Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 74.336/2016 (SISMP nº 43.0279.0000201/2016-8)

Suscitante: 4º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital

Suscitada: 3ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 4º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital. Suscitado: 3ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital. Representação para apuração do uso do painel de LED da Galeria de Arte Digital SESI-SP em desacordo com a autorização.

2.      Muito embora se possa dizer que haja sobreposição de atribuições, percebe-se com segurança que a matéria investigada nos autos está relacionada à utilização da fachada do edifício da FIESP em desacordo com o ato que autorizou a instalação e operação da Galeria de Arte Digital, matéria de atribuição Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo. Previsão expressa, no Manual de Atuação Funcional (art. 469 e 473 do Ato Normativo nº 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010), da atribuição da Promotoria de Habitação e Urbanismo para fiscalizar a regularidade quanto ao uso de imóveis.

3.      Conflito conhecido e dirimido, declarando-se caber a suscitada, DD. 3ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.

 

Vistos,

1.   Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 4º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital e como suscitada a 3ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, em face de representação para apuração de eventual omissão do Município de São Paulo em fazer cessar a exibição de mensagens de conteúdo ideológico na fachada do Edifício SESI-SP/FIESP da Avenida Paulista, 1313 e em aplicar as multas cabíveis, bem como para remoção dos anúncios não autorizados e dos painéis luminosos.

A representação foi encaminhada inicialmente à 3ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, que, entendendo tratar de possível violação das diretrizes e finalidades estabelecidas na Lei Cidade Limpa (bem-estar estético e ambiental da população, combate à poluição visual, proteção do patrimônio artístico e paisagístico, valorização do ambiente construído, etc),  determinou sua remessa à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente.

Ao receber a representação, o 4º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital suscitou o presente conflito negativo de atribuições entendendo que a matéria relatada (“irregularidade no uso de painel eletrônico”) tem relação com o paisagismo urbano, que, por sua vez, tem conexão direta com o Urbanismo e Ordenamento Urbano. Sustentou que questões estéticas e paisagísticas são matérias relativas ao urbanismo e eventuais violações devem ser investigadas pela Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo.

É o relato do essencial.

2.   Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Verifica-se, no entanto, que a representação reclama intervenção ministerial para que seja apurada eventual omissão do Município no exercício do poder de polícia relativo à fiscalização da regularidade do conteúdo divulgado pelo painel denominado Galeria de Arte Digital legalmente instalado e operado na fachada do edifício da FIESP da Avenida Paulista.

Importante ressaltar que em 2012 foi inaugurada na fachada do edifício-sede Fiesp/Sesi-SP a Galeria de Arte Digital Sesi-SP.  A fachada do prédio tornou-se a primeira galeria de arte a céu aberto da América Latina. Com consumo elétrico por hora de 4,5 kVA, o mesmo da média de apenas uma residência familiar, a plataforma eletrônica abriga 26 mil clusters de LED. Essa cadeia elétrica possibilita a transmissão de até 4,3 bilhões de combinações de cores. O projeto foi idealizado pela produtora Verve Cultural e, desde sua estreia, a Galeria vem explorando diferentes aspectos e abordagens da arte digital por meio da realização de mostras organizadas pelo Centro Cultural Fiesp – Ruth Cardoso, que funciona no mesmo prédio desde 1998.

O formato a céu aberto e em espaço público permite à Galeria de Arte Digital abordar questões de interesse da cidade de uma maneira intuitiva e participativa, além de levantar discussões a respeito do impacto que uma grande metrópole exerce sobre a vida de seus moradores. Desse modo, é explorado o potencial de comunicação da arte digital em fachada multimídia.

Devidamente autorizado pela Comissão de Proteção à Paisagem Urbana – CPPU, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, não está em discussão eventual poluição visual ou dano à estética da cidade.

O objeto da representação é a utilização do imóvel, ou seja, de sua fachada de forma contrária ao ato administrativo que autorizou a implantação do projeto Galeria de Arte Digital.

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos previamente estabelecidos de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Muito embora a hipótese em análise possa resvalar em aspectos relacionados ao Meio Ambiente, sobretudo no que se refere à poluição visual, a questão central está às atribuições da Promotoria de Habitação e Urbanismo.

A propósito, o Manual de Atuação Funcional (Ato Normativo nº 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010), ao tratar das atribuições da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, prevê o que segue:

“(...)

Art. 469. Zelar pela efetiva aplicação das normas de uso e ocupação do solo urbano, cuidando para que as edificações, obras, atividades e serviços observem as posturas urbanísticas, especialmente aquelas concernentes ao zoneamento, ao meio ambiente, à estética, à paisagem, à segurança, ao licenciamento sanitário e à salubridade e funcionalidade urbanas.

(...)

Art. 473. Zelar pelo cumprimento da legislação sobre segurança e prevenção de incêndios nas áreas urbanas, em especial nas edificações públicas e privadas sujeitas a grande concentração de pessoas, por exemplo, prédios públicos, centros de compras, templos religiosos, locais utilizados para espetáculos, apresentações artísticas, culturais, estádios de futebol e demais atividades de lazer, etc.

(...)”

Registre-se que o parágrafo único do dispositivo reconhece ao membro do Ministério Público da Habitação e Urbanismo a possibilidade de responsabilização dos agentes de fiscalização em todas as esferas, inclusive por improbidade administrativa.

Assim, o objeto da representação reclama a intervenção da Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo na verificação da regularidade da utilização da fachada do edifício nos limites da autorização, apurando a noticiada revogação e eventuais atos de poder de polícia praticado pela administração municipal.

Resolve-se o conflito, portanto, reconhecendo-se a atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo para atuar no caso.

3.   Decisão

Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber a suscitada, 3ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, a atribuição para oficiar nos autos.

Publique-se a ementa. Comuniquem-se os interessados. Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

        

São Paulo, 29 de junho de 2016.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aca