Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado n. 80.615/18 (SISMP nº 14.0482.0000725/2015-5)

Suscitante: 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital

Suscitado: 4º Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo da Capital

 

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital. Suscitado: 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital. Inquérito Civil instaurado para apuração de danos ambientais decorrentes de lançamento de esgoto in natura e assoreamento no córrego “Germano”, afluente do Rio Aricanduva, zona leste da Capital.

2.      Informações que apontam que os danos ambientais estão relacionados com o parcelamento irregular do solo em área de proteção ambiental.

3.      Muito embora se possa dizer que haja sobreposição de atribuições, percebe-se com segurança que a matéria objeto do inquérito civil refere-se à omissão do Poder Público na canalização do córrego e na regularização da ocupação do solo, reclamando  medidas de urbanização, matéria de atribuição Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo.

4.      O dano ao meio ambiente relacionado com o parcelamento irregular do solo em área de proteção ambiental será da atribuição do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo. Previsão expressa, no art. 2º do Ato Normativo nº 55/1995-PGJ).

5.      Conflito conhecido e dirimido, declarando-se caber a suscitada, DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.

 

Vistos,

1. Relatório

Põem-se em conflito os ilustres 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital (suscitante) e o 4º Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo da Capital (suscitado) a respeito da atribuição para tratar inquérito civil que envolve poluição por lançamento de esgoto e assoreamento do córrego “Germano”, situado no bairro de São Mateus, zona leste da Capital.

O inquérito civil nº 14.0482.0000725/2015-5 foi instaurado em dezembro de 2015 pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente por meio de representação civil, informando que o córrego em questão seria um esgoto a céu aberto, havendo grande preocupação dos moradores da região com o assoreamento das casas na época das chuvas.

Em 08 de agosto de 2018, o 3ª Promotor de Justiça do Meio Ambiente apontou ausência de atribuição para oficiar no feito, na medida em que no curso das diligências empregadas se apurou que os danos ambientais estariam relacionados ao processo de construção de habitações irregulares nas margens do córrego, de modo que a degradação ambiental decorreria da falta de implantação de políticas urbanísticas e habitacionais no local. Por essa razão, considerando a existência de edificações consolidadas e habitadas, encaminhou os autos para a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo (fls. 301/308).

O 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, a quem os autos foram distribuídos, consignou a prévia existência do procedimento nº 202/01 naquela Promotoria de Justiça especializada, cujo objeto seria investigar área de risco na Favela Jardim Colonial, localizada na Avenida Manoel Velho Moreira. Apesar de referido procedimento já ter sido arquivado, considerando que seu objeto abrangeria os fatos aqui noticiados, determinou a extração de cópias de peças da presente investigação, determinando sua juntada no procedimento referido, para verificação de eventuais providências que deveriam ser tomadas. Na sequencia, entendendo não haver motivo para permanência dos autos na Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, determinou sua devolução à origem (fls. 312/316).

O 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente, então, suscitou conflito de atribuição, afirmando que a questão investigada nos autos é preponderantemente urbanística. Aduziu que no decorrer do procedimento foi confirmada a informação de que as ocupações existentes nas margens do córrego estão consolidadas há mais de dez anos e que segundo informações da SABESP, é imprescindível que a Prefeitura Regional estabeleça servidão de passagem, o que só então tornaria possível a implantação da rede coletora de esgotos pelos fundos dos imóveis. Acrescentou que como o córrego é afluente do Rio Aricanduva, a poluição proveniente dessas moradias é a maior causa de contaminação da água do córrego. Logo, o lançamento de esgoto in natura no córrego não canalizado, proveniente das moradias ocupadas e consolidadas é o principal fator causador da poluição do curso d´água, atraindo animais sinatrópicos e causadores de doenças.

Desse modo, considerando se tratar de ocupação consolidada em APP, com moradias habitadas, a atribuição para acompanhamento do caso é da Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo, a teor do disposto no art. 2º e 4º do Ato Normativo 55/95-PGJ, observando que a melhoria das condições ambientais dependem da realização de obras de infraestrutura, notadamente aquelas relacionadas ao esgotamento sanitário, de caráter urbanístico, posto que ligadas ao ordenamento da cidade e à existência de ocupações irregulares no local.

Ponderou, ao final, que os danos ambientais somente podem ser corrigidos mediante a implantação de infraestrutura de coleta de esgoto, no âmbito de reurbanização da ocupação.

2. Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Verifica-se que desde o início a representação reclamava intervenção ministerial para que fosse apurada omissão do Poder Público na canalização do córrego em toda sua extensão, bem como na implantação de rede coletora de esgoto, o que causava o lançamento de esgoto in natura no local e o assoreamento na época de chuvas (docs sigilosos e fls. 78/84).

