Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 58.971/18

Suscitante: 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

 

 

 

 

 

Ementa: Conflito positivo de atribuição. Patrimônio público e social. Pretérita atuação conjunta na instrução. Fatos diversos. Inexistência de retratação de declínio de atribuição. Inocorrência de Conexão ou prevenção. Prevalência inexorável do princípio do promotor natural. Recusa indevida de restituição do inquérito civil.  

1.      Conflito positivo de atribuições. 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitante) e 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitado).

2.      Remessa de inquérito civil sob a presidência do 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital ao 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, para fins de atuação conjunta, em razão da existência de outro inquérito civil sob a presidência deste último para apuração de atos de improbidade envolvendo a mesma empresa, servidores, agentes políticos e partido político, mas, referente a obra e contrato diversos.

3.      Recusa de restituição dos autos, quando da solicitação do 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, sob os fundamentos de que houve declínio de atribuições, de que as investigações são conexas e da pertinência e conveniência da presidência dos inquéritos civis por um único Membro do Ministério Público.

4.      Não configuração de declínio de atribuição pela mera remessa dos autos para atuação conjunta já existente. Se há atuação conjunta – o que é recomendável – cada membro do Ministério Público guarda sua atribuição, não podendo um assumir a titularidade da condução de inquérito civil a outrem pertencente.

5.      Inexistência de conexão. A coincidência de partes não se traduz em conexão. Fatos distintos, sendo apurados por diferentes Promotores naturais. Inviabilidade de obrigatória reunião das investigações.

6.      Conflito conhecido e dirimido. Atribuição do 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitado) para prosseguir na investigação.

 

 

Vistos.

1)  Relatório.

Trata-se de conflito positivo de atribuições provocado pelo DD. 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, no qual figura como suscitado o DD. 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

Relatou o 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital que, sob a presidência de seu cargo, fora instaurado procedimento, com base em elementos de prova contidos na Petição 4428 do Supremo Tribunal Federal, posteriormente evoluído para o Inquérito Civil nº 14.0695.0000379/2017-9 - IC nº 379/17.

Indicou que o objeto do IC nº 379/17 compreende:

1) irregularidades em licitação do lote 2, trecho sul do Rodoanel, contrato 3584/2006, de abril de 2006, firmado entre a Dersa e a Construtora Norberto Odebrecht, por anterior acordo de mercado com outras empresas do setor, que envolveu reuniões entre tais empresas e a própria Dersa sobre cláusulas de editais e planilhas de preço de licitação;

2) solicitação de Mário Rodrigues Júnior seguida de pagamento da importância aproximada de R$ 1.200.000,00 por empresa do Grupo Odebrecht, como contrapartida pelos itens aprovados e incluídos nas planilhas de preço da licitação, para fins de campanhas eleitorais concorrentes;

3) solicitação de Paulo Vieira Souza seguida do pagamento de 0,75% do valor recebido por cada empresa do consórcio liderado pela Odebrecht, em decorrência de renegociação contratual comandada pelo citado Paulo, para alteração do regime contratual de preço unitário para preço global, alteração de cláusula para permitir às contratadas aproveitar ganhos na execução por modificação do projeto e redução de 4% do valor do contrato do Rodoanel, para atender decreto do então Governador José Serra de renegociação contratual e de valores, sob a alegação de que os valores seriam encaminhados a companhas eleitorais do PSDB, com indicação de que os pagamentos de aproximadamente R$ 2.200.000,00;

4) solicitação de Aloysio Nunes Ferreira seguida de pagamento em 2010 de aproximadamente R$ 500.000,00 por empresa do Grupo Odebrecht, para eventual campanha política ao Senado, como contrapartida por ajuda de Aloysio em negociações de atraso de pagamento da Dersa e outros assuntos contratuais, empresa em débito com a Odebrecht e por aditivos de obra do Rodoanel, pagamento feito pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, sem registro junto ao TSE;

5) solicitação seguida de pagamento de valores a José Serra, para alegada contribuição em campanha eleitoral ao Governo do Estado e à Prefeitura Municipal de São Paulo, por caixa 2, sem registro formal de contribuição junto ao TSE, para futuro auxílio do candidato em obras de infraestrutura e concessões na área de transporte e saneamento no Estado de São Paulo ao Grupo Odebrecht, com contribuição de R$ 2.000.000,00 em 2004, R$ 4.000.000,00 para campanha do Governo do Estado de São Paulo, com repasse para conta bancária no exterior indicada e administrada pro José Amaro Ramos, constando que, durante o mandato de José Serra no Estado, a Odebrecht concorreu e saiu vitoriosa em várias licitações, dentre as quais obras de recuperação do Córrego Pirajuçara, recuperação ambiental da Baixada Santista, lote 2, concessão do corredor Dom Pedro I e lote 7 da linha 2 do Metrô de São Paulo;

6) solicitação por José Serra seguida de pagamento de R$ 3.000.000,00 em 2008, por empresa Odebrecht, para contribuição em campanha eleitoral de José Serra à Prefeitura de São Paulo;

