Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0060711/2016 (SISMP nº 14.0209.0000076/2016-4)

Suscitante: 2º Promotora de Justiça de Bertioga (atribuições na área do Patrimônio Público e Consumidor)

Suscitada: 1º Promotor de Justiça de Bertioga (atribuições na área do Consumidor e da Habitação e Urbanismo)

 

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2ª Promotora de Justiça de Bertioga (atribuições na área do Patrimônio Público e Consumidor). Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Bertioga (atribuições na área do Consumidor e da Habitação e Urbanismo).

2.      Inquérito civil instaurado com base em representação para apuração de eventual omissão do Município de Bertioga na fiscalização de prestação de transporte público clandestino prestado por suposta Associação conhecida como “TAB”.

3.      Não se tratando de questão referente à mobilidade urbana decorrente do parcelamento ou do uso do solo urbano, mas, da regularidade do exercício do poder de polícia e da prestação de serviço público, a atribuição é do Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, e não do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, por revelar seu plexo próprio de atribuições.

4.      Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição da suscitante (2ª Promotora de Justiça de Bertioga), que possui também atribuição na área do Patrimônio Público e Social.

 

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 2ª Promotora de Justiça de Bertioga (atribuições na área do Patrimônio Público e Consumidor). E como suscitado o 1º Promotor de Justiça de Bertioga (atribuições na área do Consumidor e da Habitação e Urbanismo), em face de inquérito civil instaurado com base em representação para apuração de eventual omissão do Município de Bertioga na fiscalização de prestação de transporte público clandestino prestado por suposta Associação conhecida como “TAB”.

A representação foi encaminhada inicialmente ao 1º Promotor de Justiça de Bertioga que determinou sua remessa a 2ª Promotoria de Justiça, entendendo estar o tema relacionado com as atribuições daquela Promotoria de Justiça por atingir potencialmente os direitos dos consumidores.

Ao receber a representação o Promotor de Justiça em exercício no cargo de 2º Promotor de Justiça de Bertioga instaurou o inquérito civil para a apuração de eventual omissão do Município no exercício de seu poder de polícia em relação à fiscalização dos serviços de transporte público clandestino.

Por ocasião da instauração do inquérito civil foi determinado expedição de ofícios a Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania do Município de Bertioga para, dentre outros esclarecimentos, informar se existe algum procedimento administrativo tramitando na secretaria para apurar a prestação de transporte público clandestino e quais as medidas administrativas que estariam sendo tomadas para coibi-la.

Antes mesmo do recebimento da resposta ao ofício expedido a Promotora de Justiça Titular da 2ª Promotoria de Justiça de Bertioga suscitou o presente conflito negativo entendendo que a questão diz respeito à desídia da Administração Pública no exercício do poder de polícia, de molde a impedir que o transporte coletivo clandestino exponha a risco à integridade física das pessoas em geral, prejudique a mobilidade e a circulação das pessoas, e gere desequilíbrio econômico-financeiro em relação às permissionárias de serviço público, assuntos estes afetos à Promotoria da Habitação e Urbanismo.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, a representação reclama intervenção ministerial para que seja coibida no Município de Bertioga atividade clandestina de transporte público municipal, que prejudicaria o consumidor final dos serviços, requerendo que fosse cobrado das autoridades administrativas e policiais as medidas legais (fl. 03).

Em que pese entendimento esboçado em conflito de atribuições referido pela suscitante (Pt. 146.500/2015), semelhante ao caso em análise, a hipótese presente merece conclusão diversa.

A pretensão trazida na representação e que deu origem à instauração do inquérito civil diz respeito a eventual omissão do poder público na fiscalização da prestação clandestina de serviço de transporte público no Município.

O fato é a desídia no exercício do poder de polícia pelo Município e não a qualidade dos serviços prestados clandestinamente, nem mesmo eventuais repercussões, não evidentes, que possam trazer na mobilidade urbana ou de riscos a integridade física das pessoas.

Por este motivo é que a questão não está diretamente vinculada a atribuição nas áreas do consumidor ou da habitação e urbanismo.

         Tal questão, caracterizada ou não improbidade administrativa, é da atribuição do Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, e não do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, tendo em vista que a representação alude à falta de decisão da Administração Pública a respeito de pedido de inscrição para o exercício do transporte complementar, atendendo edital, e omissão de fiscalização.

Não se trata de discussão acerca da mobilidade urbana, mas, de tema que indica irregularidade no exercício da polícia administrativa e na prestação de serviço público – à margem dos princípios jurídico-administrativos.

Esse é o interesse em cena cuja cura se representa ao Ministério Público, pois, versa primordialmente sobre o quanto se contém no inciso IX do art. 295 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Ora, o art. 295 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público traça competências bem distintas entre os cargos de Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social e de Habitação e Urbanismo:

“IX — Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social: defesa da probidade e legalidade administrativas e da proteção do patrimônio público e social;

X — Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo: defesa de interesses difusos ou coletivos nas relações jurídicas relativas a desmembramento, loteamento e uso do solo para fins urbanos”.

Da leitura do inciso X desse preceito legal não se verifica qualquer tema referente a parcelamento e uso do solo urbano.

Ainda que se possa cogitar alguma repercussão na área da Habitação e Urbanismo, em conta de risco à mobilidade urbana, a questão preponderante na hipótese dos autos refere-se a eventual omissão do Poder Público municipal no exercício de seu poder de polícia, matéria atinente as atribuições da Promotoria do Patrimônio Público.

A suscitante nos termos da divisão de atribuições da Promotoria de Justiça de Bertioga atua na área do patrimônio público e social, cabendo a ela presidir e prosseguir na presente apuração.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão ministerial suscitante, DD. 2ª Promotora de Justiça de Bertioga (atribuições na área do Patrimônio Público e Consumidor), a atribuição para apuração do fato.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 18 de maio de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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