Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0059300/2018 (SISMP nº 66.0713.0004488/2018-1)

Suscitante: 12º Promotor de Justiça de Campinas (atribuições na área do Meio Ambiente)

Suscitado: 15º Promotor de Justiça de Campinas (atribuições na área do Patrimônio Público)

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 12º Promotor de Justiça de Campinas (atribuições na área do Meio Ambiente). Suscitado: 15º Promotor de Justiça de Campinas (atribuições na área do Patrimônio Público).

2.      Desmembramento de inquérito civil para apuração de questão relacionada à eventual ato de improbidade administrativa decorrente de operação de desmonte e sucateamento do Jardim Botânico do Instituto Agronômico de Campinas.

3.      Tutela coletiva. Sobreposição de atribuições de órgãos ministeriais de execução em relação às multifárias possíveis repercussões, em mais de uma área especializada de atuação, do mesmo fato. Solução do conflito com lastro na prevalência e dos aspectos relacionados à atuação da Promotoria de Justiça com atribuição na área do Patrimônio Público.

4.      Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição do suscitado: 15º Promotor de Justiça de Campinas (atribuições na área do Patrimônio Público).

 

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 12º Promotor de Justiça de Campinas (atribuições na área do Meio Ambiente), e como o suscitado o DD. 15º Promotor de Justiça de Campinas (atribuições na área do Patrimônio Público), em face de peças de informação que noticia o sucateamento do Jardim Botânico do Instituto Agronômico de Campinas por parte do Governo do Estado de São Paulo.

Verifica-se que o DD. 24ª Promotora de Justiça de Campinas atribuições na área do Meio Ambiente), no âmbito de inquérito civil que apura má gestão do acervo entomológico e herbáceo do Instituto Agronômico de Campinas com a sua mudança, sem a estrutura adequada para o Instituto Biológico de São Paulo, determinou a extração de peças e remessa para a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social para apuração de forma específica do sucateamento do Jardim Botânico (fl. 02).

Ao receber as peças de informação, o 15º Promotor de Justiça de Campinas (atribuições na área do Patrimônio Público) entendeu que os fatos deveriam ser apurados pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, uma vez que predominaria o interesse ambiental. Sustentou que ... o Jardim Botânico do IAC local, situado na Fazenda Santa Elisa, ostenta ao longo desses 127 anos de existência milhares de espécies de árvores nativas e exóticas, recursos naturais e genéticos, biodiversidade, bancos de germoplasma, coleções entomológicas e de plantas (Herbário e Quarentenário, que estão ameaçados por ação ou omissão do Estado – Secretaria Estadual de Agricultura (“sucateamento”), havendo inclusive requerimento de tombamento junto ao Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Artístico de Campinas, o qual embora arquivado, ainda pode ser objeto de recurso. Ainda que eventual omissão da Administração Pública pudesse configurar ato de improbidade administrativa, o que se admite em prol da argumentação, uma vez que por ora não há indício de sua ocorrência, o fato é que o bem maior a ser tutelado, in casu é o meio ambiente, bem como a proteção do patrimônio histórico e cultural da região, ressaltando que o Jardim Botânico do IAC foi classificado no mesmo nível das unidades do Rio de Janeiro e São Paulo pela Rede Brasileira de Jardins Botânicos.

Aduz que nos termos do art. 483 do Manual de Atuação Funcional caberia a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente fiscalizar a referida área porque se trata de área ambiental protegida.

Ao receber os autos o 12º Promotor de Justiça de Campinas (atribuições na área do Meio Ambiente), suscitou o presente conflito negativo entendendo a hipótese não seria de atribuição da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, pois não está a se discutir questão da área protegida ou do patrimônio artístico, cultural e histórico dos prédios envolvidos. Afirmou que A questão principal não é outra senão a alegada operação de desmonte e sucateamento do Jardim Botânico, por meio da transferência de funcionários, recursos humanos, materiais etc, que podem gerar riscos aos bancos de plantas e sucateamento do patrimônio genético e, ainda, uma não possível constituição do local em Unidade de Conservação,  (fls.81/84).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, a investigação foi iniciada pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Campinas, que vislumbrando possível ato de improbidade administrativa no “sucateamento” do Jardim Botânico, entendeu oportuno que tais fatos fossem apurados independentemente pela Promotoria de Justiça do Patrimônio Público de Campinas.

Deve-se observar que as demais questões ambientais permaneceram sob a apuração da 24ª Promotora de Justiça de Campinas, 24ª Promotora de Justiça de Campinas, como se verifica da Portaria de fls. 85/87.

O suscitado não se volta em face da regularidade do desmembramento da apuração.

Assim, como sustentado pelo suscitante o objetivo da apuração é a verificação se há opção da atual Diretoria do IAC e do Jardim Botânico pelo sucateamento proposital das mencionadas instituições, conforme prova testemunhal até então colhida.

Desta forma, a questão preponderante na hipótese dos autos refere-se à necessidade de apurar se a opção feita pelo Governo do Estado de São Paulo, revela ou não atos de improbidade administrativa.

Embora esta apuração possa ter alguma repercussão na área do Meio Ambiente, tem seu vínculo preponderante com a área do Patrimônio Público.  

Dentro deste panorama não se tem na matéria desmembrada qualquer indício no sentido de que houve interesse que determinasse a atuação da Promotoria de Justiça com atribuição na área do Meio Ambiente, mesmo porque já há apuração acerca de tais fatos.

É comum e frequente que no exercício da atividade ministerial na seara dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, fatos que são objeto de investigação apresentem repercussão em mais de uma área de atuação. Nesta hipótese, há de se identificar a prevalência da especialização e da questão preponderante, que no caso em análise, como anteriormente ressaltado é da Promotoria de Justiça com atribuição na área do patrimônio público, embora possa emergir questão subjacente ou paralela relativa a área do meio ambiente.

Assim exposto, deve prosseguir na investigação o suscitado 15º Promotor de Justiça de Campinas (atribuições na área do Patrimônio Público), por força da preponderância da questão.

 

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão ministerial suscitado, DD. 15º Promotor de Justiça de Campinas (atribuições na área do Patrimônio Público), a atribuição para apuração dos fatos.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 1º de agosto de 2018.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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