Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 6.860/14

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes

Suscitados: 8º Promotor de Justiça de Direitos Humanos (Idoso) e 3º Promotor de Justiça de Direitos Humanos (Saúde Pública)

 

 

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Saúde pública. Interesse individual indisponível. Escolha pelo atendimento em hospital público situado na Capital do Estado de São Paulo. Usuária residente no interior. Atribuição da Promotoria de Justiça do local do dano, identificado como a sede da autarquia: Promotoria de Justiça de Direitos Humanos (Saúde pública). 1. A discussão sobre a qualidade de atendimento de saúde em hospital público situado na Capital (órgão no qual a interessada tem interesse na prestação do serviço) baliza a competência do local do dano (art. 2º, LACP). 2. Pertence ao plexo de atribuições da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos a promoção de ação civil pública visando à tutela de interesse individual indisponível, cuja lesão ou ameaça ocorra em estabelecimento de saúde na Capital. 3. Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da atuação ministerial por parte do suscitado.

 

 

 

1.             Trata-se de conflito negativo de atribuições suscitado pelo ilustre 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (que na Comarca exerce a tutela dos idosos) em face do encaminhamento de representação recebida por mensagem eletrônica pelo douto 8º Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital (Idoso) que contém representação de Florísia Nascimento relatando que tenta, há mais de ano, atendimento para submeter-se a cirurgia de vesícula no Hospital do Servidor Público, na Capital (fls. 04/06). Após relatar que a interessada “fez questão de continuar a ser atendida em São Paulo” (fl. 04), aduz que:

“Em que pesem entendimentos em contrário, salvo melhor juízo, a atribuição para atuar no caso em exame é de Órgão Ministerial da Promotoria de Direitos Humanos da Capital.

Por primeiro, note-se que não se está diante de interesse individual afeto a pessoa idosa, pois a reclamante tem 59 (cinquenta e nove) anos de idade (nascida em 23/11/1954). Assim, no âmbito da atuação em defesa do interesse individual da representante, certo é que o Ministério Público não possui legitimidade.

Restaria ao parquet, portanto, investigar a ocorrência de lesão ou ameaça de lesão no atendimento aos usuários do Hospital do Servidor Público, classificado como péssimo pela representante.

Nessa esteira, eventual Ação Civil Pública deverá ser necessariamente processada e julgada na Comarca da Capital, sendo óbvia a conclusão de que falece atribuição a este Órgão Ministerial para tanto. Entendimento análogo se aplica à atribuição para a instauração do competente inquérito civil.

E, segundo o art. 3º, inciso II, ‘b’ do Ato nº 593/2009-PGJ, a atribuição compete à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos da Capital (...)” (fl. 05).

2.             À vista da assertiva do suscitante da atribuição de membro do Ministério Público diverso do suscitado, determinou-se a colheita da manifestação da douta Promotoria de Justiça de Direitos Humanos (Saúde Pública), cujo ilustre 3º Promotor de Justiça postulou o reconhecimento da atribuição do suscitante (fls. 21/25), nos seguintes termos:

“O Iamspe é entidade autárquica autônoma, com personalidade jurídica e patrimônio próprio, que visa a prestação de serviços em saúde para funcionários públicos estaduais contribuintes e dependentes (beneficiários) – cf. fls. 19-20.

Logo, tem envergadura estadual já que em cada região paulista existem funcionários públicos estaduais.

Certo, assim, que o Iamspe atua nos moldes de operadora de seguro saúde cuja clientela é composta por funcionários públicos estaduais.

Para a prestação dos serviços em saúde O Iamspe possui Hospital próprio e, por outro lado, mantém rede credenciada. O quê significa que cada região do Estado há atendimento para os contribuintes (cf. fls. 021-023).

Disso decorre que a percepção de que há erro na ideia de que todo atendimento a funcionários públicos contribuintes do Iamspe tenha que se dar no Hospital do Servidor em São Paulo.

Por questão de lógica e logística o atendimento é, em regra, regionalizado (só a complexidade do caso pode determinar a superação da regra).

Por conseguinte, a situação de conflito entre o Iamspe e o contribuinte (ou beneficiário) deve ter solução no local de residência do último, descabendo-se desloca-lo para São Paulo em evidente prejuízo ao contribuinte (analogicamente aplicável o disposto no artigo 101, inciso I, do Cód. Do Consumidor).

Vale observar, por outro lado, que ‘As autarquias estaduais – o Iamspe é autarquia estadual – podem ser demandadas onde a obrigação deve ser satisfeita, consoante expressa previsão do artigo 100, IV, ‘d’, do CPC’ (Apelação 0005857-86.2009.8.26.0236. Apelante Iamspe. Apelada Angélica Gomes Fernandes. Origem Ibitinga. TJSP, Rel. Cristina Cotrofe, j. 23 de maio de 2012, sem o itálico no original – cf. fls. 024/027.

Por fim, cabe observar que a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, nos termos do Ato 593/2009, é encarregada da tutela de direitos coletivos. Não há, nos elementos de prova empregados para suscitar o conflito negativo de atribuições, indicação de violação de direito coletivo. Por fim, se houver falha na prestação de serviços em saúde para funcionários públicos beneficiários do Iamspe naquela região, ainda assim, a ação civil deverá ser proposta no local em do prejuízo não na capital” (fls. 23/25 – sic).

