SUBPROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA JURÍDICA

Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado nº 77327/17

(Ref. Proc. nº 543.01.2012.002076-2)

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Santa Isabel

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Santa Isabel

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Procedimento para lavratura de assento de nascimento de maior de idade. Conflito de atribuições entre o Promotor de Justiça oficiante perante a Corregedoria de Registros Públicos e o Promotor de Justiça oficiante perante a Vara Cível junto a qual o pedido foi apresentado.  Conflito conhecido e dirimido, com o reconhecimento da atribuição do suscitado: Promotor de Justiça que atua perante a Vara Cível junto a qual tramita o procedimento de jurisdição voluntária.

 

Vistos.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, no qual figura como suscitante o douto 2º Promotor de Justiça de Santa Isabel (Corregedoria dos Registros Públicos e Feitos Cíveis da 2ª Vara) e como suscitado o digno 1º Promotor de Justiça de Santa Isabel (Feitos Cíveis da 1ª Vara).

O conflito foi suscitado nos autos do processo nº 0002076-03.2012.8.26.0543, que diz respeito a procedimento denominado “ação de registro civil de pessoa física”, por meio do qual Paulo Batista do Nascimento, nascido no dia 12 de março de 1976, pleiteia a lavratura de seu registro de nascimento, que, até então, não se realizara. Os autos tramitam junto à 1ª Vara da Comarca de Santa Isabel.

Nos citados autos, o D. Promotor de Justiça Substituto que assumira as funções do 1º Promotor de Justiça e Santa Isabel externou manifestação informando que deixava de oficiar no feito, por não verificar interesse de menor ou outro elemento que desse à causa maior relevância social. Aduziu que, caso o Juízo entendesse necessária a intervenção do Ministério Público, deveria intervir nos autos o Promotor de Justiça oficiante na correição dos serviços de registro público (fls.121).

Os autos foram, então, remetidos ao 2º Promotor de Justiça de Santa Isabel, que suscitou o presente conflito de atribuição. Ressaltou que a atribuição de oficiar perante a Corregedoria dos Registros Públicos compreende os procedimentos de natureza administrativa sobre a matéria, e não “todos os ‘feitos cíveis’ com reflexo nos registros públicos”.

Destacou que o raciocínio exposto pelo Promotor de Justiça suscitado é aplicável apenas à Promotoria de Registros Públicos da Capital, que está vinculada às Varas de Registros Públicos da Capital, com competência para procedimentos administrativos e demandas judiciais, nos termos do Código Judiciário do Estado de São Paulo e da Lei de Organização Judiciária do Estado de São Paulo.

Observou que, na Comarca de Santa Isabel, a atuação como “‘fiscal da lei’ nos ‘feitos contenciosos’ que envolvem matéria registrária” é das Varas Cíveis. Entretanto, no caso em tela, a “ação de registro de pessoa física” foi distribuída livremente e, por tal motivo, compete ao Promotor da Vara para a qual foi distribuída acompanhá-la (fls.125/137).

Estabelecido o conflito negativo de atribuições, o D. Juízo da 1ª Vara da Comarca de Santa Isabel, remeteu os autos à Procuradoria-Geral de Justiça (fls.138).

É o breve relato do essencial.

O conflito negativo de atribuições está configurado.

No caso em análise, o interessado formulou pedido de lavratura de assento de nascimento, com fulcro na Lei 6.015/73.

A premissa para a solução do conflito está em saber se o pedido de registro de nascimento tem natureza administrativa ou jurisdicional.

Essa questão é relevante, na medida em que o suscitante, DD. Promotor de Justiça de Santa Isabel, tem, entre suas atribuições, a função de oficiar perante a Corregedoria de Registros Públicos, enquanto o suscitado, DD. 1º Promotor de Justiça de Santa Isabel, tem como atribuição, entre outras, oficiar em feitos cíveis da 1ª Vara Cível de Santa Isabel, sendo essa a razão pela qual recebeu os autos com vista inicialmente.

