Protocolo nº 52.413/18

Suscitante: 24º Promotor de Justiça de Campinas (Patrimônio Público e Social)

Suscitado: 33º Promotor de Justiça de Campinas (Direitos Humanos - Educação)

 

 

Ementa:

1.      Inquérito civil oriundo do Ministério Público Federal, visando apurar eventual violação a direitos fundamentais (intimidade) decorrente da instalação de câmeras de segurança nas salas de aulas de centro estadual de educação.

2.      A matéria investigada nos autos está relacionada  ao ambiente de ensino e às condições de trabalho docente, ante a alegação de violação à liberdade de cátedra e de vigilância do comportamento dos alunos. O respeito às garantias das condições de trabalho dos professores, bem como a garantia de ambiente escolar sadio aos alunos são questões  ligadas à qualidade do ensino, afetas, portanto, à área da educação.

3.      Conflito conhecido e dirimido, declarando-se caber ao suscitado, DD. 33ª Promotor de Justiça de Campinas (atribuição na área de Direitos Humanos - Educação) a atribuição para a apuração dos fatos.

 

Vistos.

1.   Relatório

Trata-se de inquérito civil originalmente instaurado pelo Ministério Público Federal, com o fim de apurar eventual violação a direitos fundamentais decorrente da instalação de câmeras de segurança nas salas de aulas de centro estadual de educação (CEETEPS).

O procedimento foi arquivado pelo Procurador da República, sob o entendimento que aplicada a regra da ponderação na colisão dos direitos fundamentais potencialmente em conflito no caso concreto (direito à privacidade dos alunos x segurança do patrimônio público), há preponderância do interesse público, já que o número de ocorrências envolvendo depredação do patrimônio da escola é crescente (fls. 113/114).

Os autos foram encaminhados para homologação da promoção de arquivamento pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, ocasião em que se reconheceu ausente hipótese de intervenção. Porém, considerando precedentes adotados em casos análogos, a promoção de arquivamento foi convolada em declínio de atribuição para que o Ministério Público Estadual adotasse “medidas que julgar cabíveis”, aparentemente na área da educação, mediante análise das condições das escolas (fls. 119/120).

Recebidos os autos da Promotoria de Justiça de Campinas, foram distribuídos ao 33º Promotor de Justiça de Campinas, com atribuição na área da educação (fls. 126). O DD. Promotor de Justiça entendeu que a suposta violação à privacidade decorrente da instalação das câmeras de segurança atingiria não apenas adolescentes, mas também adultos e funcionários do local, extrapolando, portanto, o âmbito da proteção aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos da infância e juventude sob o viés da área da educação. De outro lado, considerando que as câmeras foram instaladas com o fim de proteger o patrimônio público, a atribuição para oficiar no feito seria do órgão de execução que atua em referida área, razão pela qual encaminhou o procedimento para distribuição entre os Promotores de Justiça do Patrimônio Público (fls. 149/150).

Distribuídos os autos ao 24º Promotor de Justiça, com atribuições na área do patrimônio público, esse suscitou conflito de atribuição, afirmando que o fato de a questão envolver possíveis alunos maiores de idade não afasta a tutela do direito social de educação. Os fatos narrados nos autos estariam ligados ao universo da ambiência escolada e das relações que ali são tratadas, especificamente no que diz respeito à existência das câmeras em sala de aula e seu potencial de privar a liberdade de cátedra do docente, além de violar o direito de intimidade do professor e aluno. Os fatos não estariam ligados à tutela do patrimônio público no viés de proteção dos bens que guarnecem a escola, com o fim de prevenir vandalismos, roubos e furtos particulares. Tanto é que o suscitado possui outros procedimentos que cuidam da mesma questão, aos quais tem dado continuidade (fls. 158/163).

É o relato do essencial.

2.   Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.

A hipótese destes autos é singela.

A representação que deu início ao procedimento é no sentido que a instalação de câmeras nas salas de aula do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza – CEETEPS visou não apenas o monitoramento do patrimônio público, a fim de evitar depredações, mas também o controle dos alunos e da metodologia utilizadas pelos professores, o que representaria violação ao direito constitucional à intimidade.

Portanto, a questão central a ser analisada é se a instalação das câmeras viola ou não referido direito fundamental.

Não obstante o Procurador da República já tenha promovido o arquivamento dos autos pela aplicação do princípio da proporcionalidade, diante da colisão de direitos fundamentais (intimidade x proteção ao patrimônio público), o Ministério Público Federal houve por bem declinar da atribuição de atuar no feito por não vislumbrar qualquer das hipóteses previstas no art. 109, I da Carta Federal.

