Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 73.996/14

(MP nº 42.0306.0000699/2014-7)

Suscitante: 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

Suscitado: 6º Promotor de Justiça de Itu (Cidadania, incluindo a repressão aos atos de improbidade e a defesa do patrimônio público)

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitante) e 6º Promotor de Justiça de Itu, com atribuições na área de Cidadania, incluindo a repressão aos atos de improbidade e a defesa do patrimônio público (suscitado).

2.   Investigação civil instaurada para apurar eventual ato de improbidade administrativa referente a possíveis irregularidades praticadas no bojo de processo administrativo relacionado à renovação de licença ambiental. São questionados atos de agentes do Município e da CETESB em Itu.

3.   A Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92) não tem disposição específica sobre competência, ao contrário do que ocorre com a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), os quais, em seus arts. 2º e 93, respectivamente, disciplinam a matéria. De toda forma, ao se considerar que a ação de improbidade administrativa pertence ao minissistema processual coletivo, de rigor aplica-se a regra do art. 2º da Lei n. 7.347/85 também às ações ajuizadas com suporte na Lei n. 8.429/92, à medida que a ação de improbidade pode ser considerada uma ação coletiva.

4.   No caso dos direitos transindividuais (e a probidade constitui direito difuso), pela sua dimensão social, política e jurídica, resta claro o interesse público no sentido que a competência territorial se exprima como absoluta. Justifica-se essa opção pelas seguintes razões: a) facilitar a instrução probatória; b) permitir que a demanda seja julgada pelo juiz que de alguma forma teve contato com o dano ou ameaça de dano a direito transindividual.

5.   Colhe-se com segurança que, em sede de improbidade administrativa, a competência a ser considerada é aquela onde foram perpetradas as condutas que ofenderam a higidez pública.

6.   Conflito conhecido e dirimido, determinando-se o prosseguimento do suscitado na investigação.

 

Vistos,

1) RELATÓRIO

 

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital e como suscitado o DD. 6º Promotor de Justiça de Itu, com atribuições na área de Cidadania, incluindo a repressão aos atos de improbidade e a defesa do patrimônio público.

O DD. 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital suscitou conflito de atribuições nos autos do procedimento instaurado sob nº MP nº 42.0306.0000699/2014-7, que versa sobre a “apuração de má prestação de serviço público, consistente na demora de análise de pedido de renovação de licença de operação em pedreira”.

A representação noticia possíveis irregularidades praticadas pela CETESB em Itu e pelo Município de Itu, em função da análise dos pedidos formulados por Vivian Nunes Palone Fauvel e outro. São apontadas algumas possíveis irregularidades, como, por exemplo, a demora na análise de pedido de renovação de licença ambiental, a demora na expedição de certidão municipal e a omissão na fiscalização.

O suscitante entende que “o local do dano é na cidade de Itu, onde, em tese, pode ter ocorrido prática de ato de improbidade administrativa por funcionários da CETESB e da Prefeitura Municipal”.

É o relato do essencial.

2) FUNDAMENTAÇÃO

 

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

O objeto da investigação, como anotado anteriormente, é a prática de atos de improbidade administrativa, em função de possíveis irregularidades na atuação de agentes da CETESB, em Itu, bem como na atuação de funcionários públicos do mesmo Município.

É fato que a Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92) não tem disposição específica sobre competência, ao contrário do que ocorre com a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), os quais, em seus arts. 2º e 93, respectivamente, disciplinam a matéria. De toda forma, ao se considerar que a ação de improbidade administrativa pertence ao minissistema processual coletivo, de rigor aplicar-se a regra do art. 2º da Lei n. 7.347/85 também às ações ajuizadas com suporte na Lei n. 8.429/92, à medida que a ação de improbidade pode ser considerada uma ação coletiva.

 Nesse sentido, assentou o STJ que “não há na Lei 8.429/92 regramento específico acerca da competência territorial para processar e julgar as ações de improbidade. Diante de tal omissão, tem-se aplicado, por analogia, o art. 2º da Lei 7.347/85, ante a relação de mútua complementariedade entre os feitos exercitáveis em âmbito coletivo, autorizando-se que a norma de integração seja obtida no âmbito do microssistema processual da tutela coletiva” (CC 97351/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 10/06/2009).

No caso dos direitos transindividuais (e a probidade constitui direito difuso), pela sua dimensão social, política e jurídica, resta claro o interesse público no sentido de que a competência territorial se exprima como absoluta. Nas palavras de Proto Pisani: “È chiaro che quando il legislatore prevede criteri di competenza per territorio inderogabili, manifesta l’esistenza di un interesse pubblicistico al rispetto di tali criteri.” (PISANI, Andrea Proto. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Quinta edizione. Napoli: Jovene, 2006, p. 272).

Colhe-se com segurança que em sede de improbidade administrativa a competência a ser considerada é aquela onde foi perpetrada a conduta que ofendeu a higidez pública. Veja-se o que ensina a doutrina:

“A questão da competência territorial para a ação de improbidade, à falta de regra específica na Lei n. 8.429/92 e tendo em conta o regime da mútua complementariedade entre as ações exercitáveis no âmbito da jurisdição coletiva, demanda a incidência do art. 2º da Lei n. 7.347/85, podendo considerar-se como local do dano, numa primeira aproximação interpretativa, a sede da pessoa jurídica de direito público lesada pela improbidade” (Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves. Improbidade Administrativa. 5ª ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2010, p. 870).

Pelo que se depreende dos elementos de convicção até aqui carreados aos autos, há notícia de atos que foram praticados em Itu. Não há notícia de atos praticados em outro local.

Ou seja, tem razão o suscitante.

3) DECISÃO

 

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 6º Promotor de Justiça de Itu, a atribuição para dar seguimento ao presente expediente, nos termos da fundamentação supra.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 06 de junho de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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