Essa definição de atribuições está assentada no ATO Nº 84/2016 – PGJ, de 06 de maio de 2016, que dispõe a respeito da divisão de serviços na Promotoria de Justiça de Santa Isabel.

Note-se que a relevância em saber se o pedido de lavratura do assento de nascimento, formulado no feito de origem, tem natureza administrativa ou jurisdicional, está ligada à ideia de que, em se tratando de pedido meramente administrativo, deve tramitar perante a Corregedoria de Registros Públicos, invocando a atuação do membro do Ministério Público com essa específica atribuição. De outro lado, se tal pedido tem natureza jurisdicional, acaba por concretizar hipótese em que deve atuar o órgão ministerial que oficia na função genérica de fiscal da ordem jurídica em feito civil.

É compreensível a dificuldade, por certas vezes, de se vislumbrar o correto enquadramento sistemático dos pedidos relacionados à modificação ou correção de registros públicos.

É que, nada obstante os aspectos positivos com relação à segurança jurídica, introduzidos no ordenamento por força da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), a compreensão dos caminhos para o alcance das retificações e lavraturas de assento, quando se mostram necessárias, é tarefa que exige considerável esforço interpretativo.

Cumpre nesse sentido observar que as retificações de assento contido no Registro Civil são tratadas do art. 109 ao art. 113 da Lei de Registros Públicos.

Nesses dispositivos há várias possibilidades que podem ser sintetizadas do seguinte modo: (a) pedidos de natureza meramente administrativa, sob supervisão ministerial e jurisdicional; (b) pedidos de natureza administrativa que acabam se convertendo em procedimento jurisdicional; (c) pedidos de natureza jurisdicional que configuram hipóteses de jurisdição voluntária; (d) pedidos de natureza jurisdicional contenciosa.

Assim, é necessário ter presente que as providências solicitadas em matéria de Registro Público tanto podem ter natureza simplesmente administrativa, como podem, ainda, desaguar em processo judicial, seja ele de natureza voluntária ou contenciosa.

Tornando ao caso que deu margem ao presente conflito, a providência buscada pelo requerente foi intervenção judicial com o escopo de lavrar o seu respectivo assento do nascimento.

O pedido foi distribuído a uma das Varas Cíveis da Comarca – e não através da Corregedoria Permanente do Registro Civil –, de tal forma que se trata de procedimento de jurisdição voluntária, tal como tradicionalmente apontado pela doutrina, notadamente: (a) inexistência de lide (conflito de interesses qualificado pela existência de uma pretensão e pela oposição de resistência a ela); (b) ausência de partes, mas presença de requerente e eventualmente requerido; (c) não formação de coisa julgada; (d) mera administração jurisdicional de um interesse de natureza privada.

Nesse sentido: Antônio Carlos Marcato, Procedimentos Especiais, 10. Ed., São Paulo, Atlas, 2004, p. 23; Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, t. I, 6. Ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 325 e ss; Leonardo Grecco, Jurisdição voluntária moderna, São Paulo, Dialética, 2003, p. 23; entre outros.

Assim, como o caso em exame foi distribuído como feito cível, e não como feito da Corregedoria Permanente do Registro Civil, a atribuição para intervir no feito não é do órgão ministerial que oficia perante a Corregedoria do Registro Civil, mas sim daquele que atua, como fiscal da ordem jurídica, nos processos cíveis em que haja interesse específico a legitimar a intervenção ministerial.

A situação versada no feito que deu margem ao presente conflito se encaixa na segunda hipótese apontada pela doutrina, no excerto acima transcrito, ou seja, de providência de caráter jurisdicional, inserida no contexto da jurisdição voluntária.

Anote-se, aliás, que esse panorama já foi reconhecido pelo Col. STJ ao decidir conflito de competência, deixando explícita a natureza jurisdicional (embora, em princípio, não contenciosa) do pedido de retificação de assento de óbito, conforme ementa a seguir transcrita:

“(...)

