Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº
92.668/17 (MP nº 43.0308.0000944/2017-8)
Suscitante: 2ª
Promotora de Justiça de Jaboticabal (atribuição na área do Patrimônio Público)
Suscitada: 1ª
Promotora de Justiça de Jaboticabal (atribuição na área de Direitos Humanos-
Educação)
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2ª Promotora de Justiça de Jaboticabal (atribuição na área do Patrimônio Público). Suscitada: 1ª Promotora de Justiça de Jaboticabal (atribuição na área de Direitos Humanos- Educação). Representação que reclama a atuação do Ministério Público em virtude do descumprimento pelo Município de Jaboticabal da Lei nº 11.738/2008, no que se refere à previsão de piso nacional para docentes com carga horária de 40 horas semanais e o limite máximo de 2/3 da carga horária trabalhada com crianças e no mínimo 1/3 reservado ao planejamento didático, estudo e outras atividades extra classe.
2. Muito embora se possa cogitar sobreposição de atribuições, percebe-se com segurança que a matéria investigada nos autos está relacionada preponderantemente a qualidade da educação decorrente da necessidade de destinação de percentual da carga horária para planejamento didático, estudo e atividades extraclasse.
3. Conflito conhecido e dirimido, declarando-se caber a suscitada, DD. 1ª Promotora de Justiça de Jaboticabal (atribuição na área de Direitos Humanos - Educação) a atribuição para a apuração dos fatos.
Vistos,
1.
Relatório
Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a 2ª Promotora de Justiça de Jaboticabal (atribuição na área do Patrimônio Público), e como suscitada a 1ª Promotora de Justiça de Jaboticabal (atribuição na área de Direitos Humanos - Educação), em face de representação que noticia o descumprimento pelo Município de Jaboticabal da Lei nº 11.738/2008, no que se refere a previsão de piso nacional para docentes com carga horária de 40 horas semanais e o limite máximo de 2/3 da carga horária trabalhada com crianças e no mínimo 1/3 reservado ao planejamento didático, estudo e outras atividades extra classe.
Ao receber a representação, a 1ª Promotora de Justiça de Jaboticabal, com atribuição na área de Direitos Humanos – Educação, declinou de sua atribuição remetendo a representação a 2ª Promotora de Justiça de Jaboticabal, com atribuição na área do Patrimônio Público, por entender que a questão envolve designações de funcionário público, devendo ser averiguado que estão sendo observados os princípios da legalidade, economicidade, moralidade e probidade administrativa. Afirma ainda eventual interesse coletivo, de caráter trabalhista de uma categoria específica de servidores municipais que pretende uma menor jornada de trabalho (fls. 33/34).
A 2ª Promotora de Justiça de Jaboticabal, com atribuição na área do Patrimônio Público, ao receber a representação suscitou o presente conflito negativo de atribuições, afirmando que a questão tem como ponto centrar o não cumprimento da garantia legal que assegura, aos educadores, que pelo menos 1/3 da jornada de trabalho de magistério na educação básica seja dedicada exclusivamente para desenvolvimento de atividade de estudo, aperfeiçoamento, preparação de aulas, dentre outras atividades extraclasses inerentes ao exercício do magistério. Alega que esse direito coletivo, relacionado com a valorização profissional do educador, encontra-se umbilicalmente ligado com a qualidade das atividades educacionais prestadas aos usuários da rede pública de ensino finalidade esta almejada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Assim, entende que a questão está relacionada a qualidade de ensino, matéria afeta as atribuições da suscitada.
É o relato do essencial.
2.
Fundamentação
É possível afirmar que o
conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.
Como anota a doutrina especializada,
configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não
possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se
reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson
Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).
Verifica-se que a representação noticia o descumprimento pelo Município de Jaboticabal da Lei nº 11.738/2008, no que se refere à previsão de piso nacional para docentes com carga horária de 40 horas semanais e o limite máximo de 2/3 da carga horária trabalhada com crianças e no mínimo 1/3 reservado ao planejamento didático, estudo e outras atividades extra classe.
