Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 52.478/15

Suscitante: 6º Promotor de Justiça de Direitos Humanos (Pessoa com Deficiência)

Suscitados: 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social e 1º, 2º e 3º Promotores de Justiça Cíveis do Tatuapé

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Promotorias de Justiça Cível do Tatuapé, do Patrimônio Público e Social, e de Direitos Humanos (Pessoas com deficiência). Fomento público. Uso indevido de recursos públicos oriundos de benefício de prestação continuada da assistência social e de convênio com o Município de São Paulo. Conflito parcialmente conhecido e dirimido. Atribuição da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social.  1. Diagnosticado pelo Município de São Paulo que organização não governamental que recebe recursos públicos oriundos de convênio se utiliza de benefício de prestação continuada da assistência social a pessoas com deficiência para cobertura de despesas previstas no referido convênio, a atribuição para o exame da questão pertence à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, sem prejuízo da tomada de responsabilidade dos curadores das interditas nos respectivos processos de interdição pela Promotoria de Justiça Cível pelo uso desses benefícios individuais, e da adequação da atividade desenvolvida por essa pessoa jurídica de direito privado a ser sindicada pela Promotoria de Justiça de Direitos Humanos. 2. Conflito parcialmente conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição do 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social.

 

 

 

 

                    

                  

                   Os doutos Promotores de Justiça Cíveis do Tatuapé teceram manifestação remetendo os autos à douta Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social para ciência e providências relativamente a eventual improbidade administrativa, do qual se transcreve o seguinte excerto:

“A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social São Mateus, encaminhou a esta Promotoria de Justiça o expediente anexo solicitando providências para apuração de eventuais irregularidades, por parte da diretoria do ‘Instituto Mater Dei’, na administração dos recursos devidos a interditos e oriundos do convênio nº 002/SMADS/2014, firmado entre ambas entidades.

Acena, em mui apertada síntese, para desvios de finalidade na utilização das verbas do denominado ‘Benefício de Prestação Continuada’ eis que estariam sendo utilizadas para cobertura de gastos que já são objeto de convênio com a Municipalidade, postulando providências nos processos de interdição visando a prestação de contas por parte da curadora, possível restituição de valores, eventual destituição da curadora, além de apuração de eventual conduta criminosa.

Os interesses individuais indisponíveis dos interditos já se encontram sob tutela jurisdicional, sendo que as eventuais providências a serem adotadas será objeto de postulação própria em cada Processo de interdição em curso, conforme já determinado a fls. 64 e consta da certidão e documentos de fls. 65 e seguintes.

No mais, depreende-se que a postulação se refere a fiscalização e apuração de eventual irregularidade na utilização de recursos repassados pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social ao Instituto Mater Dei” (fls. 89/90).

                   O ilustre 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social ao receber o expediente determinou sua remessa à douta Promotoria de Justiça de Direitos Humanos por vislumbrar que “a tutela tem sujeito específico”, com a seguinte motivação:

“Trata-se de peças de informação, encaminhadas pela Supervisão de Assistência Social de São Mateus, noticiando mau emprego do Benefício de Prestação Continuada – BPC – concedido a mulheres portadoras de deficiência, acolhidas na Instituição Mater Dei.

Conforme fls. 62, não se trata de emprego indevido de verba pública oriunda do Convênio. O benefício individual é que está sendo gasto indevidamente” (fl. 94).

                   O douto 6º Promotor de Justiça de Direitos Humanos (Pessoas com Deficiência), recebendo os autos, determinou sua devolução à douta Promotoria Justiça Cível do Tatuapé (fl. 95), tendo o ilustre 3º Promotor de Justiça Cível do Tatuapé lhe restituído o expediente que objetivava “a adoção das providências pertinentes no que tange a eventuais interesses difusos e coletivos tutelados” por que:

“Esclareço que conforme certificado a fls. 65 e destacado na manifestação de fls. 89/90 do procedimento em anexo, as questões relacionadas aos interesses individuais indisponíveis já se encontram em apuração através dos meios próprios e adequados, restando tão somente a análise de eventuais questões relacionadas a interesses difusos e coletivos.

A Promotoria de Justiça Cível do Tatuapé não possui atribuição para análise de questões relacionadas a interesses difusos ou coletivos, cumprindo ao órgão com atribuição na área, não vislumbrando hipótese passível de apuração, promover o arquivamento do expediente, vez que as questões relacionadas aos interesses individuais já se encontram em regular apuração” (fl. 97).

                   Em seguida, o douto Promotor de Justiça de Direitos Humanos (Pessoas com Deficiência) suscitou conflito negativo de atribuições em face das dignas Promotorias de Justiça Cível do Tatuapé e do Patrimônio Público e Social (fls. 99/107).

                   Assinala que sua atribuição se refere à “defesa de direitos fundamentais ou básicos sociais, que atinjam interesse público relevante, de natureza coletiva, difusa ou individuais indisponíveis” e o que motivou a remessa da notícia de fato “foi a eventual irregularidade na utilização de recursos repassados pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social ao Instituto Mater Dei, por meio de contratos e convênios (fls. 89/90)” e observa que:

“Mas ao entender que não há ofensa ao patrimônio público, uma vez que não se trata de dinheiro do convênio e sim de benefícios individuais; como não indeferiu a representação; não caberia a remessa dos autos a esta Promotoria e sim à Promotoria do Tatuapé, a quem compete a apuração na esfera do interesse individual” (fl. 105).

