Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n: 92.475/17

Suscitante: 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

Suscitados: 3º Promotor de Justiça de São Sebastião

 

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Representação. Objeto delimitado. Danos ao patrimônio de fundação estadual sediada em São Paulo, decorrentes de contratações fraudulentas e dispensa indevida de licitação, adicionados a enriquecimento ilícito de agente público estadual. Atribuição da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social. Irrelevância de a execução dos contratos ocorrer em local diverso.  Procedimento destinado à apuração de danos ao patrimônio público de fundação estadual, decorrente de licitações e contratos administrativos, celebrados mediante adiantamento de despesas, com consequente enriquecimento ilícito de agentes daquela, é da atribuição da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Cidade e Comarca de São Paulo, ainda que a execução contratual tenha ocorrido em locais diversos (Enunciado n. 73-PGJ).

 

 

 

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, e como suscitado o DD. 3º Promotor de Justiça de São Sebastião.

O expediente foi instaurado na Promotoria de Justiça de São Sebastião, porquanto conforme consta da portaria, há notícias de que o gestor da Fundação Florestal no Núcleo de referido município utilizava, para fins pessoais, veículo pertencente à entidade, além de fraudar a jornada de trabalho. A portaria também narra que referido funcionário, em nome da Fundação, teria contratado, em regime de adiantamento de despesas, as empresas BK CONSULTORIA E SERVIÇOS LTDA e GREEN WAY BRASIL, destinando-lhes pagamentos, verificando-se, ainda, irregularidades nos procedimentos licitatórios para contratação de outras empresas, dada a ausência de observâncias das regras estabelecidas na Lei nº 8.666/93.

O DD. 3º Promotor de Justiça de São Sebastião, ora suscitado, acabou por declinar de sua atribuição para atuação no feito, determinando o encaminhamento dos autos à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, porquanto entendeu que se tratando de fundação estadual lesada pela prática de atos administrativos, o local do dano, para fins de fixação da competência, é o local da sede da instituição (fls. 2715/2721).

Na sequencia, o DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital suscitou o conflito, afirmando, em suma, que não obstante a Fundação Florestal tenha sede na capital, possui núcleos sediados no litoral e interior, dotados de certa autonomia, “devendo-se entender que a competência para eventual ação e, portanto, a atribuição para investigação, seja no foro de São Sebastião”. Afirmou que os fatos se relacionam diretamente à operacionalização, gerência, execução e fiscalização do próprio Núcleo, de modo que devem ser investigados pela Promotoria local, conforme sua atribuição (fls. 2767/2770).

É o relato do essencial.

A portaria de instauração do inquérito civil delimitou o objeto desta investigação na prática de atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito (utilização de veículo da Fundação para fins particulares) e prejuízo ao erário, consistente em distorções na execução de contratações administrativas e nos respectivos procedimentos licitatórios, além da realização de despesas irregulares.

Feito esse registro, a solução para o conflito de atribuição, baseada no objeto da investigação, não pode ser outra senão aquela que prestigie a orientação consagrada no Enunciado n. 73 da Procuradoria-Geral de Justiça:

“Conflito de atribuição. Licitação e contrato administrativo. Órgão da Administração Pública Estadual Centralizada. Atribuição da Promotoria de Justiça da sede da pessoa jurídica de direito público. É atribuição do órgão de execução da sede da pessoa jurídica de direito público eventualmente lesada a investigação e o processamento de irregularidades em licitação e contratos de órgão público estadual, nos termos do art. 2º da Lei n. 7.347/85 e do art. 55, § 2º, da Lei n. 8.666/93”.

                   Idêntica conclusão há de ser tomada em relação à fundação estadual sediada na Cidade e Comarca de São Paulo, cujos contratos, ainda que celebrados em regime de adiantamento de despesas, são tidos como celebrados nessa localidade e a adotam como foro contratual, fazendo incidir o § 2º do art. 55 da Lei n. 8.666/93, verbis:

“Nos contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, deverá constar necessariamente cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, salvo o disposto no § 6o do art. 32 desta Lei”.

Ressalte-se, por relevante, que apesar de no regime de adiantamento de despesas ser dispensável a forma escrito de contrato, por revelar hipótese de dispensa de licitação por pequeno valor, ele substancia contratação, e como tal incide a cláusula de foro de domicílio da pessoa jurídica da Administração previsto na Lei nº 8.666/93, que, ademais, é obrigatória.

Esse entendimento também harmoniza-se com a Lei n. 7.347/85 – que se aplica por não existir regra específica na Lei n. 8.429/92 – cujo art. 2º prescreve:

“As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”.

                   Ora, havendo resultado patrimonial negativo ao erário, ele deve ser perscrutado no sítio de sua ocorrência que é a sede da pessoa jurídica de direito público interno, de onde são distribuídos os recursos inclusive para unidades desconcentradas. Neste sentido explica a literatura que:

“Em se tratando de órgão ou entidade estadual que tem sede na capital da unidade federativa, tais como as secretarias, as universidades, as autarquias, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, prevalece a competência dos magistrados que atuam em tal comarca, e não na do interior onde o fato ocorreu. Isso porque a lei considera o local do dano, e não o local do fato” (Silvio Antonio Marques. Improbidade administrativa, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 208).

                   É assaz relevante reverberar o quanto exposto nessa lúcida admoestação: “a lei considera o local do dano, e não o local do fato”. Converge a tanto o sumulado por Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves que apontam a sede da pessoa jurídica de direito público lesada pela improbidade, explicitando que:

“(...) realizada a contratação irregular de pessoal sem a observância dos ditames constitucionais ou realizada a contratação de obra pública em procedimento licitatório irregular, por exemplo, a ação, quando proposta em face do Estado federado (art. 17, § 3º, da Lei nº 8.429/92), isto é, ajuizada pelo Parquet ou por associação, figurando o Estado como pessoa jurídica lesada, encontrará na comarca da capital o seu foro (local de sua sede – art. 2º da Lei nº 7.347/85 c.c. art. 100, IV, a, do CPC), sendo competente o respectivo Juízo de fazenda pública” (Improbidade administrativa, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, 3ª ed., p. 702).

                   Ainda que concorra a incidência conectada de enriquecimento ilícito de agente público, tal conclusão não se abala.

Não se deve olvidar a própria conexão sinérgica entre o dano ao patrimônio público e a obtenção de vantagem indevida, nos termos em que expõe a representação, sem embargo de anotar-se que o agente público vincula-se hierárquica e funcionalmente à sede da pessoa jurídica de direito público que o investiu em cargo, função ou emprego público. Essa interação justifica, neste caso e nos termos em que posto o objeto da investigação, a atração por ora, ressalvada outra destinação a depender de seu prosseguimento.

Nesse sentido é o entendimento dessa Procuradoria-Geral de Justiça, conforme se extrai dos Protocolados nº 66.462/16, 176.514/15, 85.508/14 e 193.733/2014.

                   Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital a atribuição para oficiar nos autos.

                   Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional.

                   São Paulo, 17 de agosto de 2017.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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