3.             É o relatório.

4.             Saúde é interesse individual indisponível, cuja tutela é expressamente consignada à atuação do Ministério Público nos termos do art. 127 da Constituição de 1988, conforme expressivos pronunciamentos da jurisprudência:

“(...) Constitucionalmente qualificada como direito fundamental de dupla face (direito social e individual indisponível), a saúde é tema que se insere no âmbito de legitimação do Ministério Público para a propositura de ação em sua defesa. (...)” (STF, AC 2.836-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., DJe 26-06-2012).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEFESA DE INTERESSE INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (STF, AgR-RE 648.410-DF, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, 14-02-2012, v.u., DJe 14-03-2012).

5.             Em face dos serviços públicos e de relevância pública – entre eles a saúde – o Ministério Público exerce o controle previsto no art. 129, II, da Constituição Federal.

6.             A interessada reclama, conforme emerge de seu termo de declarações (fl. 16), da morosidade no atendimento recebido no nosocômio situado na Capital do Estado (onde passou em consulta e com  outra agendada) e, enfaticamente, manifestou:

“Embora tenha sido orientada sobre a possibilidade de ser atendida em algum hospital desta cidade por conta de eventual convênio com o IAMSPE, a declarante informou que pretende continuar a ser atendida em São Paulo” (fl. 16).

7.             O art. 295 da Lei Complementar Estadual n. 734/93 preceitua o seguinte:

“Artigo 295 — Aos cargos especializados de Promotor de Justiça, respeitadas as disposições especiais desta lei complementar, são atribuídas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público, nas seguintes áreas de atuação:

(...)

XIV — Promotor de Justiça de Direitos Humanos: garantia de efetivo respeito dos Poderes Públicos e serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, e, notadamente, a defesa dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos dos idosos, das pessoas com deficiência, e da saúde pública”.

8.             O Ato Normativo n. 593/2009 assim disciplina as atribuições dessa unidade:

“Art. 1º - Fica criada a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos com a atribuição de garantia de efetivo respeito dos Poderes Públicos e serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual e, notadamente, a defesa dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos dos idosos, das pessoas com deficiência, da saúde e em qualquer violação ou risco iminente a direitos fundamentais ou básicos sociais, por força de práticas discriminatórias que atinjam interesse público relevante.

Art. 2º - Na execução de suas atribuições, compete à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, dentre outras providências:

I – atender e receber representação ou petição de qualquer pessoa ou entidade para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos;

II - instaurar inquérito civil ou procedimento preparatório, requisitar informações, exames, laudos, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta e indireta e de fundações e associações, bem como promover ou requisitar diligências investigatórias;

III – promover ou intervir em ação civil pública na defesa dos interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos, podendo fazê-lo separadamente, na esfera de suas atribuições, ou conjuntamente com outro órgão de execução, se os interesses em questão recomendarem;

(...)

Art. 3º - Compete também à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos:

(...)

II – na área da saúde:

a) zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual e nas demais normas pertinentes, que disciplinam a promoção, defesa e recuperação da saúde, individual ou coletiva, promovendo as medidas necessárias à sua garantia;

(...)

c) zelar pelo cumprimento das diretrizes do Sistema Único de Saúde, do Código de Defesa do Consumidor, da Lei nº 8.080/90, da Lei nº 8.142/90, do Código de Saúde do Estado de São Paulo e da legislação correlata relativa à matéria prevista nesse ato”.

9.             No caso, se discute a qualidade de atendimento de saúde em hospital público situado na Capital – órgão no qual a interessada tem interesse na prestação do serviço – balizando a competência jurisdicional o quanto disposto no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), reproduzido no art. 93, I, do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), que elege o local do dano, e não o art. 101, I, deste último, que, data venia, cuida de mera faculdade.

10.           Essas regras se conciliam ao preceituado no Ato Normativo n. 593/09, valendo destacar que este último consigna à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos a promoção de ação civil pública, precedida ou não de inquérito civil, visando à tutela de interesse individual indisponível, cuja lesão ou ameaça ocorra em estabelecimento de saúde na Capital.

11.           Respeitado o entendimento do suscitado, não é dado opor, para efeito de fixação da atribuição, a disponibilidade de atendimento em organismos regionais vinculados à autarquia estadual se a usuária do serviço público de saúde colima atendimento centralizado.

12.           Ademais, trago à colação precedente que, resolvendo conflito de atribuição, salientou a necessidade de maior amplitude na atuação para lhe emprestar dimensão coletiva a respeito da regularidade do funcionamento de serviço público:

“(...) Necessidade de investigação da questão relacionada à estrutura de atendimento de Saúde Pública no Município. Embora a situação narrada seja singular, relacionada a atendimento ocorrido de forma individual, é viável extrair dela ilações que poderiam ter, ainda que eventualmente, projeção coletiva. Questão central noticiada nos autos afeta às atribuições da Promotoria de Justiça na área de Saúde Pública. Aspectos da deficiência estrutural que, possivelmente, não se limitam àquele atendimento, expandindo-se para outros casos análogos. (...)” (Protocolado n. 123.086/13).

13.           Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 3º Promotor de Justiça de Direitos Humanos (Saúde Pública), a atribuição para oficiar nos autos.

14.           Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

15.           Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

        São Paulo, 05 de fevereiro de 2014.

 

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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