Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0085508/14

Suscitante: 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

Suscitado: Promotor de Justiça de Presidente Bernardes

 

Ementa:

1.   Investigação civil instaurada para apurar procedimentos licitatórios levados a efeito por várias unidades prisionais do Estado de São Paulo (aquisição de ração canina).

2.   Em sede de improbidade administrativa, a competência a ser considerada é aquela onde foi perpetrada a conduta que ofendeu a higidez pública e, em regra, o local do dano é a sede da pessoa jurídica ofendida pelo ato de improbidade. Nesse sentido: Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves. Improbidade Administrativa. 5ª ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2010, p. 870.

3.   Conflito conhecido e dirimido, determinando-se o prosseguimento da investigação sob a presidência do suscitante.

 

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital e como suscitado o Promotor de Justiça de Presidente Bernardes, relativamente ao feito em epígrafe (PJPP 43.0396.0000221/2014-1 – 2º PJ).

O procedimento iniciou-se a partir de representação encaminhada por Multirações Distribuidora LTDA à Promotoria de Justiça de Presidente Bernardes (fls. 02/04), a fim de se apurar direcionamento em licitações para aquisição de ração canina nas unidades prisionais do Estado de São Paulo.

No entender do então presidente da investigação, “todo o procedimento licitatório ocorreu na cidade de São Paulo, portanto, não tenho atribuição para apreciar” (fl. 76), o que culminou na remessa do procedimento para a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (fl. 77).

Distribuído o feito ao 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (fl. 79), este suscitou conflito negativo de atribuições, pois, no seu entender, o dano se deu unicamente na localidade e por conta de atuação da comissão de licitação local (fls. 84/88).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso dos autos, importante destacar que a atribuição para presidir a investigação é da Promotoria de Justiça da Capital, local da sede do Governo Estadual, isto é, da Secretaria de Estado, Pessoa Jurídica de Direito Público lesada pela eventual improbidade.

Ademais, rememore-se que a Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92) não tem disposição específica sobre competência, ao contrário do que ocorre com a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), os quais, em seus arts. 2º e 93, respectivamente, disciplinam a matéria. De toda forma, ao se considerar que a ação de improbidade administrativa pertence ao minissistema processual coletivo, de rigor aplicar-se a regra do art. 2º da Lei n. 7.347/85 também às ações ajuizadas com suporte na Lei n. 8.429/92, à medida que a ação de improbidade pode ser considerada uma ação coletiva.

 Nesse sentido, assentou o STJ que “não há na Lei 8.429/92 regramento específico acerca da competência territorial para processar e julgar as ações de improbidade. Diante de tal omissão, tem-se aplicado, por analogia, o art. 2º da Lei 7.347/85, ante a relação de mútua complementariedade entre os feitos exercitáveis em âmbito coletivo, autorizando-se que a norma de integração seja obtida no âmbito do microssistema processual da tutela coletiva” (CC 97351/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 10/06/2009).

No caso dos direitos transindividuais (e a probidade constitui direito difuso), pela sua dimensão social, política e jurídica, resta claro o interesse público no sentido de que a competência territorial se exprima como absoluta. Nas palavras de Proto Pisani: “È chiaro che quando il legislatore prevede criteri di competenza per territorio inderogabili, manifesta l’esistenza di un interesse pubblicistico al rispetto di tali criteri.” (PISANI, Andrea Proto. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Quinta edizione. Napoli: Jovene, 2006, p. 272).

Justifica-se a opção pela competência absoluta pelas seguintes razões: a) facilitar a instrução probatória; b) permitir que a demanda seja julgada pelo juiz que de alguma forma teve contato com o dano ou ameaça de dano a direito transindividual.

O local do resultado coincide, muitas vezes, “com o domicílio das vítimas e da sede dos entes e pessoas legitimadas, facilitando o acesso à justiça e a produção da prova” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Da defesa do consumidor em juízo. In: Benjamin, A H V; Fink, D R; Filomeno, J G; Grinover, Ada Pellegrini; Nery Júnior, N; Denari, Z. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 877).

Hugo Nigro Mazzilli, no mesmo rumo, ensina que o escopo de fixar o local do dano “é facilitar o ajuizamento da ação e a coleta da prova, bem como assegurar que a instrução e o julgamento sejam realizados pelo juízo que maior contato tenha tido ou possa vir a ter com o dano efetivo ou potencial aos interesses transindividuais” (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 207).

Colhe-se com segurança que em sede de improbidade administrativa a competência a ser considerada é aquela onde foi perpetrada a conduta que ofendeu a higidez pública e, em regra, o local do dano é a sede da pessoa jurídica ofendida pelo ato de improbidade. Veja-se o que ensina a doutrina:

“A questão da competência territorial para a ação de improbidade, à falta de regra específica na Lei n. 8.429/92 e tendo em conta o regime da mútua complementariedade entre as ações exercitáveis no âmbito da jurisdição coletiva, demanda a incidência do art. 2º da Lei n. 7.347/85, podendo considerar-se como local do dano, numa primeira aproximação interpretativa, a sede da pessoa jurídica de direito público lesada pela improbidade” (Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves. Improbidade Administrativa. 5ª ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2010, p. 870) – g.n.

Frise-se: a competência a ser considerada é aquela onde foi perpetrada a conduta que ofendeu a higidez pública e, em regra, o local do dano é a sede da pessoa jurídica ofendida pelo ato de improbidade.

Destarte, por qualquer ângulo que se observe, a conclusão é de que a atribuição para funcionar na presente investigação é do suscitante, 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

 

Por todas essas razões o feito deverá tramitar sob a responsabilidade do suscitante.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, DD. 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 25 de junho de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça