Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado nº 94.148/16

Representação nº 43.0677.0000287/2016

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de São Sebastião

Suscitado: GAEMA – Núcleo Litoral Norte

 

 

Ementa:

Conflito negativo de atribuições. Obra de duplicação da Rodovia dos Tamoios – Contorno Sul.  Supostos danos decorrentes de Explosões e tráfego de maquinário não dimensionados de forma adequada. Procedimento de licenciamento. Atribuição do Gaema – Litoral Norte. 1. Representação que noticia supostos efeitos indesejados decorrentes das obras de Duplicação da Rodovia dos Tamoios, em razão da utilização de explosivos e excessivo tráfego de maquinários, com estresse à fauna, além de grande incidência de ofídios e aracnídeos 2. Suposta irregularidade no procedimento administrativo de licenciamento ambiental da obra de Duplicação da Rodovia dos Tamoios. 3. Inquérito Civil n. 249/2015, instaurado pelo GAEMA – Núcleo Litoral Norte, que tem como objeto o acompanhamento do EIA/RIMA e a ausência e/ou irregularidade do licenciamento ambiental da Duplicação da Rodovia dos Tamoios – Contorno Sul. 4. Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado realizar a investigação.

 

 

Vistos,

1)  RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de São Sebastião e como suscitado o DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Litoral Norte.

O expediente foi iniciado em razão de representação oferecida pela Fundação Animalia, na qual narrou possuir termo de cooperação técnica com o IBAMA, atuando como Centro de Triagem de Animais Silvestres, em atendimento às demandas da fauna do Litoral Norte e Vale do Paraíba. Apontou que, em razão das obras do contorno viário que ligará Caraguatatuba a São Sebastião, como parte do projeto de duplicação da Rodovia dos Tamoios, há fluxo excessivo de máquinas e utilização de explosivos, inclusive no período noturno, nas imediações da Fundação, com grande stress aos animais abrigados na referida Fundação. Destacou, ainda, efeitos indiretos das explosões, como o aumento da incidência de ofídios e aracnídeos dentro e fora do recinto. Indicou, também, o trânsito de veículos e maquinários incompatível com a malha viária local. Ressaltou, ainda, a atuação deficiente dos órgãos licenciadores, no tocante à exigência de medidas mitigatórias.

Ao receber o expediente, o DD. Promotor de Justiça que oficia no GAEMA – Núcleo Litoral Norte apontou que a presente representação relata possíveis danos a malha viária e perturbação do sossego alheio, em razão das obras do Contorno Sul da Rodovia dos Tamoios, de forma que a atribuição seria da Promotoria de Justiça de São Sebastião. Destacou, ainda, que aquele Grupo Especializado teria instaurado inquérito civil para apurar e acompanhar a Duplicação da Rodovia dos Tamoios (fls. 27).

O suscitante, DD. Promotor de Justiça de São Sebastião, ao suscitar o conflito anotou, cf. fls. 53/58, que a representação apontaria irregularidade no licenciamento ambiental e fiscalização da obra do Contorno Sul da Rodovia dos Tamoios, que, por consequência, estaria impondo danos ambientais e urbanísticos ao local. Destacou que o GAEMA teria atribuição, mesmo em relação às questões urbanísticas, nos termos do artigo 3º, § 3º, do Ato n. 552/08-PGJ.

2)  FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, a representação noticia que, em razão de obras do Contorno Sul da Duplicação da Rodovia dos Tamoios (fls. 17), haveria fluxo excessivo de máquinas e utilização de explosivos, inclusive no período noturno, nas imediações da Fundação, com impacto sobre os animais abrigados na referida Fundação. Narra, ainda, eventuais efeitos indiretos das explosões, como o aumento da incidência de ofídios e aracnídeos na região (concentração artificial de fauna por perda ou redução de habitat). Indicou, também, o trânsito de veículos e maquinários incompatível com a malha viária local.

Pugna o representante, ao final, pela “proibição de detonações por explosivos no período noturno, redução da carga explosiva nos outros períodos, agendamento de horários de detonações e exibição pública destes horários, a adoção de medidas mitigatórias para a redução dos ruídos e outras interferências, em virtude da fragilidade local, a adoção de medidas efetivas na organização do tráfego de veículos pesados e maquinário durante a totalidade dos turnos de serviço e dimensionamento adequado da rede elétrica e sua efetiva implementação, além de medidas que impeçam danos físicos à mencionada rede, bem como medidas compensatórias às interferências definitivas criadas pela instalação da estrada” (fls. 15).

O Ato Normativo nº 552/2008, PGJ, de 04 de setembro de 2008 dispõe:

“Art. 3º. A Procuradoria-Geral de Justiça, por Ato específico, fixará as metas gerais e regionais para a atuação do GAEMA e da REDE DE ATUAÇÃO PROTETIVA, retirando-as da política de atuação estabelecida a partir do Plano Geral de Atuação do Ministério Público e das metas identificadas nas respectivas regiões.

(...)

§ 3º. – Poderão integrar a REDE e compor as atribuições do GAEMA, excepcionalmente, os procedimentos e feitos afetos à defesa da ordem urbanística, desde que respeitadas as peculiaridades locais ou regionais.”

Por sua vez, o Ato Normativo n. 958/2016-PGJ, que fixou as metas para o GAEMA no ano de 2016, dispõe:

IV – NÚCLEO IV – LITORAL NORTE

(...)

2. Empreendimentos, obras ou atividades que necessitem de EIA/RIMA por determinação de Resolução do CONAMA.

(...)

O GAEMA – Núcleo Litoral Norte, instaurou o Inquérito Civil n. 249/2015 (fls. 34/50), que tem como objeto o licenciamento ambiental, análise e/ou acompanhamento do EIA/RIMA, além de dano ambiental em razão da Duplicação da Rodovia dos Tamoios – Estrada Contorno Sul.

Diante deste quadro, com base nos fatos noticiados na representação, a razoabilidade e a eficiência sinalizam que a investigação dos danos noticiados neste expediente, relacionados com eventuais efeitos indesejados na fauna local, em razão de explosões, tráfego de maquinário, dentre outros, uma vez decorrentes das obras de Duplicação da Rodovia dos Tamoios, deve prosseguir no GAEMA – Núcleo Litoral Norte, eis que, em princípio, tais questões deveriam ter sido devidamente equacionadas no procedimento administrativo de licenciamento ambiental, que é objeto de apuração no Inquérito Civil n. 249/2015, instaurado pelo referido Grupo de Atuação Especial.

Em face da possível necessidade de providências perante os órgãos licenciadores, mostra-se adequado que a apuração destes fatos fique a cargo do GAEMA, o qual, como ressaltado, possui inquérito civil instaurado cujo objeto é justamente a ausência ou irregularidade do licenciamento ambiental da citada obra.

Esse quadro sinaliza para o reconhecimento da atribuição do GAEMA – Núcleo Litoral Norte e não da Promotoria de Justiça de São Sebastião.

3)  DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. Promotor de Justiça oficiante perante GAEMA – Núcleo Litoral Norte, a atribuição para dar seguimento à investigação.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos e a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 20 de julho de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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