7) solicitação por José Serra seguida de pagamento pela Odebrecht, em vários períodos, de valores, sob alegação de contribuição a sua companha eleitoral à Presidência da República;

8) solicitação, em 2009, por Sérgio Guerra, Presidente nacional do PSDB, de R$ 30.000.000,00, para campanhas majoritárias do partido, inclusive de José Serra na corrida à Presidência da República, com contrapartida em favor da Odebrecht de cumprimento de acordo feito pela Dersa, em janeiro de 2008 e pagamento dos atrasados existentes desde 2002, e pedido complementar de Sérgio para repasse de 15% dos créditos em atraso da Odebrecht, que teria sido confirmado por José Serra, após, em sinal de garantia do cumprimento da contrapartida esperada pela empresa, gerando pagamentos pela empresa de R$ 23,3 milhões, conforme cronograma estabelecido no acordo com a Dersa.

Destacou que, em fevereiro de 2018, o então Promotor que presidia o IC nº 379/17 encaminhou os autos ao 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público, para verificar conveniência de instrução conjunta no tocante ao Inquérito Civil nº 14.0695.0000332/2017 - IC nº 332/17, com o propósito de facilitar a colheita de prova, dada a existência, naquela oportunidade, de atuação conjunta dos Promotores de Justiça.

Asseverou, todavia, que não houve declínio formal de atribuições em favor do 2º Promotor de Justiça, porém que a consulta ao Portal SIS-Integrado evidencia que a realização de diligências relativas ao IC nº 379/17, sem ciência do suscitante.

Ponderou, ainda, que os objetos dos inquéritos civis eram distintos, uma vez que o IC nº 332/17 se destina a apurar “eventuais de irregularidades em execução contratual envolvendo a DERSA e empresa do Grupo Odebrecht (CBPO), por relacionamento espúrio, ilícito e inadequado, no pagamento de valores pendentes (R$ 191.590.000,00), em acordo judicial de 28.01.2009, por contrato de construção da Rodovia Carvalho Pinto, no Estado de São Paulo, em contrapartida ao pagamento ou doação por empresa do Grupo Odebrecht de valores ou vantagem indevida a partido político (PSDB) e a políticos (Márcio Fortes, Ronaldo Cesar Coelho, Hilberto Silva e outros) ou para campanha eleitoral, e também a Paulo Vieira de Souza (Diretor da DERSA)”.

Para arrematar, assinalou que já havia solicitado ao 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público a restituição dos autos, sem qualquer resposta.  

Concluiu, então, no sentido de que se tornara imprescindível suscitar o presente conflito de atribuição (fls. 02/08).

Recebido conflito na Subprocuradoria-Geral de Justiça Jurídica, foi solicitada a manifestação formal do suscitado (fl. 31).

De sua parte, o 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público ofertou resposta, tendo sustentado a sua atribuição para prosseguir na presidência de ambos os inquéritos civis.

Em primeiro lugar, afirmou que houve declínio voluntário e legítimo de atribuição pelo anterior ocupante do cargo de 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

Em segundo lugar, acrescentou que os fatos investigados são conexos, em decorrência da identidade de partes (empresa, servidores, agente político e partidos políticos) e de justificativa para pagamento da propina, isto é, recebimento de valores para financiamento de campanhas políticas em troca de auxílios em contratos.

Em terceiro lugar, ressaltou que estava prevento, uma vez que a sua investigação era mais antiga.

Em quarto lugar, mencionou que o prosseguimento conjunto das investigações representaria maior eficiência e economia processual, porque facilitaria a produção das provas e evitaria atuações não convergentes (fls. 34/47).

É o relato do essencial.

2)  Fundamentação.

Está configurado, no caso, o conflito positivo de atribuições.

Passa-se à sua apreciação.

De início, é imprescindível anotar que não houve declínio formal de atribuição.

Com efeito, a remessa dos autos do IC nº 379/17 pelo anterior 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital ao 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital foi determinada, após a elaboração de relatório de prorrogação de prazo, nos seguintes moldes:

“(...)

Por oportuno, para facilitação da colheita da prova e apuração dos fatos, entendo conveniente a investigação conjunta com o IC 332/2017 – 2º PJPPS, porque já está ocorrendo trabalho em conjunto, por designação daquele Promotor (fls. 25) e até a realização de audiência em comum dos feitos (fls. 97/98), com observação de que no IC 332/2017 também é apurado o pagamento de propina a Paulo Vieira de Souza e a políticos, objeto semelhante a este inquérito 379/2017. O IC 332/17 é mais antigo, motivo pelo qual se encaminhe estes autos ao 2º PJ”. (fl. 93 – grifos nossos).

Da singela manifestação acima transcrita, infere-se que não houve declínio preciso e incontroverso de atribuição por parte do então 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

Ao contrário, depreende-se que houve remessa dos autos, para atuação conjunta, que, aliás, já vinha ocorrendo. E se a atuação é conjunta, cada membro do Parquet conserva a titularidade da atribuição de caso que lhe foi distribuído.

