Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0075.625/2014

Suscitante: 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital – em exercício

Suscitado: 2º Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo da Capital

 

Ementa:

Conflito negativo de atribuições.  1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital – em exercício (suscitante). 2º Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo da Capital (suscitado)

Apuração de supressão de áreas verdes no entorno da “Arena Palmeiras”. Fundamentos para a atuação do Ministério Público relacionados, concomitantemente, à área de Habitação e Urbanismo e à área do Meio Ambiente. Adoção do critério da prevenção para a solução do conflito.

Atribuição para realizar a investigação é do órgão ministerial que inicialmente tomou contato com o caso. Nos conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais em que desde logo fique demonstrada a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com o critério da prevenção.

Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado oficiar no feito.

 

 

 

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital - em exercício, e como suscitado o DD. 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, relativamente ao feito em epígrafe, tendo como objeto a apuração de supressão de áreas verdes no entorno da “Arena Palmeiras”.

A Associação Amigos de Vila Pompéia encaminhou representação à Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo em que noticia apreensão com o impacto a ser provocado em referido bairro por conta da construção da denominada “Arena Palmeiras” (fls. 15/22).

Como a representação foi dirigida originariamente ao Dr. José Carlos de Freitas, DD. Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, este, por intermédio do Ofício PJHURB 1031/14, encaminhou-a ao Secretário de referida Promotoria de Justiça (fl. 14), especificamente para análise das conseqüências do funcionamento da “Arena Palmeiras” no entorno. Acrescentou já haver ajuizado duas ações civis públicas anteriormente (processos ns. 1009450-34.2013 e 0025350-45.2011) relacionadas à construção de aludida obra.

Consta dos autos que o 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, através do Ofício PJHURB 2098/14, encaminhou cópia da Portaria de Instauração do Inquérito Civil n. 14.0279.177/14 à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital para “conhecimento e eventual adoção de medidas decorrentes do reportado acerca de áreas verdes do entorno da obra averiguada, constantemente diminuídas em sua extensão, e que se pretende ver transferidas para outro local” (fl. 10).

Distribuído o procedimento ao 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital (fl. 09), este suscitou conflito negativo de atribuições (fls. 03/05), arguindo, em síntese, que a questão já foi anteriormente analisada no Inquérito Civil n. 264/10, com promoção de arquivamento devidamente homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público em 14 de dezembro de 2010.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Veja-se que a análise da supressão ou dano à vegetação nativa em área urbana, especificamente no que toca à construção de arena esportiva para realização de “shows”, jogos de futebol e outros, já foi anteriormente enfrentada pela mesma 1ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente (ora suscitante), com a conclusão de que referida investigação deveria ser presidida pela Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo (fls. 06/07).

Registre-se, por relevante, que o 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo informou haver ajuizado ação civil pública, distribuída à 12ª Vara da Fazenda Pública da Capital, cujo objeto abarca, entre outros pontos, o destino de áreas públicas verde e institucional localizadas na Av. Matarazzo, Rua Pedro Machado e Av. Auro Soares de Moura Andrada (fl. 14).

Além do quanto já exposto, é oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supraindividual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, pondere-se, como esclarecimento, que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção.

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valer trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência e à eficácia da atividade ministerial.

Em suma, as informações existentes nos autos sinalizam no sentido da atribuição do 2º Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo para atuar no caso.

3) Decisão

Posto isso, conheço do conflito de atribuições e decido que a atribuição para se manifestar nos autos é do 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo (suscitado).

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 18 de junho de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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