Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 56853/15

Referência: Processo n. 0003729-88.1999.8.26.0642 (Juízo de Direito da 2ª Vara de Ubatuba)

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Ubatuba

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Ubatuba

 

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Ação Popular. 1. A intervenção do Ministério Público em ação popular recai sobre o membro que, nos termos da divisão de atribuições da respectiva Promotoria de Justiça, oficia perante o correlato Juízo de Direito, e não ao Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da comarca, conforme decisões precedentes. 2. Conflito conhecido e dirimido, declarando a atribuição do suscitado.

 

 

 

 

1.                Põem-se em conflito a respeito da intervenção em ação popular em trâmite no douto Juízo de Direito da 2ª Vara de Ubatuba (Processo n. 0003729-88.1999.8.26.0642) os ilustres 4º Promotor de Justiça de Ubatuba (suscitante) e 1º Promotor de Justiça de Justiça de Ubatuba (suscitado).

2.                Os autos foram remetidos ao 1º Promotor de Justiça de Ubatuba que requereu ao Juízo de Direito seu envio ao 4º Promotor de Justiça de Ubatuba porque a este caberia, segundo a divisão de atribuições, a tutela do patrimônio público, “incluindo a repressão dos atos de improbidade”, enquanto àquele as atribuições de natureza cível nas 1ª, 2ª e 3ª Varas de Ubatuba. Segundo arremata, invocando o princípio da especialidade:

“A divisão de atribuições é clara ao afetar a defesa do patrimônio público, ‘incluindo a repressão aos atos de improbidade’ ao 4º cargo. Neste sentido, ações populares defensivas do patrimônio público inserem-se neste âmbito” (fl. 1504).

3.                Recebendo o processo, o 4º Promotor de Justiça de Ubatuba suscitou conflito negativo de atribuições alegando, em suma, que entre suas tarefas não se incluem a intervenção em ações populares, cabendo a atuação ao suscitado “porquanto a regra geral prevê sua manifestação nos ‘feitos cíveis’ que nela tramitem”, o que encontra respaldo em decisões precedentes e, ainda, na incidência, por analogia, dos incisos VIII e IX do art. 295 da Lei Complementar Estadual n. 734/93 (fls. 1707/1711).

4.                Em vista disso, o douto Juiz de Direito promoveu a remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 1712).

5.                É o relatório.

6.                A presente ação popular foi movida para declaração da nulidade de contrato administrativo, celebrado, sem prévia licitação, entre a Municipalidade de Ubatuba e Antonio Carlos de Paula Campos – Advogados Associados, e a consequente condenação dos requeridos a restituírem ao Erário Municipal o prejuízo causado pelo ato lesivo e ilegal (fls. 02/10).

7.                A respeitável sentença a fls. 372/373 indeferiu a petição inicial, julgando extinta a ação sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, I e VI do Código de Processo Civil.

8.                A Colenda 3ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento à remessa oficial para anular a sentença, determinando que outra fosse proferida, com exame de mérito, após eventual dilação probatória (fls. 497/515).

9.                Retomado o curso da lide, a ação foi julgada procedente, anulando-se o contrato administrativo e condenando-se os requeridos, solidariamente, no ressarcimento dos danos causados ao patrimônio público municipal no valor de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais) (fls. 875/885 e fls. 891/892).

10.              A Colenda 3ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça, por maioria de votos, deu provimento aos recursos de apelação interpostos pelos vencidos, julgando-se, assim, improcedente a ação (fls. 1005/1009).

11.              Interpostos embargos infringentes, estes, todavia, foram acolhidos, julgando-se, destarte, parcialmente procedente a ação (fls. 1107/1115).

12.              Com o retorno dos autos à Vara de origem, o autor popular, devidamente intimado, apresentou a planilha atualizada do débito, iniciando-se a execução da sentença condenatória (fls. 1248).

13.              É a síntese necessária.

14.              A divisão de serviços da Promotoria de Justiça é a seguinte:

“O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no uso de suas atribuições, homologa a modificação das atribuições dos cargos de Promotor de Justiça da PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE UBATUBA, aprovada pelo Órgão Especial do Egrégio Colégio de Procuradores de Justiça, em reunião realizada no dia 12 de março de 2014 (artigos 22, incisos XIX e XX, e 23 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público de São Paulo - Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993), de acordo com a proposta de fls. 16/20, constante dos autos do protocolado nº 166.094/13, convalidando-se os atos praticados anteriormente, por analogia, com fundamento no disposto no parágrafo único do artigo 2º do Ato nº 61/95-CPJ-PGJ, com a seguinte redação:

I. 1º PROMOTOR DE JUSTIÇA

a) feitos cíveis judiciais das 1ª, 2ª e 3ª Varas, inclusive suas audiências;

b) Habitação e Urbanismo, inclusive as ações públicas distribuídas e os feitos criminais respectivos;

c) Meio Ambiente, inclusive as ações públicas distribuídas;

d) Acidentes do Trabalho, inclusive as ações civis públicas distribuídas e os feitos criminais respectivos;

e) Fundações, inclusive as ações civis públicas distribuídas e os feitos criminais respectivos;

f) atendimento ao público.

