Conflito de Atribuições

– Cível –

 

Protocolado nº 66.000/16

(Representação protocolo nº 281/16).

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de Presidente Prudente (Pessoa com Deficiência)

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Presidente Prudente (Habitação e Urbanismo)

 

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 3º Promotor de Justiça de Presidente Prudente (Pessoa com Deficiência). Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Presidente Prudente (Habitação e Urbanismo). Representação civil que postula a instalação de semáforos com temporizadores.

2.      As questões afetas à mobilidade urbana em geral e suas infraestruturas, tais como a sinalização viária e de trânsito, os equipamentos e instalações, assim como os instrumentos de controle, fiscalização, arrecadação de taxas e tarifas (art. 3º, § 3º, incisos V, VI e VII da Lei nº 12.587/12), bem como a circulação urbana são de atribuição do Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo, visto que interferem na função social da cidade.

3.      Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição do suscitado: 2º Promotor de Justiça de Presidente Prudente (Habitação e Urbanismo).

Vistos.

1.   Relatório

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 3º Promotor de Justiça de Presidente Prudente (Pessoa com Deficiência) e como suscitado o 2º Promotor de Justiça de Presidente Prudente (Habitação e Urbanismo).

Conforme se constada dos autos, foi protocolada junto ao Ministério Público representação subscrita por Milton Takao Mizukawa, presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, solicitando a substituição dos semáforos existentes no município por semáforos com temporizador. Afirma que, desconhecendo o tempo remanescente para fechamento dos semáforos, muitos condutores acabam sendo autuados por infrações de trânsito registradas pelos radares instalados nos semáforos, já que acabam por parar seus veículos em cima da faixa de pedestres ou avançam o sinal vermelho durante a travessia.

Encaminhada a representação ao suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de Presidente Prudente (Habitação e Urbanismo), este declinou de sua atribuição, nos seguintes termos:

“Trata-se de representação protocolada da data de hoje de interesse do Sr. Milton Takao Mizukawa que narra problema que enseja dificuldade de mobilidade das pessoas portadoras de necessidades especiais, em especial aquelas com limitação de movimento.

Ocorre que tal dificuldade e consequentes providências é de atribuição do órgão de execução do Ministério Público responsável pela Promotoria de Justiça da Defesa da Pessoa com Deficiência a quem cabe, segundo o Ato Normativo n. 675/2010-PGJ-CGMP, art. 439, incisos I, V e VII, as providências aptas a analisar o reclame em testeilha e, se for o caso, buscar a equação do mesmo (...)” (fl. 23).

A representação foi encaminhada ao 3º Promotor de Justiça de Presidente Prudente, com atribuições na área da Pessoa com Deficiência, o qual a devolveu ao 2º Promotor de Justiça, ora suscitado, através do ofício nº 492/16, por entender que a atribuição era desse (fls. 11/16).

Entretanto, o 2º DD. Promotor de Justiça não recebeu a representação, razão pela qual o 3º DD. Promotor de Justiça suscitou o conflito negativo de atribuições, sustentando que:

 “(...)

A questão preponderante na hipótese dos autos refere-se a eventual deficiência na mobilidade urbana/circulação em razão do tipo de semáforos existentes na cidade de Presidente Prudente.

Evidencia-se assim em primeiro plano que a questão dos semáforos acaba por atingir a população prudentina com um todo e não apenas uma parcela dela (pessoas com deficiência).

Dentro desse panorama não se tem nas peças de informação encaminhadas com a representação qualquer indício no sentido de que o interesse em questão vincula a Promotoria de Justiça com atribuição na área da pessoa com deficiência. O fato de o reclamante ser pessoa com deficiência não se mostra adequado como parâmetro para se fixar a competência ministerial.

(...)

Ademais, se as duas são competentes, aquela que primeiro tomou conhecimento da matéria deve seguir nas investigações”.

(...)

Nesta hipótese, há de se identificar a prevalência da especialização e da questão preponderante, que no caso em testilha, como anteriormente ressaltado, é da Promotoria de Justiça com atribuição na área da habitação e urbanismo, embora possa emergir questão subjacente ou paralela relativa à área da pessoa com deficiência” (fls. 02/10).

É o relato do essencial.

2.   Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se, reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e s.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em análise, insta apurar se a instalação de semáforos com temporizador em todas as vias do Município de Presidente Prudente é atribuição do membro do Ministério Público que atua na área da pessoa com deficiência ou do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo.

Esta Procuradoria-Geral de Justiça já decidiu, em algumas ocasiões, que a existência de sobreposição em um mesmo procedimento de atribuições relativas a Promotorias especializadas na área de interesses metaindividuais pode ser solucionada, em muitos casos, através do critério da prevenção. Entretanto, isso não significa que se deverá sempre, a priori, seguir esse critério.

