção no sentido de que eventual ação civil pública, decorrente de irregularidades apuradas na investigação, venha a incluir a União no polo passivo. Extração da atribuição do Ministério Público Federal a partir do art. 109, I da CF, bem como da Lei Complementar nº 75/93. Entendimento do Plenário do STF, no sentido da competência da Corte, com fundamento no art. 102, I, “f” da CF, para dirimir o conflito.
5)
Representação conhecida e acolhida,
determinando-se a remessa dos autos ao Col. STF para a apreciação do conflito
negativo entre Ministérios Públicos.
Vistos,
1) RELATÓRIO
Tratam estes autos de representação para fins de
instauração de conflito negativo de
atribuições, formulada pelo DD. 3º Promotor
de Justiça de São Vicente, figurando como suscitado o DD. Procurador da República em exercício na
cidade de Santos.
O feito em epígrafe foi instaurado por força de representação endereçada inicialmente ao Ministério Público Federal, aos cuidados do DD. Procurador da República em exercício na cidade de Santos, noticiando que instituições de ensino superior da região estariam a cobrar valores excessivos por serviços de secretaria, o que violaria, ao menos em tese, o disposto no art. 2º da Resolução nº 03/89 do Conselho Federal de Educação.
Há notícia de que o DD. Procurador da República determinou a remessa dos autos ao Ministério Público Estadual, sustentando inexistir interesse da União na investigação.
O DD. 3º Promotor de Justiça de São Vicente representa pugnando para que seja suscitado conflito de atribuição com o Ministério Público Federal, anotando, em suma, que a atribuição para a investigação é do MPF, visto que embora a investigada seja instituição privada de ensino superior, ela integra o sistema federal de ensino, em função da regulamentação da matéria na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/94).
É o relato do essencial.
2) FUNDAMENTAÇÃO
Observe-se que, de fato, o art. 16 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Federal nº 9.394/96) prevê que o sistema federal de educação compreende as instituições de ensino mantidas pela União, as instituições de educação superior, criadas e mantidas pela iniciativa privada, e ainda os órgãos federais de educação.
Isso significa que as irregularidades apuradas nestes autos comportam fiscalização por parte de órgãos da União, bem como que eventuais omissões podem acarretar responsabilidades de agentes públicos federais encarregadas das atividades de fiscalização e controle do funcionamento da entidade de ensino.
Nesse sentido, mutatis mutandis, já decidiu o Col. STF:
“(...)
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. SISTEMA FEDERAL DE ENSINO. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - O Plenário desta Corte, ao julgar a ADI 2.501/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, concluiu que as instituições privadas de ensino superior se sujeitam ao Sistema Federal de Ensino, sendo reguladas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996). Precedentes. II – No caso dos autos, a Faculdade Vizinhança Vale do Iguaçu – VIZIVALI integra o Sistema Federal de Educação, o que evidencia o interesse da União no feito – mormente pela sua competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação – e a competência da justiça federal para o seu julgamento. Precedentes. III – Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 692456 AgR / RS, 2ª T., rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 02/09/2014) (g.n.)
(...)”
Formulando projeção relativa à ação civil pública que virá, eventualmente, a ser proposta em decorrência das irregularidades apuradas neste feito, é possível pensar na presença não só da entidade de ensino, mas também da União no polo passivo, em razão de eventual falha de fiscalização e controle.
Assim,
mostra-se correto o entendimento do suscitante quanto à virtual aplicação do
art. 109, I, da CF, determinando que a competência para a ação civil seja da
Justiça Federal.
Recorde-se,
ademais, que nos termos do art. 39 da Lei Orgânica do Ministério Público da
União (Lei Complementar 75/93), cabe ao Ministério Público Federal exercer a
defesa dos direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de
garantir-lhes o respeito pelos Poderes Públicos Federais, pelos órgãos da
administração pública federal direta ou indireta, pelos concessionários e
permissionários de serviço público federal, pelas entidades que exerçam outra
função delegada da União.
Nesse
quadro, é natural que a investigação seja conduzida pelo Ministério Público
Federal.
Averbe-se, ainda, que o entendimento que tem prevalecido no Plenário do STF é no sentido da afirmação da competência da Corte, com fundamento no art. 102, I, “f” da Constituição para dirimir conflitos entre diferentes ramos do Ministério Público.
Confira-se:
"Compete ao Supremo a solução de conflito de atribuições a envolver o MPF e o MP estadual. Conflito negativo de atribuições – MPF versus MP estadual – Roubo e descaminho. Define-se o conflito considerado o crime de que cuida o processo. A circunstância de, no roubo, tratar-se de mercadoria alvo de contrabando não desloca a atribuição, para denunciar, do MP estadual para o Federal." (Pet 3.528, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 28-9-2005, Plenário, DJ de 3-3-2006.) No mesmo sentido: ACO 1.109, ACO 1.206, ACO 1.241, ACO 1.250, Rel. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 5-10-2011, Plenário, DJE de 7-3-2012; ACO 1.281, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 13-10-2010, Plenário, DJE de 14-12-2010; Pet 4.574, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11-3-2010, Plenário, DJE de 9-4-2010; ACO 853, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 8-3-2007, Plenário, DJ de 27-4-2007; Em sentido contrário: ACO 756, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 4-8-2005, Plenário, DJ de 31-3-2006; Pet 1.503, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 3-10-2002, Plenário, DJ de 14-11-2002.
Acolhe-se, portanto, a representação.
3) DECISÃO
Diante do exposto, acolhe-se a representação formulada pelo DD. 3º Promotor de Justiça de São Vicente, determinando-se a remessa dos autos, em forma eletrônica, ao E. Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições surgido na hipótese em exame.
Os autos originais permanecerão na Secretaria da Subprocuradoria-Geral de Justiça Jurídica, aguardando-se a decisão do STF.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 23 de abril de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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