II. 2º PROMOTOR DE JUSTIÇA

a) feitos criminais judiciais da 2ª Vara, inclusive suas audiências;

b) Execuções Criminais;

c) feitos de competência do Tribunal do Júri, desde o inquérito policial até final decisão transitada em julgado (inclusive atuação em Plenários);

d) Corregedoria dos Presídios e da Polícia Judiciária;

e) feitos de finais 4, 5, 6, 40, 50 e 60 da Vara do Juizado Especial;

f) atendimento ao público.

III. 3º PROMOTOR DE JUSTIÇA

a) Feitos criminais judiciais da 3ª Vara, inclusive suas audiências;

b) Infância e Juventude, compreendendo crianças e adolescentes em situação de risco, infratores e interesses difusos, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

c) Direitos Humanos com abrangência na defesa do Idoso, da Pessoa com Deficiência, Saúde Pública e Inclusão Social, inclusive as ações civis públicas distribuídas e os feitos criminais respectivos;

d) feitos de finais 7, 8, 9, 70, 80, 90 e 100 da Vara do Juizado Especial;

e) atendimento ao público.

IV. 4º PROMOTOR DE JUSTIÇA

a) feitos criminais judiciais 1ª Vara, inclusive suas audiências;

b) Patrimônio Público, incluindo a repressão aos atos de improbidade, inclusive as ações civis públicas distribuídas e os feitos criminais respectivos;

c) Consumidor, inclusive as ações públicas distribuídas e os feitos criminais respectivos;

d) feitos de finais 1, 2, 3, 10, 20 e 30 da Vara do Juizado Especial;

e) Corregedoria dos Registros Públicos;

f) atendimento ao público.

OBSERVAÇÃO: A participação nas audiências da Vara do Juizado Especial será de acordo com escala interna de divisão da Promotoria de Justiça, independentemente da matéria” (Ato nº 022/2014-PGJ, de 13 de março de 2014).

11.              Ação popular e ação civil pública por ato de improbidade administrativa são remédios jurídico-processuais paralelos que se destinam, lato sensu, ao combate de atos ilegais e lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente (arts. 5º, LXXIII e 129, III, Constituição Federal). Enquanto naquela o Ministério Público atua como custos legis (tendo legitimidade ativa ulterior supletiva e condicionada ut art. 9º da Lei n. 4.717/65) nesta é um dos colegitimados ativos embora possa atuar como fiscal da lei. Além disso, o objeto da ação civil pública pode ser mais amplo por envolver as sanções do art. 12 da Lei n. 8.429/92, a qual não se vocaciona a ação popular cuja legitimidade ativa é restrita ao cidadão. No caso presente, não notícia da promoção de ação civil pública a despertar os fenômenos da conexão ou da continência.

12.              Analisada a divisão de atribuições da Promotoria de Justiça de Ubatuba – devidamente homologada pela instância competente – verifica-se que não foi confiada ao Promotor de Justiça com atribuição especializada a intervenção em ação popular tanto no domínio do patrimônio público e social quanto na esfera das demais áreas de interesses difusos e coletivos (meio ambiente, por exemplo) que têm habilitação para tutela também pela via da ação popular.

13.              Ao contrário, sendo a ação popular concebida ontologicamente, para fins processuais, como feito cível, a atuação do Ministério Público é ordenada pela regra que vincula a atribuição ao juízo respectivo.

14.              A ratio conducente deste raciocínio, aliás, é fomentada pela própria concepção da especialização no Ministério Público paulista cuja Lei Orgânica Estadual resolveu compreender dois órgãos distintos no assunto:

“Artigo 295 — Aos cargos especializados de Promotor de Justiça, respeitadas as disposições especiais desta lei complementar, são atribuídas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público, nas seguintes áreas de atuação:

(...)

VIII — Promotor de Justiça de Mandados de Segurança: mandados de segurança, ações populares, ‘habeas data’ e mandados de injunção ajuizados na primeira instância;

IX — Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social: defesa da probidade e legalidade administrativas e da proteção do patrimônio público e social;

(...)

