Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado
n. 0060851/14 (n. MP: 66.0670.0002002/2014-6)
Peças
de Informação
Suscitante:
6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital
Suscitado:
12º Promotor de Justiça de Jundiaí (Consumidor)
Ementa: Conflito negativo de atribuições. Consumidor. Dano regional. Produto com livre circulação em todo o território nacional. Irrelevância de a sede da empresa localizar-se em determinado município. Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da atuação ministerial por parte do suscitante.
Vistos.
1.
Relatório.
Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital e como suscitado o DD. 12º Promotor de Justiça de Jundiaí (Consumidor).
O presente procedimento foi instaurado por conta de representação endereçada à Promotoria de Justiça de Jundiaí por Saudifitness Distribuidora de Suplementos Alimentares LTDA noticiando que a empresa ABE America Importação Exportação Comércio e Distribuidora de Suplementos Alimentares LTDA teria por prática fraudar o rótulo dos produtos que importa com o objetivo de omitir ingredientes neles contidos (fls. 06/08).
Ao declinar de sua atribuição para presidir a investigação, sustentou o DD. 12º Promotor de Justiça de Jundiaí, ora suscitado, que o produto ostenta livre circulação em todo o país e não se circunscreve apenas aos consumidores de Jundiaí; acrescentou que o representante é domiciliado em Palmas (TO). Ademais, embora a sede da empresa esteja localizada em Jundiaí, é fato que os produtos circulam por todo o território nacional, o que caracterizaria dano regional, e na eventualidade de se fazer necessário ato de instrução fora da capital, poder-se-ia utilizar de cartas precatórias do próprio Ministério Público (fl. 02).
Ao suscitar o conflito negativo, o DD. 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital pontuou, cf. fls. 16/18, que não existem elementos a indicar que o produto seja comercializado em diversos municípios do Estado de São Paulo, tampouco consumidores lesados em todo o território nacional.
É o relato do essencial.
2. Fundamentação.
É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado e deve ser conhecido.
Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).
Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.
Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Essa ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de
determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no
direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe
Chiovenda (Princípios de derecho procesal
civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto
Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.
Pode-se, desse modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
Ainda
que tal não se considere decisivo, parece-me estar com razão o douto suscitado,
mercê da excelência argumentativa do ilustre suscitante.
É
que não se pode descartar, a priori, dano
ou lesão de característica regional (e quiçá nacional) em reclamação cujo
objeto tem a nota da incindibilidade, atingindo a eventual abusividade perante
os consumidores indeterminados e que decerto não se restringem àqueles
residentes em Jundiaí.
Em tema de competência jurisdicional assim vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça sobre dano regional:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO DE ÂMBITO REGIONAL. COMPETÊNCIA DA VARA DA CAPITAL PARA O JULGAMENTO DA DEMANDA. ART. 93 DO CDC.
1. O art. 93 do CDC estabeleceu que, para as hipóteses em que as lesões ocorram apenas em âmbito local, será competente o foro do lugar onde se produziu o dano ou se devesse produzir (inciso I), mesmo critério já fixado pelo art. 2º da LACP. Por outro lado, tomando a lesão dimensões geograficamente maiores, produzindo efeitos em âmbito regional ou nacional, serão competentes os foros da capital do Estado ou do Distrito Federal (inciso II).
2. Na espécie, o dano que atinge um vasto grupo de consumidores, espalhados na grande maioria dos municípios do estado do Mato Grosso, atrai ao foro da capital do Estado a competência para julgar a presente demanda.
3. Recurso especial não provido” (RT 909/483).
E em se tratando de dano nacional, a Corte Federal decidiu que:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POUPANÇA. DANO NACIONAL. FORO COMPETENTE. ART. 93, INCISO II, DO CDC. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. CAPITAL DOS ESTADOS OU DISTRITO FEDERAL. ESCOLHA DO AUTOR.
1. Tratando-se de dano de âmbito nacional, que atinja consumidores de mais de uma região, a ação civil pública será de competência de uma das varas do Distrito Federal ou da Capital de um dos Estados, a escolha do autor.
2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR” (STJ, CC 112.235-DF, 2ª Seção, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 09-02-2011, v.u., DJe 16-02-2011).
Anoto que a competência do art. 93, I, do Código de Defesa do Consumidor tem natureza absoluta enquanto a do art. 93, II, do codex, é de caráter relativo, como assentado em outro aresto:
“(...) muito embora o inciso II do art. 93 do CDC tenha criado uma vedação específica, de natureza absoluta – não podendo o autor da ação civil pública ajuizá-la em uma comarca do interior, por exemplo -, a verdade é que, entre os foros absolutamente competentes, como entre o foro da capital do Estado e do Distrito Federal, há concorrência de competência, cuidando-se, portanto, de competência relativa. (...)” (RDDP 91/123).
A regra balizadora é a extensão espacial do prejuízo.
Registre-se que na hipótese ora ventilada a empresa investigada comercializa o produto Isobolocic (suplemente alimentar) por todo o território nacional, tanto assim que o representante está sediado em outra unidade da Federação.
Com razão o suscitado quando obtempera que “diante da livre circulação, o produto ganha alcance em dezenas de municípios do Estado de São Paulo”, o que aponta para o reconhecimento de dano regional.
Face
ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o,
com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público,
declarando caber ao suscitante, 6º Promotor de Justiça do Consumidor da
Capital, a
atribuição para oficiar nos autos.
Publique-se
a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São
Paulo, 13 de maio de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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