Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0060475/15

(Ref. SIS/MP nº 14.0482.0000675/2014-7)

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitado: 5º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa:

1)      Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital (Suscitante) e 5º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital (Suscitado).

2)      Notícia de ocupação irregular em área privada de preservação permanente (APP) para construção de barracos (favelas) que não se enquadra como parcelamento do solo (loteamento ou desmembramento, na dicção contida no art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.766/79).

3)      Sobreposição de atribuições dos dois órgãos em conflito, dada a existência de interesse ambiental (área de preservação permanente) e urbanístico (uso do solo urbano). Aplicação do critério da prevenção (art. 114, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

4)      Existência de outro procedimento arquivado relativo a ocupação irregular em área pública na mesma região, sem prova de que uma área esteja contida em outra, não gera prevenção.

5)      Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do Suscitado na investigação.

6)      Precedentes (Protocolados nº 0040754/13 e 0005952/14).

 

 

Vistos.

 

1)  Relatório

         Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital e como suscitado o DD. 5º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, nos autos do SIS/MP nº14.0482.0000675/2014-7), cujo objeto é a apuração de ocupação irregular em área de preservação permanente (APP) situada na Av. Nova Arcádia, s/nº, entre o Jardim Herculano e Alto do Rivieira, lindeira ao Córrego Itupú-Piraporinha, alimentador da Represa de Guarapiranga, para construção de barracos (favelas), que vem sendo praticada por pessoas já intimadas à desocupação (cf. 62/149).

 

Ao receber representação formulada pelo Sr. Marcello Glycerio, morador da região (fl. 3), o DD. 5º Promotor de Justiça do Meio Ambiente, ora suscitado, instaurou o IC nº 675/14 (cf. Portaria de fl. 2), ordenou a realização de diligências, que foram cumpridas (fls. 2/208).

Posteriormente, tomando conhecimento do procedimento nº 43.0279.0000292/2011-4, que tramitou perante o DD. 1º Promotor de Justiça de Habilitação e Urbanismo (suscitante), referente a ocupação irregular em área de preservação permanente (APP) situada no entorno do córrego Itupú, localizado no bairro Jardim Herculano II (Antigo Sítio Nhô-Chico), promoveu a juntada de cópia da respectiva promoção de arquivamento subscrita em 12.11.2012 (fl. 208) e a remessa dos autos ao seu subscritor, ora Suscitante, em razão da prevenção (fl. 209).

O Suscitante, DD. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, por sua vez, ponderou que: i) não se estabelece prevenção em relação a procedimento investigatório já arquivado; ii) a área situada no entorno do córrego Itupú, localizada no bairro Jardim Herculano II (antigo Sítio Nhô-Chico), objeto do procedimento (arquivado) nº 43.0279.0000292/2011-4 era pública (fl. 208), ao passo que a área objeto dos presentes autos, situada na Avenida Nova Arcádia, /nº, entre o Jardim Herculano e Alto do Rivieira, limítrofe ao Córrego Itupú-Piraporinha, é privada (fls. 21/23 e 175/176); iii) os endereços das áreas não coincidem; iv) não se trata de loteamento ou desmembramento do solo, nos termos do art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.766/79, mas sim de ocupação irregular, que vem provocando dano ambiental.

É o relato do essencial.

 

2) Fundamentação

O presente conflito negativo de atribuições está configurado, pelo que comporta conhecimento.

Assiste razão ao Suscitante.

O art. 114, caput e §§ da Lei Complementar Estadual nº 734/93 não usa o termo "prevenção". Diferentemente, dispõe que:

"Art. 114. No mesmo processo ou procedimento não oficiará simultaneamente mais de um órgão do Ministério Público.

(...)

§ 3º. Tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará no feito o órgão do Ministério Público investido da atribuição mais especializada; sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que por primeiro oficiar no processo ou procedimento, ou a seu substituto legal, exercer das as funções do Ministério Público."

A hipótese trata de procedimentos diversos, quais sejam o presente (de nº 14.0482.0000675/2014-7), instaurado em 20.10.2014, e outro (de nº 43.0279.0000292/2011-4), arquivado em 12.11.2012, não havendo, pois, que se cogitar de conflito de atribuições entre os Membros do Ministério Público que oficiam ou oficiaram em cada qual.

 

 

Mesmo que assim não fosse, a prevenção é critério utilizado pelo art. 106 do CPC para determinação de competência, que pressupõe a existência de duas ou mais ações conexas ou continentes em andamento, razão pela qual, cunhando-se o conceito processual, impõe-se convir que razão assiste ao DD. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, ora suscitante, ao sustentar que "Não se estabelece prevenção em relação a procedimento investigatório já arquivado".

Desse modo, como quer que se aprecie a questão, à luz da LOMPESP ou do conceito processualístico de "prevenção", a solução que se apresenta é a de afetar a atribuição ao DD. 5º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, ora suscitado.

Sob outro ângulo, da análise de liame, vínculo ou nexo entre um fato (ou seus autores) e outro, embora não seja possível afirmar que os endereços não sejam coincidentes, impende convir que, ao ordenar a remessa dos autos à PJHURB (fl. 209), o DD. 5º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital (suscitado) não tinha como sabê-lo, à luz de elementos de informação seguros que lhe permitissem extrair tal conclusão, a que chegou por semelhanças (Jardim Herculano, Córrego Itupú), insuficientes à ilação.

Nesse ponto, assiste razão ao Suscitante ao apontar a não coincidência das áreas, porque a que deu ensejo ao procedimento nº 43.0279.0000292/20111-4, arquivado, a seu cargo, era pública, por força de Decreto de Utilidade Pública do Parque Municipal Nhô-Chio, ao passo que a área que motivou a instauração presente expediente é privada, consoante informações e fls. 21/23 e 175/176, o que afasta a conexão por identidade de objetos e, pois, a prevenção.

Nessa linha, os invasores também não são os mesmos, cabendo observar que já houve intimação dos ocupantes da Av. Nova Arcádia, de modo que a coincidência que justificaria a prevenção recairia apenas entre os órgãos públicos responsáveis pela tomada de providências administrativas (Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sub-Prefeitura do M'Boi Mirim).

Quanto a isso, porém, convém observar que não se trata de loteamento ou de desmembramento do solo. No caso em análise, está assentado que o objeto da investigação é a edificação de construções populares (“favela”) em área de preservação permanente.

A ocupação irregular, descrita nos autos, não configura parcelamento irregular do solo em área de proteção ambiental.

Como bem lembrou o Suscitante, parcelamento envolve loteamento e desmembramento, cuja definição legal se encontra no art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.766/79, configurando-se essencialmente com a “divisão de gleba em lotes destinados a edificação”, com a criação de nova estrutura viária ou aproveitamento daquela já existente. Isso não se confunde com a simples ocupação irregular do solo.

Não há dúvida de que, na hipótese, a investigação apresenta consequências tanto do ponto de vista da preservação do meio ambiente, como ainda do uso do solo, o que permite afirmar que há sobreposição de atribuições dos dois órgãos de execução especializados.

 

 

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supraindividual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, pondere-se, como esclarecimento, que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção.

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valer trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial.

Deste modo, ainda que se conclua que no caso concreto há interesses relacionados a mais de uma área de atuação em defesa de interesses supraindividuais, ostentando abrangência equivalente, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com o caso (que já vinha conduzindo a apuração) deve prosseguir na investigação, adotando eventualmente as providências judiciais cabíveis.

 

3) Decisão

Ante o exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao Suscitado, DD. 5º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

 

  São Paulo, 07 de maio de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

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