Conflito de Atribuições
– Cível –
Protocolado
nº 78.111/2016
(MP
nº 38.0633.0000138/2016-0)
Suscitante:
1º Promotor de Justiça Cível do Foro Regional do Tatuapé
Suscitado:
4º Promotor de Justiça Cível do Foro Regional do Tatuapé
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. 1ª Promotor de Justiça Cível do Foro Regional do Tatuapé (suscitante) e 4ª Promotor de Justiça Cível do Foro Regional do Tatuapé (Suscitado).
2. Havendo notícia de negligência familiar nos cuidados e proteção a pessoa portadora de transtornos ou doença mental, a atribuição é inerente ao cargo que, na divisão de serviços da Promotoria de Justiça, tem por missão a tutela da pessoa com deficiência.
3. Conflito dirimido, reconhecendo a atribuição do 4º Promotor de Justiça Cível do Foro Regional do Tatuapé (suscitado).
Vistos.
1) Relatório
Trata-se de conflito negativo de atribuições,
figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça Cível do Foro Regional
do Tatuapé, com atribuições na área de Direitos Humanos com abrangência na
defesa da Saúde Pública, e como suscitado o 4ª Promotor de Justiça Cível do
Foro Regional do Tatuapé com atribuições na área de Direitos Humanos com
abrangência na defesa do Idoso e Pessoa com Deficiência (Suscitado).
O 4ª Promotor de Justiça
Cível do Foro Regional do Tatuapé ao receber denúncia anônima registrada no
Disque Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos, declinou de sua
atribuição encaminhando os autos ao 1º Promotor de Justiça Cível do Foro
Regional do Tatuapé, por entender com base no art. 445 do Manual de Atuação
Funcional, aprovado pelo Ato Normativo nº 675/2010-PGJ-CGMP, ser da atribuição
relacionada à Saúde Pública por tratar de transtorno mental e não retardo
mental.
Ao receber as peças de
informação o 1º Promotor de Justiça Cível do Foro Regional do Tatuapé suscitou
o presente conflito negativo de atribuições sustentando que “o representado apresenta histórico de
conflito familiar, com vivência de rua ... que sequer foi submetido a avaliação ou tratamento médico, quiçá por
negligência de familiares ... que não
se pode concluir, ao menos agora, que o representado esteja sendo vitimizado ou
preterido ou ainda, que tenha, nos termos da novel legislação, ‘obstruída sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições das demais
pessoas’ por conta de inércia, inoperância ou descaso de qualquer órgão da
Saúde Pública, mesmo que residual.
É o relato do essencial.
2) Fundamentação
É possível afirmar que o
conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.
Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).
No caso em exame,
cuida-se, como dito, de definição da atribuição para eventual apuração acerca
da negligência familiar no que se refere aos cuidados e proteção a pessoa maior
portadora de doença ou transtorno mental.
O Ato nº 52/2009 – PGJ,
de 18 de maio de 2009, que divide as atribuições da Promotoria de Justiça Cível
de Tatuapé estabelece o seguinte:
I. 1º PROMOTOR DE JUSTIÇA
a) feitos da 1ª Vara da Família e Sucessões, inclusive as audiências;
b) feitos da 1ª Vara Cível, inclusive as audiências;
c) feitos 1, 4 e 6 (desprezado, em qualquer caso, o final 0) da 4ª Vara Cível, inclusive suas audiências;
d) feitos de finais 1, 4 e 7 (desprezado, em qualquer caso, o final 0) da 5ª Vara Cível, inclusive suas audiências;
e) feitos de 1, 4 e 7 (desprezado, em qualquer caso, o final 0) do Juizado Especial Cível, inclusive suas audiências;
f) Direitos Humanos com abrangência na defesa da Saúde Pública,
inclusive as ações civis públicas distribuídas;
g) Atendimento ao público.
(...)
IV. 4º PROMOTOR DE JUSTIÇA
a) feitos da Vara da Infância e Juventude, inclusive suas audiências;
b) Direitos Humanos com abrangência na defesa do Idoso (artigo 74 do Estatuto do Idoso) e da Pessoa com Deficiência, inclusive as ações civis públicas distribuídas;
c) Atendimento ao público.
O deslinde da
controvérsia reside na identificação da natureza do interesse a ser tutelado
objeto da investigação, isto é, se inserido nas áreas de Saúde Pública ou da
Pessoa com Deficiência, ambos inerentes a Diretos Humanos.
A denúncia anônima dá
conta de que: Jeferson pessoa com doença
mental, é negligenciado pela família. Os fatos ocorrem há mais de 8 meses, na
casa antiga da vítima, A vítima que tem esquizofrenia foi posta para fora de
casa, e agora mora na rua, passando a noite gritando, xingando e muito agitado.
Além de seu pai apelidado de “Rolete”, a vítima tem mãe, mas mora em outro
local, e outros irmãos mais velhos que não fazem nada para reverter essa
situação. A vítima dorme embaixo de uma árvore. A vítima não tem vestimenta
adequada e está apenas com uma bermuda vermelha, sem camisa e descalço.
Referente a alimentação a vítima, depende da doação de vizinhos.
O interessado é, para os
efeitos da Lei nº 13.146/2015, que Institui a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), pessoa deficiente,
assim conceituada como “aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas” (art. 2º).
A referida lei
estabelece ainda que a pessoa com
deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou
degradante (art. 5º), atribuindo ao Estado, à sociedade e à família o dever de assegurar
à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes
à vida, à saúde, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização,
ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao
transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à
informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade,
ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros
decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que
garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico (art. 8º).
A hipótese cuida de
negligência familiar no que se refere aos direitos da pessoa aparentemente à
alimentação, à habitação e à educação, dentre outros, não havendo notícia de o
Estado tenha negado a pessoa identificada por Jeferson acesso aos serviços de
saúde.
O que se verifica,
portanto, é a recusa no cumprimento de obrigações, como as estatuídas no art.
8º da referida lei, pela família, denotando-se a restrição a direitos em
virtude da deficiência que porta o interessado.
Assim a investigação é
da atribuição do ilustre 4º Promotor de Justiça Cível do Foro Regional do
Tatuapé, titular do cargo com competência na área de Direitos Humanos
relativamente à da Pessoa com Deficiência.
Face ao exposto, conheço
do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, com fundamento no
art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao
ilustre suscitado,
3) Decisão
Diante do exposto,
conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento
no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao
suscitado, a DD. 4º Promotor de
Justiça Cível do Foro Regional do Tatuapé, a atribuição para a notícia de fato.
Publique-se a ementa.
Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos autos.
Providencie-se a remessa
de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 21 de junho de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de
Justiça
aca