Embora possa cogitar de
eventual matéria relacionada a observância aos
princípios da administração pública na designação de servidores, a questão
preponderante está relacionada a matéria relativa a qualidade do ensino básico
que, como sustentado pela suscitante, decorre da qualidade do seu quadro
docente.
A Lei nº 11.738/2008
estabeleceu que na composição da jornada de trabalho do magistério público da
educação básica, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga
horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos.
Embora não disponha a
lei mencionada diretamente acerca do restante da jornada de trabalho, o
Ministério da Educação homologou o parecer do CNE/CBE, nº18 /2012, que trata
dos parâmetros a serem seguidos na implementação da jornada de trabalho para
dos profissionais do magistério público da Educação Básica (Lei 11.738/2008), estabelecendo que governos
estaduais e municipais terão que garantir a aplicação da Lei que determina o
1/3 para planejamento fora de sala de aula nas redes publicas.
O Parecer é cuidadoso no
sentido de permitir que a composição da jornada, conforme definida na lei
11.738/2008, seja implementada de forma progressiva,
com base em negociações a serem a realizadas entre o poder público e os
sindicatos ou representações de professores. A homologação do ministro
permitirá que esta questão possa ser contemplada nas leis orçamentárias dos
Estados e Municípios, outra preocupação expressa no parecer. Para maior
clareza, reproduzimos aqui o parecer e, em seguida, despacho do Ministro,
publicado no Diário Oficial da União (01.08.2013 - Executivo - página 17).
Não se pode ignorar que
este tempo de planejamento é fundamental para que o professor possa preparar
suas aulas, realizar estudos e pesquisas, preparar e corrigir provas e
trabalhos e participar de programas de formação continuada no próprio local de
trabalho.
É forçoso reconhecer que
a Lei nº 11.738/2008 é mais uma contribuição ao processo de valorização dos
profissionais do magistério e de melhoria da qualidade de ensino.
A qualidade do ensino
passa pela melhoria das condições de trabalho docente e pelo desenvolvimento
profissional do professor.
Assim, a questão
preponderante não se trata evidentemente e exclusivamente da implantação do
piso salarial nacional, mas da observância da divisão da jornada de trabalho
com destinação de no mínimo 1/3 para atividades de planejamento didático e atividades extraclasse.
Questões relativas ao
salário e à carreira são fundamentais para compreender a constituição de um
exercício profissional e evidenciam a desvalorização política da docência, que
repercute em sua desvalorização social. Com a quase universalização do Ensino
Fundamental nas últimas décadas do século XX, o principal debate da educação
básica brasileira recaiu sobre a questão da qualidade do ensino.
A jornada de trabalho é
aspecto fundamental na construção de condições de trabalho docente adequadas.
O respeito às garantias
de qualidade na formação e nas condições de trabalho dos professores, enfim, a
valorização do magistério, tem reflexo direto na qualidade do ensino..
Assim, está evidente em
primeiro plano e de forma preponderante questão afeta à área da educação.
Não há na representação indicação concreta de indícios
de atos de improbidade administrativa praticados pelos gestores municipais em
decorrência do descumprimento da Lei nº 11.738/2008, que nos termos do parecer
homologado pelo Ministério da Educação deve ser implantada gradativamente.
De qualquer forma, é oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos previamente estabelecidos de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.
Muito embora a hipótese em análise possa resvalar em aspectos relacionados ao Patrimônio Público, a questão central está relacionada è Educação, afeta às atribuições da 1ª Promotora de Justiça de Jaboticabal.
Resolve-se o conflito, portanto, reconhecendo-se a
atribuição da 1ª Promotora de Justiça de Jaboticabal para atuar no caso.
3. Decisão
Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo
de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual
do Ministério Público, declarando caber a suscitada, 1ª
Promotora de Justiça de Jaboticabal, a atribuição para oficiar nos autos.
Publique-se a ementa. Comuniquem-se os interessados.
Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos autos. Remeta-se cópia, em
via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 08 de agosto de
2017.
Gianpaolo Poggio
Smanio
Procurador-Geral
de Justiça
aca