De fato, o critério da prevenção se mostra adequado em conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses supraindividuais, quando a realidade oferece situações limítrofes em que é manifesta a dificuldade de identificar de modo claro o órgão revestido de atribuição para investigar determinados fatos, exatamente por estarem estes naquela zona de transição entre uma e outra área especializada, ou mesmo por afetarem, concomitantemente, mais de um segmento de especialização.

Não é o que ocorre no presente caso, em que resta claramente demonstrada a atribuição do Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo.

Com efeito, o objeto da representação consiste na adoção de providências voltadas à substituição dos semáforos existentes no município, para o fim de que sejam instalados semáforos com temporizadores, permitindo aos condutores saber qual o tempo remanescente para abertura e/ou fechamento do semáforo. O representante justifica o pedido sob o argumento de que a ausência do temporizador resulta na imposição de autos de infração aos condutores em geral, registrados pelos radares instalados nos semáforos, já que, desconhecendo o tempo que falta para abrir ou fechar o sinal, muitos condutores acabam parando os automóveis na faixa de pedestres ou avançam o sinal vermelho durante a travessia.

Como se percebe, a representação diz respeito a questão que envolve mobilidade urbana, entendida como a condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano (art. 4º, II, da Lei nº 12.587/12).

De fato, nos termos do disposto no art. 3º, § 3º, incisos V, VI e VII do mencionado diploma legal, são infraestruturas de mobilidade urbana a sinalização viária e de trânsito, os equipamentos e instalações, assim como os instrumentos de controle, fiscalização, arrecadação de taxas e tarifas e difusão de informações.

O termo mobilidade urbana, não obstante seja geralmente empregado para referir-se ao trânsito de veículos e também de pedestres, seja através do transporte individual (carros, motos, etc.), seja através do uso de transportes coletivos (ônibus, metrôs, etc.), abrange um conjunto organizado e coordenado dos transportes urbanos motorizados e não motorizados, dos serviços de passageiros e de cargas, dos serviços coletivos e individual, de natureza pública ou privada. Desta forma, as infraestruturas de mobilidade urbana constituem apenas uma faceta da mobilidade urbana.

A questão relativa à mobilidade urbana, tangencia, sem dúvida alguma, as áreas de atuação ministerial relacionadas à Habitação e Urbanismo, ao Meio Ambiente e à Pessoa com Deficiência, dentre outras.

De fato, na área da habitação e urbanismo e meio ambiente há a solução questões que envolvem a melhor qualidade de vida, a diminuição dos congestionamentos ao longo do dia, a administração do excesso de pedestres em áreas centrais dos espaços urbanos, a prevenção e reparação de problemas naturais e climáticos em larga escala como o aumento das ilhas de calor, etc.

Na área da pessoa com deficiência, por sua vez, há demandas que envolvem a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas, assim como o acesso universal à cidade.

Porém, não obstante a questão afeta à mobilidade urbana possa abranger uma gama diferenciada de interesses metaindividuais, ensejando, por consequência, a atuação de diversos órgãos de execução no Ministério Público (Habitação e Urbanismo, Meio Ambiente, Pessoa com Deficiência, Consumidor, por exemplo), há que se analisar, no caso concreto, qual a questão preponderante, não obstante possam surgir, no curso da investigação, questões subjacentes ou paralelas, que justifiquem a tomada de providências autônomas ou conjuntas.

E, na hipótese concreta dos autos, como afirmado, assiste razão ao suscitante, pois não obstante a representação tenha sido subscrita pelo Presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, seu objeto consiste na substituição de semáforos da cidade, sob o argumento de que referidos equipamentos estão trazendo prejuízos a todos os condutores do município e não apenas àqueles que possuam algum tipo de deficiência.

De fato, a representação não tem por objeto a instalação de mobiliário urbano especificamente destinado à pessoa com deficiência, nem trata da inobservância às regras gerais de acessibilidade dessa categoria de pessoas, traçadas pela Lei nº 10.098/00, em seus arts. 8º a 10-A, por exemplo.

Pelo contrário, a pretensão buscada na representação visa beneficiar toda a população, na busca de maior eficiência e segurança na circulação urbana.

E, nesse sentido, é de atribuição do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo cuidar das questões afetas à circulação nas vias urbanas, visto que esta interfere na função social da cidade, ex vi do disposto no art. 472 do Manual de Atuação Funcional dos Promotores de Justiça do Estado de São Paulo (Ato Normativo nº 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010):

“Art. 472. Zelar pela circulação urbana e, respeitada a legislação respectiva, adotar as medidas administrativas ou judiciais cabíveis ao tomar conhecimento, por qualquer meio, de atividades públicas ou privadas que impeçam ou dificultem o direito de locomoção”.

3.   Decisão

Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 2º Promotor de Justiça de Presidente Prudente (Habitação e Urbanismo), a atribuição para oficiar nos autos.

Publique-se a ementa. Comuniquem-se os interessados. Cumpra-se, providenciando-se a remessa dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 06 de junho de 2016.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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