Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0057926/14

(Ref. n. MP: 14.0670.0002070/2014-9)

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Jundiaí

Suscitado: 12º Promotor de Justiça de Jundiaí.

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Jundiaí. Suscitado: 12º Promotor de Justiça de Jundiaí.

2.   A partir do momento em que o suscitado reconheceu sua suspeição para presidir a investigação, de rigor prossiga o procedimento sobre o comando de outro membro do Ministério Público. Conquanto se compreenda a preocupação do suscitante com a eficiência da investigação, é fato que não pode o Chefe da Instituição pautar a conduta de seus membros, sob pena de violação à independência funcional. Descabimento de presidência da investigação por membro do Ministério Público subscritor de representação que ensejou a instauração do inquérito civil .

3.   Diante do exposto, a atribuição para oficiar no presente procedimento é do suscitante.

 

 

 

 

1) Relatório

 

O presente procedimento foi instaurado por conta de representação encaminhada em 28 de março de 2014 pela Associação Amigos do Portal do Paraíso II e Claudemir Battalini à Promotoria de Justiça de Jundiaí, em que se noticia irregularidades na prestação de serviços de empresa VIVO S/A (fl. 02/50).

O 12º Promotor de Justiça reconheceu, de plano, sua suspeição, arguindo, em síntese, o seguinte:

“Insta destacar que a representação é subscrita pelo colega do Ministério Público, Exmo. Sr. Dr. Claudemir Battalini, 9º Promotor de Justiça de Jundiaí, pessoa com a qual divido o mesmo local de trabalho, juntamente com mais 10 amigos Promotores de Justiça, além de representar a pessoa com a qual mantenho diálogo a respeito de demandas jurídicas, elementos suficientes para evidenciar minha suspeição por motivo íntimo.

Assim, tendo em conta que o representante, ora delator, é, inclusive, meu substituto automático, consoante Ato 074/13 – PGJ, de abril de 2013, nos termos do art. 166, I da Lei Complementar Estadual 734/1993, determino a remessa dos autos ao substituto automático consequente: 2º Promotor de Justiça de Jundiaí, Exmo. Sr. Dr. Flamínio Silveira Amaral Júnior”(fl. 51).

Ao suscitar o conflito negativo, o DD. 2º Promotor de Justiça de Jundiaí pontuou, cf. fls. 68/70, o seguinte: (a) a se aceitar a argumentação do suscitado, todos os Promotores de Justiça de Jundiaí não poderiam atuar no procedimento; (b) há manifestação do 9º Promotor de Justiça de Jundiaí (fls. 58/60) no sentido de que acaso não reconhecida a impugnação da suspeição estaria ele apto para presidir a investigação; (c) postula, por final, o acolhimento da impugnação do pedido de suspeição do 12º Promotor de Justiça de Jundiaí ou alternativamente  o reconhecimento da atribuição do 9º Promotor de Justiça de Jundiaí para seguir no feito.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

Reza o art. 25 do ATO NORMATIVO Nº. 484-CPJ, de 5 de outubro de 2006 (PT. nº. 123.515/06), que disciplina o inquérito civil e demais investigações do Ministério Público na área dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, as audiências públicas, os compromissos de ajustamento de conduta e as recomendações, e dá outras providências, que “O presidente do inquérito civil, havendo causa suficiente, declarará, em qualquer momento, seu impedimento ou sua suspeição”.

Embora a legislação que regula a ação civil pública, bem como o ato normativo acima referido, não trate expressamente dos fundamentos para o reconhecimento de hipóteses de impedimento ou de suspeição do órgão ministerial, é razoável aplicar, por interpretação analógica e extensiva, os mesmos motivos estabelecidos tanto no Código de Processo Penal como no Código de Processo Civil, como parâmetro para o reconhecimento da quebra de imparcialidade que deve pautar a atuação do membro do parquet.

No Código de Processo Penal, as causas de impedimento e de suspeição encontram-se estabelecidas nos art. 252 a 255, enquanto no Código de Processo Civil estão assentadas do art. 134 ao art. 135, sendo aplicáveis ao membro do Ministério Público, no processo civil, por força do disposto no art. 138, I, do CPC.

Como se sabe, as causas de impedimento têm natureza objetiva, enquanto as causas de suspeição têm índole subjetiva. Aquelas relevam fatos objetivos, gerando presunção absoluta de incapacidade pessoal de atuação, sendo fundamento, inclusive, no processo civil, para a ação rescisória (art. 485, II, do CPC).

Já os motivos de suspeição revelam circunstâncias de cunho subjetivo, devendo ser inteiramente demonstradas por quem as argui. Não sendo alegado motivo de suspeição no tempo e forma devidos, o vício deixa de produzir qualquer consequência, operando-se a preclusão, sendo válido o processo e a respectiva decisão. Nesse sentido, entre outros: Celso Agrícola Barbi, Comentários ao CPC, vol. I, 11. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 413; Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao CPC, T. II, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 419/420; José Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, 10. ed., São Paulo, Saraiva, 1983, p. 260/263; Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 47. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 235.    Destaque-se também que o caráter taxativo do rol das hipóteses de impedimento e suspeição é reconhecido pela jurisprudência do E. STJ, como se infere dos seguintes precedentes, indicados por Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa (CPC e legislação processual civil em vigor, 38. ed., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 259/260, nota n.3a, ao art.135 do CPC): 4ª T., AI 520.160-AgRg, j.21.10.04, DJU 16.11.04, p.285; 1ª T., RESP 730.811, rel. Min. José Delgado, j.2.6.05, DJU 8.8.05, p.202; 3ª T., AI 444.085-AgRg, rel. Min. Gomes de Barros, j.28.6.05, DJU 22.8.05, p.259; RT 833/201.

        Em julgados mais recentes, o C. STJ e o E. STF têm reiterado o caráter taxativo das hipóteses de impedimento e suspeição (STJ, HC 99945/SP, 6ª T., j. 30.10.2008, rel. Min. Og Fernandes), apontando-as como verdadeiro numerus clausus, sem comportar interpretação analógica ou extensiva (STF, Pleno, HC 92893/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.2.10.2008; STF, Pleno, Rcl 4050/SP, rel. Min. Carlos Britto, j.13.09.2007).

        A afirmação no sentido da taxatividade dos fundamentos para a recusa do julgador também se encontra assentada em doutrina, tanto nacional como estrangeira.

        Tratando do tema no direito italiano, por exemplo, Salvatore Satta e Carmine Punzi, ao examinar o art. 51 do CPC daquele país, a respeito das causas de “ricusazione del giudice”, afirmaram que “la legge, come è naturale, stabilisce in modo tassativo i casi in cui il giudice non è o si deve ritenere non sia imparziale” (Diritto Processuale Civile, 13. ed., Padova, CEDAM, 2000, p. 78).

        No mesmo sentido, no direito peninsular, confiram-se ainda: Crisanto Mandrioli, Corso di diritto processuale civile, vol. I, 12. ed., Torino, 1998, p. 266; Aldo Attardi, Diritto processuale civile, vol. I, 3. ed., Padova, CEDAM, 1999, p. 212/213; entre outros.

        A doutrina brasileira, mormente considerando a similaridade de tratamento legislativo dada à matéria quando feito o cotejo com a legislação italiana, também se posiciona nesse sentido: Celso Agrícola Barbi, Comentários ao CPC, vol. I, 11. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 411/413; José Frederico Marques, afirmando que “para que as partes não levantem suspeitas infundadas, a lei especifica os motivos” (Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, 10. ed., São Paulo, Saraiva, 1983, p. 260, g.n.); entre outros.

 

Insta colocar que, a partir do momento em que o suscitado reconheceu sua suspeição para presidir a investigação (fl. 51), de rigor prossiga o procedimento sobre o comando de outro membro do Ministério Público. Conquanto se compreenda a preocupação do suscitante com a eficiência da investigação, é fato que não pode o Chefe da Instituição pautar a conduta de seus membros, sob pena de violação à independência funcional. Registre-se que eventual irregularidade na arguição de incompatibilidade poderá ser apreciada em sede disciplinar, e não no conflito negativo de atribuições.

Resta, agora, saber se o procedimento deverá seguir com o suscitante ou com o próprio representante, 9º Promotor de Justiça de Jundiaí, o qual manifestou interesse na condução da investigação caso seja reconhecida a suspeição do suscitado.

No que toca aos direitos supraindividuais, merece análise a incompatibilidade do membro do Ministério Público quando pertencente ao grupo ofendido. Estudiosos há que diferenciam a atuação segundo a natureza do direito: em se tratando de direitos difusos, não haveria impedimento na atuação do Promotor de Justiça, mesmo que pertencente ao grupo afetado; na hipótese de direitos coletivos e individuais homogêneos, se o promotor estivesse entre os atingidos pela ofensa, não poderia tocar a investigação.

Mas o caso concreto apresenta a seguinte peculiaridade: o 9º Promotor de Justiça figura como um dos representantes, o que inviabiliza a presidência do Inquérito Civil n. 126/2014. Situação diversa seria se, porventura, tivesse instaurado de ofício o inquérito civil, ainda que atingido pela prestação de serviço investigada.

Em virtude das regras acima expostas, nota-se competir ao suscitante prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.

Em síntese: não há razão, no caso em exame, para acolhimento da impugnação ao reconhecimento da suspeição; atribui-se ao suscitante, 2º Promotor de Justiça de Jundiaí, a atribuição para funcionar nos autos.

3) Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber a órgão ministerial suscitante, o DD. 2º Promotor de Justiça de Jundiaí, oficiar no presente expediente.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 08 de maio de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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