Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 86.731/2014

Representação nº 43.0233.0000723/2014-4

Suscitante: GAEMA – Núcleo Litoral Norte

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba

 

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. GAEMA Litoral Norte (suscitante) e 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba (suscitado). Representação para apuração relativamente à “colocação irregular de caçambas de lixo nas praias da cidade de Caraguatatuba”.

2)   Em conformidade com o Ato Normativo nº 552/2008, PGJ, de 04 de setembro de 2008, as atribuições executivas do GAEMA dizem respeito a sua atuação na defesa e proteção dos “bens ambientais eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural” (cf. art. 5º, a, do Ato Normativo nº 552/2008). Interpretação sistemática dos dispositivos que delimitam as atribuições do GAEMA (art. 3º, § 3º, art. 5º, e art. 14).

3)   Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitante realizar a investigação.

 

 

 

 

 

 

Vistos,

1) RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Litoral Norte, e como suscitado o DD. 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba.

O expediente foi iniciado por força de representação apócrifa encaminhada à Promotoria de Justiça de Caraguatatuba, solicitando a “limpeza e/ou retirada imediata de caçambas de lixo, as quais estão localizadas dentro da praia no Município de Caraguatatuba ao lado e disposição dos quiosques (sic)” (fls. 02).

Ao receber o expediente, o suscitado, DD. 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba (com atribuições na área do Meio Ambiente), determinou o encaminhamento dos autos ao Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente – GAEMA – Núcleo Litoral Norte -, com a seguinte fundamentação, cf. fls. 12:

“(...)

Abra-se conclusão ao GAEMA- LN tendo em vista que a questão em análise está compreendida em suas metas (A.N nº 758/2013 – PGJ, item ‘1’).

(...)”

O suscitante, DD. Promotor de Justiça que oficia no GAEMA – Núcleo Litoral Norte, ao suscitar o conflito anotou cf. fls. 15/18, que:

(a) as atribuições do GAEMA são “essencialmente de natureza regionalizada”;

(b) a questão versada na representação em exame caracteriza “um problema pontual de ordem ambiental”;

(c) a atuação do GAEMA em sede de saneamento ambiental deve estar adstrita à efetivação de políticas públicas no município, e “não à verificação da regularidade coleta (sic) de lixo por meio de caçambas”;

(d) deve-se concluir que a intervenção do GAEMA – Núcleo Litoral Norte somente deverá ocorrer quando a efetivação de políticas públicas se referir a “fatos em que a demanda ambiental se apresente de forma transcendental e regionalizada (3º Considerando do Ato Normativo nº 811/14-PGJ)”.

É o relato do essencial.

2) FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, o objeto da representação, e consequentemente da apuração a se iniciar, está centrado, essencialmente – como se colhe da leitura da representação de fls. 2 – na limpeza e/ou retirada de caçambas de lixo localizadas dentro da praia, no Município de Caraguatatuba.

Não há dúvida de que, em conformidade com o Ato Normativo nº 552/2008, PGJ, de 04 de setembro de 2008, as atribuições executivas do GAEMA dizem respeito à sua atuação na defesa e proteção dos “bens ambientais eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural” (cf. art. 5º, a do Ato Normativo nº 552/2008).

Não há, nos dispositivos do referido ato regulamentar, disposições que fixem, de antemão, parâmetros para a definição inflexível das hipóteses que deverão ser indicadas como preferenciais quanto à sua atuação.

Essa permeabilidade tem em vista, como destaca a motivação contida no preâmbulo do referido ato normativo, “o caráter transcendental das questões ambientais, a identidade de hipóteses de atuação e a necessidade de atuação integrada, coordenada e concentrada”, bem como “a necessidade de eleição de prioridades e metas que respeitem as peculiaridades locais e regionais, bem como o referido caráter transcendental da tutela ambiental”.

Dessa forma, essa eleição de questões prioritárias que invoca a atuação do GAEMA, naturalmente envolve, ao menos de modo implícito, situações em que a questão ambiental se apresente de modo regionalizado, recomendando a atuação uniforme do Ministério Público, desconsiderando os limites tradicionais de divisão de atribuições em sentido territorial (comarcas e foros).

Essa nova modalidade de atuação ministerial, de outro lado, deve privilegiar, na fixação de atribuições, aspectos geográficos relacionados ao próprio meio ambiente a ser protegido, como ocorre, precisamente, nas questões que envolvem determinada bacia hidrográfica.

Tanto assim que o Ato Normativo 552/2008 também adota como justificativa, em seu preâmbulo, a afirmação de que “nos termos do artigo 1º, inciso V, da Lei 9.433, de 08/01/1997, a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, podendo ser empregada como caráter definidor das atuações regionalizadas”.

Considerando tais premissas é que foram estruturados os Núcleos Regionais do GAEMA a partir de grandes bacias hidrográficas, tendo em vista a necessidade de definição de política ministerial de atuação regionalizada e uniforme em matéria ambiental.

Por outro lado, o Ato Normativo nº 811/2011-PGJ, de 17 de fevereiro de 2014, que dispôs sobre “as metas gerais e regionais para a atuação do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) e da Rede de Atuação Protetiva do Meio Ambiente, para o ano de 2014”, estabeleceu, em seu art. 1º, as metas gerais e regionais para o GAEMA no ano de 2014, sendo certo que o inciso I, n.1, desse artigo prevê, entre outros temas, a “Coleta e destinação final de resíduos sólidos”.

Essas metas, entretanto, devem ser compreendidas em conformidade com a finalidade que inspirou a criação do GAEMA, acima consignada, ou seja, a necessidade de enfrentamento coordenado de casos que tenham dimensão que supere explícita ou implicitamente os limites territoriais da comarca.

Em outras palavras, observa-se que no caso em análise não está em evidência situação que recomende a atuação coordenada, em perspectiva que repercuta de forma diferenciada e transcendente, mas sim, ao que tudo indica situação pontual e localizada na própria comarca.

Com as poucas informações constantes destes autos até o momento – mesmo porque a investigação sequer foi iniciada – nada está a indicar que se trate de caso que extrapole região pequena, circunscrita efetivamente à pequena fração territorial do Município envolvido.

Esse quadro sinaliza para o reconhecimento da atribuição da Promotoria de Justiça, e não do GAEMA – Núcleo Litoral Norte.

3) DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba, a atribuição para dar seguimento à investigação.

Publique-se a ementa.

Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 18 de junho de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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