De acordo com as informações colhidas na apuração, constatou-se que as margens do córrego em questão estão ocupadas por várias construções irregulares, de modo que a Sabesp dependeria de ação prévia da Prefeitura Municipal para estabelecer servidão de passagem, com o fim de implantar rede coletora de esgoto pelos fundos dos imóveis e permitir a captação de água (fls. 88/92). Além disso, parte do córrego que já se encontra canalizada também foi ocupada por moradias, o que apresentaria situação de risco (fls. 171/173).

Indicou-se necessidade de realização de certame licitatório para canalização e solução dos problemas gerados pela ocupação irregular (fls. 232/248).

Pois bem.

É comum que em determinada investigação, se verifique a existência de mais de um interesse afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público, porquanto isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos previamente estabelecidos de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Assim, apesar de a hipótese em análise resvalar em aspectos relacionados ao Meio Ambiente, sobretudo no que se refere à poluição de corpo d´água pelo lançamento in natura de esgotos, a questão central está afeta às atribuições da Promotoria de Habitação e Urbanismo, pois há elementos indicativos no sentido de que as margens do afluente estão tomadas por ocupações irregulares do solo consolidadas há mais de dez anos e que atuam como fator principal de poluição.

Nesse sentido, os arts. 2º e 3º do Ato Normativo nº 55/95-PGJ, que modifica e consolida as normas que regulamentam a atribuição dos Promotores de Justiça de Habitação e Urbanismo e do Meio Ambiente na hipótese de parcelamento do solo em área de proteção ambiental, após prever a observância do princípio da unicidade de atuação dos Órgãos do Ministério Público, estabelece que o dano ao meio ambiente relacionado com o parcelamento irregular do solo em área de proteção ambiental será da atribuição do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo.

A atribuição somente será do Promotor de Justiça do Meio Ambiente quando restar evidenciado que o dano se relacionar com: (i) parcelamento rural e (ii) parcelamento para fins urbanos, desde que não haja moradias com ocupação, embora tenha ocorrido desmatamento, movimentação de terra, abertura de ruas, demarcação de lotes e quadras, e edificações.

Senão vejamos:

Art. 2º - O dano ao meio ambiente relacionado com o parcelamento irregular do solo em área de proteção ambiental será da atribuição do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, o qual providenciará, prontamente, nos autos da peça informativa ou do procedimento instaurado, exame pericial ou estudo técnico, sem prejuízo de outras medidas, observado o disposto no artigo 5º deste Ato.

Art. 3º - Deslocar-se-á a atribuição para o Promotor de Justiça do Meio Ambiente sempre que, diante do laudo pericial ou documento equivalente e dos demais elementos de prova coligidos, restar evidenciado que o dano ambiental está relacionado com:

I - parcelamento rural, ou seja, executado com finalidade de exploração agrícola, extrativa ou pastoril, e que respeita o módulo mínimo de fracionamento fixado pelo INCRA ou pela legislação municipal;

II - parcelamento para fins urbanos, desde que não haja moradias com ocupação, embora tenha ocorrido desmatamento, movimentação de terra, abertura de ruas, demarcação de lotes e quadras, e edificações.

§ 1º - Será da atribuição do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo o parcelamento do solo para fins urbanos que, embora realizado na zona rural, destine-se à edificação para moradia ou lazer, na modalidade de sítios ou chácaras de recreio, ou cujos lotes, identificados através das alienações a qualquer título, ou das demarcações, sejam inferiores ao módulo mínimo de fracionamento estabelecido pelo INCRA ou pela legislação municipal.

§ 2º - O Promotor de Justiça do Meio Ambiente, com a atribuição definida neste artigo, promoverá também a defesa dos interesses protegidos pelas normas de parcelamento do solo, devendo considerar, em eventual ação civil pública ou acordo extrajudicial, a indenização, em favor dos adquirentes de lotes, dos valores por eles pagos ao parcelador ou preposto, bem como dos danos advindos de eventual demolição de edificações situadas em áreas de risco ou de proteção ambiental.

Art. 4º - Nas hipóteses definidas neste Ato, de danos ambientais relacionados com parcelamento do solo para fins urbanos, da atribuição do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, a este caberá também  considerar, comprovado o dano ambiental, a possibilidade de sua recuperação, ainda que parcial, ou mitigação dos impactos ambientais e, não sendo possível, a indenização devida, seja no ajuizamento da ação civil pública, seja em eventual acordo extrajudicial.

 “(...)

Assim, o objeto do inquérito civil reclama a intervenção da Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo na verificação da necessidade de urbanização e apuração de eventuais danos ambientais decorrentes da ocupação irregular do solo.

Resolve-se o conflito, portanto, reconhecendo-se a atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo para atuar no caso.

3. Decisão

Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, a atribuição para oficiar nos autos.

Publique-se a ementa. Comuniquem-se os interessados. Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

         São Paulo, 08 de outubro de 2018.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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