Conflito de Atribuições – Cível

 

Apelação Cível 1001133-86.2015.8.26.0664

10ª Câmara Extraordinária de Direito Público

Suscitante: Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos

Suscitado: Procuradoria de Justiça Cível

 

Ementa:

1)      Conflito negativo de atribuições. Obrigação de não fazer ajuizada por Fundação Pública contra a Fazenda Pública, visando à exoneração da obrigação de prestar contas junto ao Tribunal de Contas Estadual.

2)      A vinculação da fundação pública ao controle da Corte de Contas Estadual é o interesse público que decorreu da sua instituição e que permanece em plena potencialidade, a justificar, portanto, a intervenção do Ministério Público no aspecto da tutela do patrimônio público.

3)      Considerando que é da correta compreensão da natureza da ação vertente, bem como de sua finalidade, que se pode extrair a premissa indispensável para o esclarecimento do conflito de atribuições, exsurge do caso concreto que a intervenção ministerial se faz na tutela do patrimônio público, competindo, portanto, à Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos a intervenção no feito.

4)      Conflito conhecido e dirimido. Determinação para que os autos sejam distribuídos à Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos.

 

Vistos.

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. Promotor de Justiça designado para oficiar na Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, e como suscitada a DD. Procuradora de Justiça oficiante na Procuradoria de Justiça Cível.

O conflito teve origem nos autos da Apelação n. 1001133-86.2015.8.26.0664, interposta em face da r. sentença de fls. 404/410 que julgou improcedente ação de obrigação de não fazer ajuizada por FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE VOTUPORANGA – FEV em face da FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

Afirma a requerente, em síntese, que não obstante ter sido criada por lei, é fundação privada, inicialmente criada para o desenvolvimento cultural da cidade. Por força de alterações legislativas posteriores, desvinculou-se das normas que regem os órgãos públicos, não recebendo atualmente qualquer subvenção, auxílio ou verba pública, razão pela qual pretende ver exonerada a obrigação de prestar contas ao Tribunal de Contas do Estado.

A sentença proferida julgou a ação improcedente, considerando que a circunstância de receber ou não dotações, e/ou subvenções do Poder Público Municipal, não é, de per si, suficiente a descaracterizar o interesse público encerrado em suas atividades e que ensejou a dotação patrimonial inicial que bem serviu de embasamento teleológico à lei que a instituiu, e que posteriormente foi alterada. Nos termos da sentença proferida “a alteração feita por meio de lei posterior na lei de instituição, em nenhum momento teve o condão de extirpar o espesso interesse público envolvido, seja em virtude da dotação patrimonial inicial e/ou do fim almejado pela lei de instituição. Com efeito, resta inviabilizado o afastamento da atividade fiscalizatória, no caso desempenhada pelo TCE”.

Distribuído o feito à Procuradoria de Justiça Cível, foi determinada sua remessa à Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, considerando que a questão é relativa à fundação que possui patrimônio público.

Na Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos foi suscitado o conflito negativo, sendo afirmado que questão não se insere dentre as atribuições de referida Procuradoria, a teor do disposto no artigo 2º, IV do Ato Normativo nº 412-CPJ/0. A pretensão deduzida nos autos estaria adstrita ao âmbito do direito administrativo, não resvalando para o campo dos interesses transindividuais. Nesse diapasão, a questão poderia no máximo enveredar para a fiscalização de fundações, que aponta para a atribuição da Procuradoria de Justiça Cível, nos termos do art. 2º, inciso III do citado ato normativo.

É o relato do essencial.

2)  Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do Procurador de Justiça, órgão de execução do Ministério Público na Segunda Instância, a quem incumbe a atribuição para oficiar, conclusivamente, nos autos do processo judicial que lhe for distribuído e emitir, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Com efeito, é da correta compreensão da natureza da ação vertente, bem como de sua finalidade, que se pode extrair a premissa indispensável para o esclarecimento do presente conflito, com o afastamento da dúvida a respeito da atribuição para oficiar no feito.

Na hipótese em análise, o conflito envolve a Procuradoria de Justiça Cível e a Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, acerca da atribuição para emitir manifestação em ação de obrigação de não fazer proposta por Fundação Pública em face da Fazenda Pública Estadual.

Conforme bem consignado na r. sentença proferida nos autos, a ação foi proposta por fundação instituída pelo poder público, à qual se aplicam as normas de natureza pública, dentre elas a subordinação à fiscalização, controle e gestão financeira, o que inclui fiscalização pelo Tribunal de Contas e controle administrativo; equiparação de seus empregados aos funcionários públicos para os fins previstos no artigo 37 da Constituição, inclusive acumulação de cargos, para fins criminais (art. 327 do Código Penal) e para fins de improbidade administrativa (arts. 1º e 2º da Lei nº 8.429/92 e, por fim, submissão à Lei nº 8.666/93, nas licitações e contratos, nos termos dos artigos 1º e 119 de referido ato normativo.

Resta evidente, portanto, que o que vincula a requerente ao controle da Corte de Contas Estadual é o interesse público que decorreu da sua instituição e que permanece em plena potencialidade, a justificar, portanto, a intervenção do Ministério Público no aspecto da tutela do patrimônio público.

Desse entendimento deriva que a atribuição para apresentar manifestação nos autos é da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, notadamente por se tratar de ação em que fundação pública pretende se exonerar da prestação de contas ao órgão de controle e fiscalização constitucionalmente instituído para esse fim.

Colocadas essas premissas, é despiciendo trazer à solução do presente conflito a análise das atribuições estabelecidas pelo Ato normativo n. 412-CPJ, de 24 de novembro de 2005, que dispõe sobre a organização, funcionamento e atribuições das Procuradorias de Justiça.

Ante o exposto, nitidamente estabelecida a situação de fato, e esclarecida a razão da intervenção, torna-se possível concluir que razão assiste, na hipótese, ao suscitado.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, integrante da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, a atribuição para oficiar no presente feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 04 de setembro de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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