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. CERTIDÃO DE ÓBITO. FORO COMPETENTE. COMARCA DA LAVRATURA DO ASSENTO OU DO DOMICÍLIO DO AUTOR. ART. 109, § 5º, DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS.

1. A ação para retificação de registro civil (registro de óbito) pode ser proposta em comarca diversa daquela em que foi lavrado o assento a ser retificado (art. 109, § 5º, da Lei 6.015/1973), não havendo óbice para ajuizamento da demanda no foro de domicílio do autor, pessoa interessada na retificação.

2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara de Família da Regional do Méier, Rio de Janeiro/RJ, o suscitante. (CC 96309 / RJ, 2ª Seção, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 22/04/2009, DJe 29/04/2009, RSTJ vol. 215 p. 380).

(...)”

Ora, como o caso em exame trata de pedido de natureza jurisdicional voluntária (não contencioso), em nossa percepção foi corretamente distribuído como feito cível, e não como feito da Corregedoria Permanente do Registro Civil.

E nessa linha de raciocínio, a atribuição para intervir no feito não é do órgão ministerial que oficia perante a Corregedoria do Registro Civil, mas sim daquele que atua, como fiscal da ordem jurídica, nos processos cíveis em que haja interesse específico a legitimar a intervenção ministerial.

Raciocínio diverso nos levaria a concluir, equivocadamente, que: (a) todos os feitos em que há discussão a respeito de matéria que pode de algum modo repercutir no âmbito dos Registros Civis de Pessoas Físicas, Jurídicas, ou de Imóveis, deveriam tramitar perante o Juízo Corregedor Permanente respectivo; (b) nessa mesma lógica, sempre oficiaria em tais feitos o órgão do Ministério Público com atribuições para atuar junto às Corregedorias Permanentes.

Essa conclusão seria manifestamente inaceitável, pois conduziria à afirmação de que, por exemplo, todas as ações de usucapião, ou ainda todas as ações de investigação de paternidade, deveriam tramitar perante o Juízo Corregedor Permanente.

Aliás, em reforço ao que vem sendo aqui consignado, também seria inviável tal conclusão a partir da observação de que as atribuições da Corregedoria Permanente são de natureza administrativa, e não jurisdicional. Daí não ser possível, portanto, a distribuição de feito jurisdicional (no exemplo acima invocado, ações de usucapião ou ações de investigação de paternidade) ao Juízo Corregedor Permanente.

Acrescente-se, ainda, que situação peculiar é aquela que se verifica na Comarca da Capital, em que existem Varas com competência específica em matéria de Registros Públicos.

Ademais, nada obstante nas demais comarcas algumas Varas tenham também competências para apreciar as questões administrativas das Corregedorias Permanentes dos Cartórios Extrajudiciais, essa competência não se confunde com a competência jurisdicional para apreciação dos feitos de jurisdição contenciosa ou voluntária, ainda que afetos à matéria que envolva Registros Públicos.

Caberá ao suscitado, portanto, oficiar no caso, visto que recebeu inicialmente o feito cível a fim de intervir como fiscal da ordem jurídica.

Para concluir, resta apenas destacar que o Ato nº 313/03 - PGJ-CGMP, de 24 de junho de 2003, que dispõe sobre a racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil, dispõe em seu art. 3º, VI que fica facultada a intervenção ministerial em procedimentos de jurisdição voluntária, contém importante ressalva em relação aos procedimentos que envolvem matéria alusiva aos registros públicos.

Destarte, cabe ao suscitado se manifestar nos autos, não sendo, ainda, hipótese de intervenção facultativa do membro do Ministério Público, mas obrigatória, conforme estabelecido no citado Ato.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 1º Promotor de Justiça de Santa Isabel, a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 05 de julho de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

pss