                   Anotando o trâmite de inquérito civil “instaurado para apurar a regularidade do serviço prestado pelo Instituto Mater Dei, por conta da provocação da mesma Promotoria de Justiça do Tatuapé” (fl. 106), observa que “eventuais interesses que não incidam sobre as verbas do convênio já vem sendo fiscalizados” (fl. 106) e conclui que:

“Logo, cabe ao presente feito, a análise de emprego de verbas de benefício público, seja de caráter individual (que compete à Promotoria do Tatuapé), ou de contrato/convênio (que compete à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público), nunca a esta Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, que já vem fiscalizando a entidade e o destino das acolhidas após o rompimento do convênio” (fl. 107).

                   É o relatório.

                   A questão referente à repercussão individual do benefício de prestação continuada está contida nas providências que competem à douta Promotoria de Justiça Cível do Tatuapé, como se capta da manifestação dos ilustres Promotores de Justiça daquela lotação (fls. 89/90).

                   De fato, a manipulação de recursos decorrentes das políticas de assistência social, consistente em benefícios individuais, é assunto tangente à esfera dos direitos e, mormente, do patrimônio das pessoas com deficiência ou de necessidades especiais e, concomitantemente, incapazes civilmente por obra do decreto de interdição, a ser resolvida no âmbito da prestação de contas de seus respectivos curadores.

                   Data maxima venia, nessa parte o conflito não merece conhecimento simplesmente porque não dissenso entre os doutos Promotores de Justiça Cíveis do Tatuapé e de Direitos Humanos, como se constata da atenta leitura de suas manifestações.

                   Diversa é a solução dada ao divórcio de entendimentos entre os Promotores de Justiça do Patrimônio Público e de Direitos Humanos.

                   Quando os Promotores de Justiça Cíveis do Tatuapé promoveram a remessa do expediente à douta Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social expressamente motivaram essa decisão para fins de apuração de eventual improbidade administrativa relacionada ao uso de recursos repassados pelo Município de São Paulo à organização não governamental. É elucidativa a transcrição do seguinte trecho:

“A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social São Mateus, encaminhou a esta Promotoria de Justiça o expediente anexo solicitando providências para apuração de eventuais irregularidades, por parte da diretoria do ‘Instituto Mater Dei’, na administração dos recursos devidos a interditos e oriundos do convênio nº 002/SMADS/2014, firmado entre ambas entidades.

Acena, em mui apertada síntese, para desvios de finalidade na utilização das verbas do denominado ‘Benefício de Prestação Continuada’ eis que estariam sendo utilizadas para cobertura de gastos que já são objeto de convênio com a Municipalidade, postulando providências nos processos de interdição visando a prestação de contas por parte da curadora, possível restituição de valores, eventual destituição da curadora, além de apuração de eventual conduta criminosa.

(...)

No mais, depreende-se que a postulação se refere a fiscalização e apuração de eventual irregularidade na utilização de recursos repassados pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social ao Instituto Mater Dei.

O Município tem o dever de promover a fiscalização e o controle interno de seus atos (art. 31 da Constituição Federal) e tendo vislumbrado eventuais irregularidades na execução de contratos/convênios, cumpre ao órgão público, através de seus gestores, adotar as medidas para revisão e adequação dos atos, sob pena de incorrer em improbidade administrativa” (fls. 89/90).

                   Verifica-se que das peças de informação transmitidas pela Prefeitura Municipal de São Paulo que a douta Promotoria de Justiça Cível do Tatuapé destacou para outro órgão de execução – a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social – apenas a questão relativa ao emprego de verba pública.

                   Com efeito, a Prefeitura Municipal de São Paulo ao receber pedido de emissão de declaração de gratuidade, formulado por Instituto Mater Dei para obtenção de certificado de entidade social no Conselho Nacional de Assistência Social, “procedeu à averiguação do destino atribuído pela entidade ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) recebido por cada uma das munícipes acolhidas” (fl. 56), logrando descobrir sua utilização indevida “como verba para cobrir gastos que já são objeto do convênio com a Municipalidade”, o que caracteriza “indícios de dupla ilegalidade” porque violado o fim individual do benefício desviado para pagamento de serviços pelos quais a organização não governamental já recebe verba do poder público para tanto (fl. 58v.).

                   À vista desse cenário, razão assiste à suscitante quando observa a atribuição da douta Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social ao timbrar que:

“O que motivou a remessa da notícia do fato à Promotoria do Patrimônio Público foi a eventual irregularidade na utilização de recursos repassados pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social ao Instituto Mater Dei, por meio de contratos e convênios (fls. 89/90)” (fl. 105).

                   O douto 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público, entretanto, reputou que “não se trata de emprego indevido de verba pública oriunda do Convênio” (fl. 94), referindo à sugestão contida no processo de auditoria da Prefeitura Municipal de São Paulo de inclusão no convênio da “obrigação da conveniada de não utilizar os valores oriundos do BPC dos acolhidos para pagamento de despesas relativas ao convênio” (fl. 62). Daí porque conclui a ilustre signatária da promoção que “o benefício individual é que está sendo gasto indevidamente” (fl. 94).

                   Em linha de princípio, o desvio de recursos públicos independente da outorga a título individual ou coletiva não descaracteriza improbidade administrativa. Porém, o que se colocou em cena não foi isso, e sim, a possível utilização desses recursos individuais para cobertura de dispêndios que já são cobertos por montantes oriundos do erário municipal.

                   Tal denota, em tese, indício de fraude a ser perscrutado em relação à aplicação dos recursos financeiros repassados por atos negociais estabelecidos entre o Município de São Paulo e Instituto Mater Dei, e cuja atribuição é, sem dúvida, da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social.

                   Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, a atribuição para oficiar nos autos.

                   Publique-se a ementa. Comuniquem-se os interessados. Cumpra-se, providenciando-se a remessa dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

         São Paulo, 22 de abril de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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