Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado MP nº 86341/16
Suscitante: 5º Promotor de Justiça
do Patrimônio Público e Social da Capital
Suscitado: 6º Promotor de Justiça
do Patrimônio Público e Social da Capital
Ementa:
1. Inquérito civil instaurado com o
objetivo de apurar eventual irregularidade no pregão eletrônico nº 11/2012,
consistente no fornecimento de peças à frota da CET. Investigação destacada do
Inquérito Civil nº 353/2015, em razão de decisão do 6º Promotor de Justiça, que
não vislumbrou conexão entre os objetos apurados.
2. A conveniência é critério
determinante para aferir se, em determinada hipótese, deverá ou não ocorrer a
reunião de feitos conexos em razão da prevenção. Se uma de suas finalidades é a
economia processual e, se no caso específico esta não terá lugar, dever-se-á
evitar a reunião. Em síntese: (a) a regra da prevenção, como forma de definição
de competência jurisdicional ou atribuição de órgãos ministeriais não é
absoluta; (b) sua aplicação não pode descurar de valores mais relevantes, em
especial, a preservação da garantia da inamovibilidade e a regra do promotor
natural; (c) não se deve promover a reunião de feitos por prevenção quando isso
significar, em prognóstico formulado com amparo em peculiaridades do caso
concreto, risco de maiores dificuldades que vantagens tanto para a
investigação, como para ulterior ação em juízo.
3. Nesse sentido, sob a ótica da
otimização da apuração, economia processual, aproveitamento e facilidade na
obtenção da prova é razoável, conveniente e oportuno que as investigações
prossigam com o suscitado.
4. Diante do exposto, conheço do
presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao 6º
Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital prosseguir na
investigação, em seus ulteriores termos.
Vistos,
Instaurou-se o presente inquérito civil por meio da Portaria PJPP-CAP n. 893/2015, com o objetivo de apurar eventual irregularidade no pregão eletrônico n. 11/2012, consistente no fornecimento de peças e acessórios genuínos e originais para veículos leves, médios e pesados da marca Ford, pertencentes à frota da CET.
Ao que consta, mediante o Ofício n. 6386/2015, o 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, em 28 de julho de 2015, remeteu ao Promotor de Justiça Secretário-Executivo da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital diversas peças de informação para serem distribuídas livremente, dentre elas a relacionada a este procedimento – Pregão Eletrônico CET 11/2012 (fl. 02).
O digno Promotor de Justiça Secretário autorizou a distribuição por prevenção à 6ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social (fls. 04).
Os autos foram conclusos ao 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital em exercício (fl. 05), que instaurou inquérito civil (fls. 2/A-2/E), e determinou diligências preliminares (fls. 07/15).
Aos 18 de março de 2016, o 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital lançou a seguinte manifestação:
“1. Restituam-se os autos à Secretaria, tendo em vista o equívoco da distribuição de fl. 04, uma vez que já observada por esta promotora a ausência de conexão com o feito originário distribuído a este cargo do 6º PJ.
2. Não existe conflito de atribuição entre cargo e a Secretaria, e nem previsão legal para que o secretário possa decidir e reformar o entendimento de outro promotor, razão pela qual deve ser observada a regra de distribuição livre, para que eventualmente seja suscitado o conflito, a ser decidido pela autoridade competente” (fl. 16).
O Promotor de Justiça Secretário-Executivo da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital lançou manifestação a fls. 20/22, aduzindo, em síntese, que: (a) há identidade fática a exigir a instauração de investigação única; (b) a peça de informação foi originariamente distribuída ao cargo do 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital; (c) o 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital aceitou a distribuição, tanto que instaurou inquérito civil a respeito dos fatos.
Novamente conclusos ao 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, este observou inexistir preclusão, diante da prerrogativa do Procurador-Geral de Justiça de decidir conflitos negativos de atribuições; acrescentou que inexistem elementos indiciários ou comprobatórios que apontem para a prática de conluio entre as empresas participantes dos certames. Por final, observou não ser possível suscitar conflito negativo de atribuições por conta de divergência entre Promotor-secretário e Promotor de Justiça, postulando, assim, o seguinte: (a) decisão do Procurador-Geral de Justiça acerca de compensação na distribuição ou equivalente; (b) caso não seja esse o entendimento, que se aplique por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal (fl. 25, v).
Conforme decisão desta Procuradoria-Geral de Justiça (fls.
36/44), determinou-se ao Secretário Executivo da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e
Social promover a livre distribuição do Inquérito Civil.
