Conflito de Atribuições –
Cível
Protocolado nº 0005952/14
Suscitante: 1ª Promotor de Justiça de Habitação e
Urbanismo da Capital
Suscitado: 4ª Promotor de Justiça do Meio Ambiente da
Capital
Ementa:
1) Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital (suscitante). 4º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital (suscitado).
2) Notícia de suposta invasão em área de proteção aos mananciais do reservatório Billings. Invasão de áreas localizadas na Zona Sul de São Paulo. Não há nos autos notícia de que haja, no local dos fatos, parcelamento do solo urbano, seja na modalidade de loteamento, seja na modalidade de desmembramento. Existência de inquérito civil instaurado pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital com o objetivo de se apurar a ocorrência de invasão de área de proteção de mananciais situada em gleba localizada na confluência da Estrada do Barro Branco com a Estrada do Schmidt, no bairro do Grajaú. Prevenção caracterizada.
3) Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial. Deste modo, ainda que se conclua que no caso concreto há interesses relacionados a mais de uma área de atuação em defesa de interesses supraindividuais, ostentando abrangência equivalente, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com o caso (que já vinha conduzindo a apuração) deve prosseguir na investigação.
4) Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.
Vistos,
1)
RELATÓRIO
Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições,
figurando como suscitante o DD. 1ª
Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital e como suscitado o 4ª Promotor de Justiça do Meio Ambiente da
Capital.
Consta dos autos que o Centro de Apoio Operacional Cível (Urbanismo e Meio Ambiente) encaminhou à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital mensagem eletrônica noticiando suposta invasão de áreas localizadas na Zona Sul de São Paulo, mais especificamente no Grajaú e Região (fl. 06).
Segundo o Termo de Informação prestado pelo Setor Técnico, verificou-se a existência de procedimentos em trâmite na Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital acerca de invasões de área na região do Grajaú e Ilha do Bororé, “mais especificamente na Estrada do Barro Branco com a Estrada do Schimidt e rua Alziro Pinheiros de Magalhães, Avenida Dona Belmira Marin com a rua Particular, Parque Linear Aristocrata, Estrada Canal do Cocaia, Estada de Itaquaquecetuba” (fls. 07/08).
O suscitado, quando então presidia o procedimento, determinou que fosse oficiado à Polícia Ambiental, a fim de que se procedesse à vistoria no Parque Linear Aristocrata, para se apurar, entre outras coisas, a ocorrência de danos ambientais (fl. 10).
Diante da informação prestada pelo 1º Pelotão de Polícia Militar Ambiental – Guarapiranga (fls. 13/14), o suscitado determinou a remessa dos autos à Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, “tendo em vista não ter sido noticiada a ocorrência de danos ambientais” (fl. 17).
Ocorre, porém, que o 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital suscitou conflito negativo de atribuições, pontuando, em síntese, o seguinte: (a) a defesa do meio ambienta e a tutela das áreas de proteção ambiental “lato sensu” incumbem à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente; (b) não se está formando loteamento ou desmembramento no local investigado; (c) trata-se de invasão de área de proteção de mananciais com construção de barracos de madeira; (d) embora a Polícia Ambiental não tenha constatado o corte de árvores, na área de proteção aos mananciais do reservatório Billings localiza-se no Parque Linear; (e) a Procuradoria-Geral de Justiça decidiu em sede de conflito negativo de atribuições caso análogo (Protocolado n. 86.644/2012), dando preponderância ao interesse ambiental; (f) a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente estaria preventa para presidir a investigação.
É o relato do essencial.
2)
FUNDAMENTAÇÃO
Está
configurado, no caso, o conflito de atribuições.
Isso
decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público,
quando “(a) dois ou mais deles
manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias
atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos
um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que
já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público,
6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487).
No
mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério
Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.
Como se sabe, no processo
jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos
próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece
critérios para a repartição do serviço.
Nesse sentido: Antônio Carlos de
Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São
Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56;
Patrícia Miranda Pizzol, A competência no
processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves,
Competência no processo civil, São
Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia, aliás, estava implícita
no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e
territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na
doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios
de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló,
Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a identificação do
órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei
processual estabelece, a priori,
critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que
o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com
atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso
concreto, ou seja, seu objeto.
Pode-se, deste modo, afirmar que a
definição do membro do parquet a quem
incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível,
que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública,
deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
O expediente em exame foi instaurado em função da notícia, como já referido, de invasão de áreas localizadas na Zona Sul de São Paulo, mais especificamente no Grajaú e Região.
Não há nestes autos informação de que haja, no local dos fatos, parcelamento do solo urbano, seja na modalidade de loteamento, seja na modalidade de desmembramento.
Ademais, muito embora a informação lançada a fl. 13 no sentido de que “não foi constatado corte de vegetação e construção de casas de alvenaria, portanto, até o momento não há infração ambiental a ser apreciada e está havendo monitoramento da área”, insta registrar que o local, segundo observado pelo suscitante, localiza-se na área de proteção aos mananciais do reservatório Billings.
Assim é que a própria Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital já instaurou inquérito civil para apurar a ocorrência de invasão de área de proteção de mananciais situada em gleba localizada na confluência da Estrada do Barro Branco com a Estrada do Schmidt, no bairro do Grajaú (fls. 20/21).
Além do quanto já exposto, é oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.
Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supraindividual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).
Assim, pondere-se, como esclarecimento, que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção.
Aliás, como reforço a tal raciocínio, valer trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.
Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de
Andrade Nery (Constituição Federal
Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484,
nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de
mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento
da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.
Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial.
Deste modo, ainda que se conclua que no caso concreto há interesses relacionados a mais de uma área de atuação em defesa de interesses supraindividuais, ostentando abrangência equivalente, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com o caso (que já vinha conduzindo a apuração) deve prosseguir na investigação, adotando eventualmente as providências judiciais cabíveis.
Em suma, as informações existentes nos autos sinalizam no sentido da atribuição da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente para atuar no caso.
3) Decisão
Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 4º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 17 de janeiro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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