Neste passo, é importante considerar que o declínio de atribuição é ato de extrema relevância, visto que o Promotor de Justiça se reconhece sem atribuições para prosseguir nas investigações, devendo, por conseguinte, manifestar-se de forma clara.

E não foi o que se concretizou, no caso em tela.

O encaminhamento dos autos deu-se para fins de atuação conjunta, como já vinha ocorrendo no caso e ocorre, usualmente, em casos de tal jaez e, sobretudo, nesta Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

Mais: se houvesse se verificado declínio, o Promotor de Justiça declinante teria reconhecido a atribuição única do declinado para atuação nas investigações, sem qualquer menção a “trabalho conjunto” que vinha acontecendo.

E, finalmente, considerando o tempo transcorrido de trabalho conjunto, o debatido declínio ou conflito de atribuições teria se verificado em momento anterior, porque tanto o 2º Promotor de Justiça como o anterior ocupante do cargo de 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital já possuíam conhecimento dos fatos relacionados aos dois inquéritos civis.

Em síntese, não é possível reconhecer declínio de atribuição.

Superada tal premissa, é imprescindível reconhecer que os fatos não são intrinsecamente conexos de sorte a ensejar obrigatória reunião das investigações, nos termos pretendidos pelo suscitado.

Conquanto as partes envolvidas nos eventuais atos de improbidade administrativa que devem ser investigados possam ser coincidentes e, ainda, tenham sido os atos motivados para fins de obtenção de recursos para financiamento de campanhas eleitorais de um mesmo partido político, os fatos investigados são distintos.

O IC nº 332/17 envolve o pagamento de vantagens indevidas relacionadas a “acordo judicial de 28.01.2009, por contrato de construção da Rodovia Carvalho Pinto, no Estado de São Paulo” (fls. 129), ao passo que o IC nº 379/17 se volta para apurar o pagamento de vantagens indevidas relativas à “licitação do lote 2, trecho sul do Rodoanel, contrato 3584/2006”, assim como a renegociações contratuais posteriores (fls. 11).

Portanto, as conclusões são: 1) os fatos em si são independentes, isto é, é possível que um conjunto de fatos tenha ocorrido e o outro não; 2) os desfechos factíveis, em tese, para as investigações são: a) comprovação do conjunto de notícias de cada um dos inquéritos sem que idêntica situação se verifique com relação ao outro; b) comprovação de ambos; c) não comprovação de nenhum.

Desta forma, ainda que possa haver algum benefício indireto na reunião das investigações, em virtude da coincidência das partes, o que poderia agilizar o seu contato com os Membros do Ministério Público, realizando-se audiências únicas para ambas as instruções, não há identidade de fatos a autorizar o reconhecimento da conexão, tal qual pretendido pelo suscitado. Pois, insisto, atuação conjunta não se equipara ao declínio de atribuição.

É certo que, eventualmente, tais fatos distintos poderiam ser investigados num único procedimento, caso, quando da sua comunicação ao Ministério Público e da distribuição entre os Promotores de Justiça integrantes da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público, um único Promotor de Justiça, por coincidência, fosse o Promotor de Justiça natural de todos os conjuntos fáticos. A hipótese seria, todavia, de cumulação de investigações e de posterior e eventual cumulação de pedidos, em uma possível ação de improbidade.

Porém, não foi o que aconteceu, visto que cada conjunto de fatos, por consequência da distribuição dos expedientes que os noticiaram, foi encaminhado para análise a distintos cargos de Promotor de Justiça.

Complementando, interessa mencionar que os fatos foram sempre tratados de forma separada, mesmo quando o 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, no dia seguinte à remessa dos autos do IC nº 379/17 para ele, realizou audiência com a DERSA e representantes da empresa Odebrecht (fl. 93 e fl. 102).

Examinando-se o termo de audiência, constata-se que há menção aos dois inquéritos civis e, primordialmente, que os fatos apurados em cada um são relatados de forma apartada e independente.

Foi o que também se verificou nos demais termos de audiência (fls. 106, 121, 124, 183, 193, 197, 210 e 213). 

Em suma, não é concebível falar em conexão, reunião de procedimentos investigatórios e prevenção.

Por oportuno, outras duas ponderações se apresentam pertinentes.

A primeira vem no sentido de que não se identifica qualquer particular conveniência na reunião de investigações que se envolvem atos de instrução distintos para demonstração dos fatos.

A segunda é de que, na atual fase, nada está a revelar qualquer possibilidade de atuações divergentes ou conflitantes dos Promotores de Justiça que presidem os dois inquéritos civis em questão, uma vez que os fatos, frise-se, são diversos.

De rigor, assim, siga a investigação sob a presidência do suscitante.

3)  Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito positivo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital prosseguir na investigação relativa ao Inquérito Civil nº 14.0695.0000379/2017-9 - IC nº 379/17, em seus ulteriores termos.

Remeta-se ao suscitante, 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, o presente expediente.

Encaminhe-se, por fim, cópia da presente decisão ao 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, para que envie os autos do Inquérito Civil nº 14.0695.0000379/2017-9 - IC nº 379/17 ao 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 8 de agosto de 2018.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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