Assim
é que o procedimento foi distribuído ao 5º Promotor de Justiça do Patrimônio
Público e Social da Capital (fl. 48), que, por sua vez, suscitou conflito
negativo de atribuições (fls. 50/56).
É
o relatório.
1) Fundamentação
Assiste
razão ao suscitante.
Pode-se mesmo afirmar,
sem temor, que a conveniência
é critério determinante para aferir se, em determinada hipótese, deverá ou não
ocorrer a reunião de feitos conexos em razão da prevenção. Se uma de suas finalidades
é a economia processual, e se no caso específico esta não terá lugar,
dever-se-á evitar a reunião.
É bem verdade que boa
parte da doutrina reconhece na regra que prevê a reunião de feitos em razão da
conexão ou continência uma imposição, e não uma faculdade (Nesse sentido, v.g., Celso Agrícola Barbi, Comentários ao CPC, vol. I, 11ªed., Rio
de Janeiro, Forense, 2002, p.350, em comentários ao art.105 do CPC; bem como
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil comentado, 10ª ed., São Paulo, RT, 2008,
p.362, nota n.7 ao art.105 do CPC).
Mas, com o devido
respeito, essa posição não pode ser aplicada em termos absolutos. A
interpretação das regras processuais e procedimentais não pode perder de vista
seus fins. Se a aplicação de uma norma determinada leva a resultado diverso
daquele que inspirou sua edição, deve ser mitigada sua incidência. Nesse
sentido, pondera Patrícia Miranda Pizzol, ao comentar o art. 105 do CPC do 1973,
afirmando que a não observância da regra determinante da reunião de feitos
conexos não deve levar ao reconhecimento de qualquer vício processual, “se o tribunal verificar que, muito embora
havendo conexão, a sentença proferida, por seu conteúdo, não tem o condão de
causar lesão às partes, uma vez que não há o risco de julgados contraditórios,
o pronunciamento não deverá ser anulado. Pode-se fundamentar o entendimento ora
esposado no princípio da instrumentalidade das formas, bem como na súmula nº
235 do STJ” (Código de Processo civil
interpretado, coord. Antônio Carlos Marcado, São Paulo, Atlas, 2004,
p.301).
Aliás, nesse sentido tem
decidido o E. STJ, como se infere do julgado cuja ementa segue transcrita, a
título de exemplificação:
“Processo civil. Conexão. Margem de
discricionariedade do juiz. Sociedade de Economia Mista. Competência da Justiça
Estadual. Processamento do recurso. Não conhecimento. Segundo orientação
predominante, o art.105, CPC, deixa ao juiz certa margem de discricionariedade
na avaliação da intensidade da conexão, na gravidade resultante da contradição
de julgados e, até, na determinação da oportunidade da reunião de processos
(...) (STJ, RESP 5.270/SP, 4ª T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j.
11.2.1992, DJU 16.3.1992, p.3100).
Essa é, também, a
essência do fundamento que ensejou a edição da súmula acima mencionada, no E.
STJ:
“Súmula nº 235: A conexão não determina a reunião dos
processos se um deles já foi julgado”.
A interpretação
sistemática também legitima tal conclusão. Sabe-se que um dos fundamentos do
litisconsórcio é, em observação singela, a conexão entre as demandas cumuladas
pelos litisconsortes. Em outras palavras, fossem elas propostas separadamente
seria, em tese, viável a reunião, desde que identificada a conexão. Entretanto,
a lei abre ensejo para solução contrária, na hipótese do denominado
“litisconsórcio multitudinário”, previsto no art. 46, parágrafo único, do CPC
do 1973. Como prevê referido dispositivo, “o
juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de
litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a
defesa”.
Defendendo o acerto do
legislador ao prever a possibilidade de limitação ao litisconsórcio, pondera
Cândido Rangel Dinamarco que “a
conveniência do cúmulo termina, porém, onde começam os embaraços mais graves,
que o número muito grande de litisconsortes pode ocasionar” (Litisconsórcio, 3ª ed., São Paulo,
Malheiros, 1994, p. 347).
Assim, é possível
afirmar, por identidade de razões, que se a reunião de procedimentos
investigatórios ou de ações conexas levará à inviabilidade do proveito prático
desejado, dever-se-á evitar a junção de feitos. Também a interpretação
analógica e extensiva levaria à solução aqui propugnada, bastando consultar a
solução contida, a propósito, na legislação processual penal.
Conexão e continência
são determinantes da reunião de feitos criminais, com ressalvas, contudo, que
incluem a conveniência (cf. art. 80 e 82 do CPP). Tais ideias, singelamente
alinhavadas, são inteiramente aplicáveis à análise da pertinência da reunião,
ou não, de investigações civis a respeito de casos que apresentem, em maior ou
menor grau, conexão de qualquer sorte, ainda que probatória.
