Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº
50503/14
(Ref. n. MP: 38.0555.0000357/2013-1)
Suscitante: 13º
Promotor de Justiça de Osasco
Suscitado: 3º Promotor de Justiça Cível de Pinheiros
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 13º Promotor de Justiça de Osasco. Suscitado: 3º Promotor de Justiça Cível de Pinheiros.
2. Adolescente em possível situação de risco. Atribuição do suscitante. Aplicação do princípio do juízo imediato. Precedentes do STJ (AgRg no CC 117.454/AM, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/12/2011, DJe 06/02/2012; CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 114.328 - RS (2010/0181443-0) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI). Inteligência da Súmula 383 do STJ.
3. Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitante, 13º Promotor de Justiça de Osasco, com atribuição na área da Infância e Juventude, prosseguir com a investigação, em seus ulteriores termos.
1) Relatório
Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 13º Promotor de Justiça de Osasco (Infância e Juventude) e como suscitado o DD. 3º Promotor de Justiça Cível de Pinheiros, relativamente ao feito em epígrafe, tendo como objeto a apuração de provável situação de risco de adolescente residindo com terceiro.
O Conselho Tutela de Osasco encaminhou ao Promotor de Justiça da Infância e Juventude de Osasco representação com o objetivo de se regularizar a situação de A.P.D., abandonado por seus genitores.
Ocorre que o Promotor de Justiça da Infância e Juventude de Osasco determinou a remessa do procedimento ao 3º Promotor de Justiça da Infância e Juventude de Pinheiros, o qual, por sua vez, restituiu o expediente, sob o argumento de que competência é critério objetivo e nos termos do art. 147 do Estatuto da Criança e do Adolescente a atribuição para presidir a investigação não é sua.
Por discordar da restituição dos autos, o 13º Promotor de Justiça de Osasco suscitou conflito negativo de atribuições (fls. 25/27).
É o relato do essencial.
2) Fundamentação
É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.
Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).
Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de
determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no
direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe
Chiovenda (Princípios de derecho procesal
civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto
Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.
Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
Com efeito, o art. 147 da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, reza:
“Art. 147. A competência será determinada:
I - pelo domicílio dos pais ou responsável;
II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável”.
Informa o presente procedimento que o genitor do menor reside no município de São Paulo (em bairro vinculado à Subprefeitura do Butantã); atualmente, o menor encontra-se sob os cuidados de sua madrasta, que reside em Osasco.
Diante dessa peculiaridade, nota-se que o juízo imediato encontra-se em Osasco, devendo a investigação prosseguir naquela localidade, pois é lá que melhor serão atendidos os interesses do menor. Veja-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria:
“PROCESSO CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETENCIA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. ALTERAÇÃO DE DOMICÍLIO DA CRIANÇA E DAQUELES QUE DETÉM SUA GUARDA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONES X JUIZ IMEDIATO. PREVALÊNCIA DESTE ÚLTIMO NA HIPÓTESE CONCRETA.
1. Conforme estabelece o art. 87 do CPC, a competência determina-se no momento da propositura da ação e, em se tratando de hipótese de competência relativa, não é possível de ser modificada ex officio. Esse mencionado preceito de lei institui, com a finalidade de proteger a parte, a regra da estabilização da competência (perpetuatio jurisdictionis).
2. O princípio do juiz imediato vem estabelecido no art. 147, I e II, do ECA, segundo o qual o foro competente para apreciar e julgar as medidas, ações e procedimentos que tutelam interesses, direitos e garantias positivados no ECA, é determinado pelo lugar onde a criança ou o adolescente exerce, com regularidade, seu direito à convivência familiar e comunitária.
3. Embora seja compreendido como regra de competência territorial, o art. 147, I e II, do ECA apresenta natureza de competência absoluta, nomeadamente porque expressa norma cogente que, em certa medida, não admite prorrogação.
4. A jurisprudência do STJ, ao ser chamada a graduar a aplicação subsidiária do art. 87 do CPC frente à incidência do art. 147, I e II, do ECA, manifestou-se no sentido de que deve prevalecer a regra especial em face da geral, sempre guardadas as peculiaridades de cada processo.
5. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Distrito
Federal-DF.” (CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 119318/DF, 2011/0240460-3, RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGUI)
Também já se decidiu que cabe ao foro do domicílio daquele
que detém a guarda de menor processar e julgar demandas em que se busca a sua
regulamentação (AgRg no CC
117.454/AM, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/12/2011,
DJe 06/02/2012). Há, inclusive, Súmula do STJ a respeito: “A competência para
processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do
foro do domicílio do detentor de sua guarda” (Súmula 383, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 27/05/2009, DJe 08/06/2009). E no caso ora em análise, insta
transcrever, por oportuno, trecho do relatório do Conselho Tutelar de Osasco:
“Neste momento
o adolescente reside na casa da Sra. Michele que é solteira e mora na casa dos
pais no Jardim Santa Maria – Osasco, mas relata que o relacionamento com o
adolescente não é dos melhores, continua desobediente, responde, mente e outras
situações e que não tem mais interesse em pedir a guarda. O genitor reside no
Jardim Boa Vista – São Paulo, não atende os telefonemas e nem recebe o filho
pessoalmente”(fl. 06).
Tudo indica
que à luz do princípio do juiz imediato e da primazia ao melhor interesse da
criança, o procedimento deverá seguir sob a presidência da Promotoria de
Justiça da Infância e Juventude de Osasco, ainda que consta a informação de que
Michele Silva Santos não pretende formalizar a guarda de A.P.D.
Acrescente-se o seguinte precedente da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça:
“1. A
determinação da competência, em casos de disputa judicial sobre a guarda de
infante deve garantir o respeito aos princípios do juízo imediato e da primazia
ao melhor interesse da criança.
2. O fato de a
mãe do menor ter abandonado a residência do casal, sem o consentimento do pai,
levando consigo o filho menor, caso comprovado, consubstancia matéria que deve
ser enfrentada para a decisão do pedido de guarda, em conjunto com outros
elementos que demonstrem o bem estar do menor. A competência para decidir a
respeito da matéria, contudo, deve ser atribuída ao juízo do local onde o menor
fixou residência.
3. Nas ações
que envolvem interesse da infância e da juventude, não são os direitos dos pais
ou responsáveis, no sentido de terem para si a criança, que devem ser
observados, mas o interesse do menor” (CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 114.328 – RS,
2010/0181443-0, RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI).
Daí a conclusão de que, na hipótese em exame, a atribuição para a investigação é do suscitante, não se devendo esquecer que a atual doutrina do Direito de Família prioriza a responsabilidade decorrente da afetividade e, de uma forma, ou de outra, não se pode afastar referido vinculo entre A.P.D. e Michele Silva Santos.
3) Decisão
Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, DD. 13º Promotor de Justiça de Osasco, a atribuição para dar seguimento ao presente expediente, nos termos da fundamentação supra.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 14 de abril de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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