Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 66.707/2018 (SISMP nº 14.0482.0159/08-1)

Suscitante: 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital

Suscitada: 2ª Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital. Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital. Inquérito Civil instaurado para apuração de danos ambientais decorrentes de omissão do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo que permitiram ocupações irregulares e clandestinas de áreas no entorno da represa Billings conhecidas por Favela do Paraguai e Favela Chacrinha.

2.      Muito embora se possa dizer que haja sobreposição de atribuições, percebe-se com segurança que a matéria objeto do inquérito civil refere-se a omissão do Estado que teria permitido a ocupação irregular do solo, cuja consolidação reclama medidas de reurbanização, matéria de atribuição Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo.

3.      O dano ao meio ambiente relacionado com o parcelamento irregular do solo em área de proteção ambiental será da atribuição do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo. Previsão expressa, no art. 2º do Ato Normativo nº 55/1995-PGJ).

4.      Conflito conhecido e dirimido, declarando-se caber a suscitada, DD. 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.

 

Vistos,

1.   Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital e como suscitado o 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, em face de representação para apuração de eventual omissão do Governo do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo que permitiram a ocupação irregular (Favelas do Paraguai e Chacrinha) no entorno da represa Billings e não promoveram qualquer implantação de infraestrutura urbana.

A representação foi encaminhada inicialmente à Promotora de Justiça do Meio Ambiente que determinou que fosse apensada aos autos do Inquérito Civil que apurava danos ambientais provenientes de local conhecido como Favela do Paraguai (fl. 91).

Tendo sido verificado equívoco que ocasionou o apensamento da representação em inquérito que apurava danos ambientais decorrentes de ocupação irregular homônima, foi instaurado de inquérito civil para apuração de Danos ambientais decorrentes de invasões irregulares que originaram a Favela do Paraguai e a Favela do Chacrinha, haja vista a omissão deliberada do Estado de São Paulo, da CETESB, da SABESP e do Município de São Paulo (fls. 183/187).

No curso da apuração houve declínio de atribuição do 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital ao 2º Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo da Capital, por entender que no local existem moradias há muito consolidadas, sendo que o Poder Público já adotou parte das providências necessárias para a reurbanização mediante a implantação de infraestrutura urbana, pelo que em casos desta natureza a atribuição seria da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo (fls. 355/368).

Ao receber os autos, o 2º Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo da Capital, determinou a extração de cópias de peças e juntadas no IC 14.0279.0000380/2015-5, e devolução dos autos ao 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital por conta da existência de ação civil pública proposta pelo Ministério Público em decorrência de despejo de esgoto irregular em represas do Município de São Paulo e outras questões ambientais tratadas nos autos (fls. 321/322).

Diante da restituição dos autos o 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital suscitou o presente conflito negativo de atribuições entendendo que a questão é preponderantemente urbanística, reiterando que as ocupações estão consolidadas há mais de 20 anos, sendo necessária a intervenção da Prefeitura Regional Municipal de São Paulo para a reurbanização total da área a fim implantação da infraestrutura de coleta e afastamento de esgotos. Alega que os danos ambientais, a essa altura dos fatos, serão corrigidos mediante implantação de infraestrutura de coleta de esgoto no âmbito da reurbanização de favelas, razão pela qual a atribuição seria da Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo, sobretudo em face da previsão dos arts. 2º a 4º do Ato Normativo nº 55/95-PGJ, pois se trata de ocupação consolidada.

É o relato do essencial.

2.   Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Verifica-se que desde o início a representação reclamava intervenção ministerial para que seja apurada eventual omissão do Município e do Estado no exercício do poder de polícia relativo a duas ocupações irregulares (Favela do Paraguai e Favela Chacrinha), praticamente consolidadas, que pela inexistência de infraestrutura não proporcionada pelos órgãos estatais estariam gerando poluição e impedindo o representante de dar cumprimento ao Plano de Restauração de Área Degradada (PRAD).

Pelas informações colhidas na apuração, na Favela do Paraguai foram realizadas obras de urbanização, com implantação de pavimentação de vias, sistema de drenagem de águas pluviais, redes de água e esgoto, não se verificando o lançamento de esgotos nos cursos d’ água. Já em relação a Favela Chacrinha constatou-se que possuía parcialmente vias pavimentadas e redes de água e esgoto, havendo o lançamento in natura de efluentes domésticos e acúmulo de lixos nos leitos dos corpos d’água. Concluiu-se ainda que em relação a   Favela Chacrinha, devido à ocupação desordenada do solo e crescente aumento da densidade demográfica, não haveria viabilidade técnica para as coletas de esgotos, em razão da construção de moradias em locais de topografia desfavorável e próximas a áreas de fundo de vale.

Indicou-se necessidade de reurbanização para a solução dos problemas gerados pela ocupação irregular.

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos previamente estabelecidos de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Muito embora a hipótese em análise possa resvalar em aspectos relacionados ao Meio Ambiente, sobretudo no que se refere à poluição de corpos d´água pelo lançamento in natura de esgotos, a questão central está às atribuições da Promotoria de Habitação e Urbanismo, pois se trata de ocupação irregular do solo consolidada há cerca de 20 anos.

A propósito, de forma específica o art. 2º e 3º do Ato Normativo nº 55/95-PGJ prevê a atribuição da Promotoria da Habitação e Urbanismo para apurar inclusive o dano ambiental relacionado com o parcelamento irregular do solo em área de proteção ambiental, só não excluindo a atribuição da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente quando o dano ambiental decorrente de parcelamento para fins urbanos onde não haja moradias com ocupação. Senão vejamos:

Art. 2º - O dano ao meio ambiente relacionado com o parcelamento irregular do solo em área de proteção ambiental será da atribuição do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, o qual providenciará, prontamente, nos autos da peça informativa ou do procedimento instaurado, exame pericial ou estudo técnico, sem prejuízo de outras medidas, observado o disposto no artigo 5º deste Ato.

Art. 3º - Deslocar-se-á a atribuição para o Promotor de Justiça do Meio Ambiente sempre que, diante do laudo pericial ou documento equivalente e dos demais elementos de prova coligidos, restar evidenciado que o dano ambiental está relacionado com:

I - parcelamento rural, ou seja, executado com finalidade de exploração agrícola, extrativa ou pastoril, e que respeita o módulo mínimo de fracionamento fixado pelo INCRA ou pela legislação municipal;

II - parcelamento para fins urbanos, desde que não haja moradias com ocupação, embora tenha ocorrido desmatamento, movimentação de terra, abertura de ruas, demarcação de lotes e quadras, e edificações.

§ 1º - Será da atribuição do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo o parcelamento do solo para fins urbanos que, embora realizado na zona rural, destine-se à edificação para moradia ou lazer, na modalidade de sítios ou chácaras de recreio, ou cujos lotes, identificados através das alienações a qualquer título, ou das demarcações, sejam inferiores ao módulo mínimo de fracionamento estabelecido pelo INCRA ou pela legislação municipal.

§ 2º - O Promotor de Justiça do Meio Ambiente, com a atribuição definida neste artigo, promoverá também a defesa dos interesses protegidos pelas normas de parcelamento do solo, devendo considerar, em eventual ação civil pública ou acordo extrajudicial, a indenização, em favor dos adquirentes de lotes, dos valores por eles pagos ao parcelador ou preposto, bem como dos danos advindos de eventual demolição de edificações situadas em áreas de risco ou de proteção ambiental.

Art. 4º - Nas hipóteses definidas neste Ato, de danos ambientais relacionados com parcelamento do solo para fins urbanos, da atribuição do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, a este caberá também  considerar, comprovado o dano ambiental, a possibilidade de sua recuperação, ainda que parcial, ou mitigação dos impactos ambientais e, não sendo possível, a indenização devida, seja no ajuizamento da ação civil pública, seja em eventual acordo extrajudicial.

 “(...)

Assim, o objeto do inquérito civil reclama a intervenção da Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo na verificação da necessidade de reurbanização e apuração de eventuais danos ambientais decorrentes da ocupação irregular do solo.

Resolve-se o conflito, portanto, reconhecendo-se a atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo para atuar no caso.

3.   Decisão

Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, a atribuição para oficiar nos autos.

Publique-se a ementa. Comuniquem-se os interessados. Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

        

São Paulo, 15 de agosto de 2018.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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