Em síntese: (a) a regra
da prevenção, como forma de definição de competência jurisdicional ou
atribuição de órgãos ministeriais não é absoluta; (b) sua aplicação não pode
descurar de valores mais relevantes, em especial a preservação da garantia da
inamovibilidade, e a regra do promotor natural; (c) não se deve promover a
reunião de feitos por prevenção quando isso significar, em prognóstico
formulado com amparo em peculiaridades do caso concreto, risco de maiores
dificuldades que vantagens tanto para a investigação, como para ulterior ação
em juízo.
Daí a conclusão de que,
na hipótese em exame, a atribuição para a investigação é do suscitado.
Sob a ótica da
otimização da apuração, economia processual, aproveitamento e facilidade na
obtenção da prova é razoável, conveniente e oportuno que as investigações
prossigam com o suscitado.
Milita em prol desta tese o art. 22 do Ato Normativo
n. 484/06, cuja ementa é a seguir transcrita:
“Conflito negativo de atribuições. Inquérito
Civil. Fraude em hastas públicas com recebimento de vantagem ilícita. Conflito
entre membros da mesma Promotoria de Justiça Especializada. Prevenção.
Atribuição do suscitado. 1.
Havendo identidade de fatos e de qualificação jurídica, a prevenção é critério
racional determinante da atribuição. 2.
Se a investigação para sua
eficiência merece ser ou não desmembrada para o alcance de outras situações
conexas envolvendo as pessoas físicas e jurídicas investigadas ou para a subsunção
a outras figuras de enriquecimento ilícito ou a outras espécies de atos de
improbidade administrativa em concurso ou não, não consulta ao interesse
público que o desmembramento desafie a prevenção nem a eficiência que a visão
macroscópica, concentrada e uniforme produz tanto no aspecto da instrução
quanto no atinente à formação da convicção. 3. Conflito dirimido, declarando-se a atribuição do suscitado”
(Protocolado n. 184.185/14).
No caso de conflito
entre Promotores de Justiça dotados de idêntica atribuição, integrantes da
mesma unidade especializada, a análise conjugada dessas regras abona a reunião
da investigação, desmembrada ou não, no
mesmo membro do Ministério Público, sendo recomendável a difusão quando inconveniente ou se cuidar de fatos
desconexos ou diversos.
Registro, por
derradeiro, que este entendimento guarda sintonia com precedente cuja ementa é
a seguinte:
“1) Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de
Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitante) e 7º Promotor de
Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitado).
2) Inquérito civil com objeto amplo. Desmembramento,
para apuração de parte do objeto já investigado.
3) Adequada exegese da garantia da inamovibilidade e
do princípio do promotor natural. Regra procedimental que prevê a distribuição,
como mecanismo de preservação da garantia e do princípio acima referidos.
4) Relatividade da diretriz de reunião de feitos em
decorrência da conexão. Possibilidade de desmembramento, por conveniência da
investigação, prosseguindo em cada inquérito civil a apuração de fatos
diversos.
5) Prevenção, nos termos do art. 114, § 3º da Lei
Complementar Estadual nº 734/93, do órgão de execução que já vinha investigando
os fatos objeto do inquérito civil desmembrado.
6) Conflito conhecido e dirimido, determinando-se ao
suscitado prosseguir na apuração” (Protocolado n. 133.825/09).
Esta orientação,
inclusive, foi reafirmada (Protocolado nº 174.798/13 e 98997/15).
Ademais, conforme afirma
o suscitante, “somente em relação à CET, foram instaurados quatro inquéritos
civis (n. 353/15 – Pregão Eletrônico n. 056/12; n. 893/15 – Pregão Eletrônico
n. 011/12; n. 894/15 – Pregão Eletrônico n. 26/11 e n. 898/15 – Pregão
Eletrônico n. 114/10), até então afetos ao cargo do 6º PJPPS/CAP, todos para a
apuração deste conluio entre as mesmas empresas para fraudar licitações com o
idêntico objeto, qual seja, o fornecimento de peças para veículos
automotores”(fl. 51); acrescente-se, ainda, que originariamente a peça foi
distribuída ao suscitado (6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social
da Capital).
Assim, de rigor, que a investigação prossiga sob a
presidência do suscitado.
2)
Decisão
Diante do exposto,
conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber
ao 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital prosseguir
na investigação, em seus ulteriores termos.
Publique-se.
Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.
Providencie-se a remessa
de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela
Coletiva.
São Paulo, 18 de julho de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
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