Porém, o declínio de atribuição não muda o objeto da investigação, que se encontra nitidamente ligado à análise de violação ou não do direito fundamental à intimidade dos alunos e dos professores em sala de aula. A denúncia que deu causa ao expediente não está afeta à existência de atos de depredação do patrimônio público, mas sim à possível violação de direito fundamental à intimidade, diante da instalação das câmeras de monitoramento em ambiente escolar.

A eventual violação à liberdade de cátedra, ante alegação de vigilância do que é ensinado, bem como à liberdade de aprendizado, ante a alegação de vigilância do comportamento dos alunos é matéria ligada às condições de trabalho docente e ao ambiente do ensino.

O respeito às garantias das condições de trabalho dos professores, e do ambiente escolar sadio dos alunos têm reflexo direto na qualidade do ensino.

Assim, está evidente em primeiro plano e de forma preponderante questão afeta à área da educação.

 Não há na representação indicação de depredação do patrimônio público que justifique a atuação do promotor de justiça com atribuição nessa área.

Além disso, o fato de se tratar de escola técnica, cujos alunos em sua maioria já são maiores de idade, não tem o condão de excluir a questão da área da educação, porquanto a atribuição não envolve infância e juventude, mas sim atuação em todos os casos que envolvam violação a interesses difusos, coletivos e individuais na área da Educação.

Aliás, caso se tratasse de expediente ligado a direitos difusos e coletivos da infância e juventude a atribuição sequer seria do suscitado, mas sim do 19º Promotor de Justiça de Campinas, conforme se extrai da divisão de Atribuições Fixada no Ato nº 054/2018 – PGJ, de 01 de agosto de 2018:

19° PROMOTOR DE JUSTIÇA:

a) Oficiar em todos os procedimentos relativos a Direitos Difusos e Coletivos da Infância e Juventude, exceto área da Educação;

b)Analisar todas as comunicações do “Disque Direitos Humanos – Disque 100” e instaurar os respectivos PANIs, que impliquem em pedido judicial de afastamento do convívio familiar;

c)Oficiar em todos os feitos judiciais da Vara da Infância e Juventude Protetiva Cível referentes às situações de acolhimento e de colocação em família substituta mediante guarda, tutela ou adoção, propostas pelo MP ou por terceiros;

d)Todas as audiências da Vara da Infância e Juventude Protetiva Cível;

e)Oficiar em pedidos de habilitação no cadastro de pretendentes à adoção;

f)Fiscalização de entidades de acolhimento;

g)Propor ação de destituição ou suspensão do poder familiar;

h)Fiscalização das eleições do Conselho Tutelar;

i)Oficiar nas ações judiciais em trâmite perante a Vara da Infância e Juventude Protetiva Cível, propostas pelo MP e por terceiros nas áreas de sua atribuição;

j)Atendimento ao público.

 

33° PROMOTOR DE JUSTIÇA:

a)Analisar todas as comunicações do “Disque Direitos Humanos – Disque 100” e instaurar respectivos PANIs, exceto os que impliquem em pedido judicial de afastamento do convívio familiar;

b)Oficiar em feitos da Vara da Infância e Juventude Protetiva Cível referentes a interesses individuais propostos pelo Ministério Público ou por terceiros, exceto os de atribuição do 19º Promotor de Justiça;

c)Oficiar em todos os pedidos de alvará judicial;

d)Oficiar em todos os pedidos de autorização de viagem;

e)Oferecer representações por infração administrativa e oficiar nos respectivos processos judiciais;

f)Área de Educação – interesses difusos, coletivos, individuais, e respectivos processos judiciais, propostos por terceiros ou pelo Ministério Público;

g)Fiscalização das eleições do Conselho Tutelar;

h)Oficiar, a partir do recebimento da representação até final do recebimento da r.sentença, em todos os processos de apuração de ato infracional em curso perante a Vara da Infância e Juventude de Campinas – Atos Infracionais e Medidas Socioeducativas;

i)Oficiar em todas as audiências judiciais referentes a processos de apuração de ato infracional em curso perante a Vara da Infância e Juventude de Campinas – Atos infracionais e Medidas Socioeducativas, bem como em todas as audiências judiciais realizadas em curso das medidas de execução;

j)Controle externo da Delegacia da Infância e Juventude de Campinas, de forma intercalada com o 20º Promotor de Justiça de Campinas;

k)Demais situações omissas;

l)Atendimento ao público em sua área de atribuição.

Resolve-se o conflito, portanto, reconhecendo-se a atribuição do 33ª Promotor de Justiça de Campinas para atuar no caso.

3. Decisão

Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 33ª Promotor de Justiça de Campinas, a atribuição para oficiar nos autos.

Publique-se a ementa. Comuniquem-se os interessados. Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 3 de setembro de 2018.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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