Artigo 296 — Aos cargos criminais e cíveis são atribuídas todas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público, respectivamente na sua área de atuação penal ou cível, salvo aquelas que, na mesma comarca, forem de atribuição de cargos especializados ou de cargos com designação de determinada localidade.

(...)

Artigo 297 — Aos cargos gerais ou cumulativos são atribuídas todas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público, tanto na área de atuação penal como cível, respeitadas as limitações previstas no artigo anterior”.

15.              É nítido que o inciso VIII do art. 295 subtrai do inciso IX a intervenção em ação popular destacando o exercício da função em razão da natureza da lide e de sua posição processual. Nessa conformidade, invoco os seguintes precedentes específicos:

“1) Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça de Matão, acumulando atribuições do 3º Promotor de Justiça (suscitante) e 4º Promotor de Justiça de Matão (suscitado). 2) Ação popular. Ato de divisão de serviços da Promotoria de Justiça. Previsão de atribuição do suscitante para oficiar nos ‘feitos cíveis’ da Vara Judicial. Atribuição do suscitado para ‘Cidadania, incluindo a repressão aos atos de improbidade, a defesa do patrimônio público’. 3) Interpretação dos atos de divisão de serviços. Análise contextual e finalista. Princípio da especialidade. As atribuições especializadas são discriminadas expressamente. Atuação especializada, como regra, relacionada à atuação como autor ou fiscal em ações civis públicas. Analogia com o art. 295, VIII e IX da Lei Complementar nº 734/93, referente às Promotorias Especializadas da Capital. Atuação como fiscal da ordem jurídica, afora os casos de ação civil pública, que recai no órgão com atribuição para oficiar em ‘feitos cíveis’. 4) Não ocorrência de prevenção em decorrência de expedição de recomendação. Prevenção: configuração apenas em função da anterior atuação no feito considerado. Pressuposto da prevenção: existência concomitante de atribuições de dois órgãos, não verificada na hipótese. 5) Eventualidade de propositura de ação civil pública, e reunião, para julgamento conjunto, com a ação popular, em virtude da conexão (art. 105 do CPC). Caso em que caberá atuar no feito um só órgão de execução, revestido de atribuição mais especializada, cf. art. 114, § 3º da Lei Complementar nº 734/93” (Protocolado n. 51.192/10).

“1) Conflito negativo de atribuições. 7º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (suscitante) e 4º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (suscitada). 2) Ação popular. Ato de divisão de serviços da Promotoria de Justiça. Previsão de atribuição da suscitada para oficiar nos ‘feitos cíveis’ da Vara Judicial. Atribuição da suscitante para a defesa do patrimônio público. 3) Interpretação dos atos de divisão de serviços. Análise contextual e finalista. Princípio da especialidade. As atribuições especializadas são discriminadas expressamente. Atuação especializada, como regra, relacionada à atuação como autor ou fiscal em ações civis públicas. Analogia com o art. 295, VIII e IX da Lei Complementar nº 734/93, referente às Promotorias Especializadas da Capital. Atuação como fiscal da ordem jurídica, afora os casos de ação civil pública, que recai no órgão com atribuição para oficiar em ‘feitos cíveis’. 4) Conflito conhecido e dirimido, cabendo à suscitada prosseguir no feito” (Protocolado n. 30.094/12).

“1) Conflito negativo de atribuições. 2º Promotor de Justiça de Valinhos (suscitante) e 1º Promotor de Justiça de Valinhos (suscitado). 2) Ação popular. Ato de divisão de serviços da Promotoria de Justiça. Previsão de atribuição do suscitado para oficiar nos ‘feitos cíveis’ da Vara Judicial. Atribuição do suscitante para a defesa do patrimônio público. 3) Interpretação dos atos de divisão de serviços. Análise contextual e finalista. Princípio da especialidade. As atribuições especializadas são discriminadas expressamente. Atuação especializada, como regra, relacionada à atuação como autor ou fiscal em ações civis públicas. Analogia com o art. 295, VIII e IX da Lei Complementar nº 734/93, referente às Promotorias Especializadas da Capital. Atuação como fiscal da ordem jurídica, afora os casos de ação civil pública, que recai no órgão com atribuição para oficiar em ‘feitos cíveis’. 4) Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir no feito” (Protocolado n. 15.394/13).

16.              Posto isso, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 1º Promotor de Justiça de Ubatuba, a atribuição para oficiar nos autos.

17.              Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos ao douto Juízo de Direito da 2ª Vara de Ubatuba. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

         São Paulo, 30 de abril de 2015.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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