Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 0094753/18

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de Peruíbe (Direitos Humanos– Pessoa com Deficiência, Inclusão Social e Saúde Pública)

Suscitado: 4º Promotor de Justiça do Guarujá (Saúde Pública)

 

Ementa:

Representação. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 3º Promotor de Justiça de Peruíbe (Direitos Humanos – Pessoa com Deficiência, Inclusão Social e Saúde Pública). Suscitado: 4º Promotor de Justiça do Guarujá (Saúde Pública).

1.      Representação apresentada pelo Ministério Público Federal noticiando descumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta, indicando insuficiência de vagas para pacientes em Serviço de Residências Terapêuticas. Aspectos que se limitam a específico atendimento de paciente residente em Peruíbe.

2.      Muito embora seja comum que em determinada investigação se verifique a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público, no caso dos autos sobressaem de forma clara a necessidade de medidas no âmbito da Promotoria de Peruíbe (inclusão social de paciente desinternado de hospital psiquiátrico e verificação da implantação da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS).

3.      Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitante, DD. 3º Promotor de Justiça de Peruíbe, seguir no feito.

Vistos.

 

 Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 3º Promotor de Justiça de Peruíbe (Direitos Humanos– Pessoa com Deficiência, Inclusão Social e Saúde Pública) e como suscitado o DD. 4º Promotor de Justiça de Guarujá (Saúde Pública).

A 4ª Promotoria de Justiça do Guarujá  encaminhou à 3ª Promotoria de Justiça de Peruíbe a representação apresentada pelo Ministério Público Federal noticiando suposta omissão na implantação de serviços de saúde mental necessários à população da região de Santos, previamente pactuados em Termo de Ajustamento de Conduta celebrado entre o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual, o Estado de São Paulo, bem como os Municípios de Sorocaba, Salto de Pirapora e Piedade, com objetivo de encerrar as atividades de sete hospitais psiquiátricos na região de Sorocaba, tendo em vista a necessidade da assistência aos pacientes com transtornos mentais, através da implantação do Serviço Residencial Terapêutico, regulamentado pela Portaria n. 3.090/2011, do Ministério da Saúde.

Segundo informação do Hospital Vera Cruz, situado em Sorocaba, ainda se encontrava internado um paciente do Guarujá, diante da inexistência em referido município de vagas para acolhimento em Serviço de Residência Terapêutica.

Recebido o expediente, o DD. 4º Promotor de Justiça do Guarujá (Saúde Pública) determinou a expedição de ofício a Prefeitura Municipal do Guarujá, sobrevindo a resposta de fls. 50/51, onde foi indicado que “não possui nenhum cidadão em situação de institucionalização em Sorocaba, bem como informa que a residência terapêutica do Município se encontra com suas vagas completas”.

Expediu-se ofício à Prefeitura de Sorocaba indagando sobre a qualificação do paciente que estaria institucionalizado, para verificar a existência de familiares no município do Guarujá (fl. 54), sendo encaminhada a informação de que a paciente já estaria residindo em Serviço de Residência Terapêutica de Sorocaba, mas segundo seu prontuário médico, os genitores residiam na cidade de Peruíbe (fls. 61/62).

A Promotoria de Justiça do Guarujá encaminhou os autos à Promotoria de Justiça de Peruíbe (fl. 63), a qual, por sua vez, declinou da atuação, suscitando conflito negativo de atribuições (fls. 68/70).

Argui o suscitante, em síntese, que o objeto da representação não versaria sobre direito individual da paciente, mas de conduta omissiva praticada pelo município do Guarujá, alegando que o mero fato de existirem parentes na Comarca de Peruíbe, sem informação quanto à possibilidade real da liberação da usuária, ou informações sobre a conveniência da permanência da paciente na cidade, não justificaria a adoção de medidas naquela Promotoria. Prossegue, alegando que a apuração quanto a implementação do serviço de saúde mental no município do Guarujá, seria atribuição da Promotoria de Justiça de Saúde Pública daquele município (fls. 69/71).

É o relato do essencial.

 Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Na hipótese em exame, verificamos que o objeto da representação se relaciona com a desinternação da paciente e ausência de equipamento de saúde (Residência Terapêutica) no Município do Guarujá.

Ocorre que, com a informação prestada a fl. 51, restou apurado que o Município do Guarujá teria instalado o Serviço de Residência Terapêutica e não possuía mais nenhum paciente internado no polo manicomial de Sorocaba, não subsistindo a necessidade de qualquer providência por parte da 4ª Promotoria de Justiça do Guarujá.

Por outro lado, o Município de Sorocaba indicou que a informação existente no prontuário médico da paciente era de que ela seria natural de Peruíbe, bem como que seus genitores residiam na referida cidade e não no Município do Guarujá, como informado inicialmente. Também noticiou que a paciente já havia sido inserida em Residência Terapêutica de Sorocaba, em razão do Município de Peruíbe não contar com tal equipamento de saúde mental.

Muito embora seja comum que em determinada investigação se verifique a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público, no caso dos autos sobressai de forma clara a questão do reinserção social da paciente institucionalizada em hospital psiquiátrico da cidade de Sorocaba, com genitores residentes na cidade de Peruíbe, sem que tenha sido encaminhada para a Residência Terapêutica naquele município, em razão da inexistência de tal equipamento de saúde pública.

A Portaria n. 3088 de 2011, do Ministério da Saúde, institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e, em seu artigo 14 “caput” e inciso III dispõe:

Art. 14. Para operacionalização da Rede de Atenção Psicossocial cabe:

(...)

III- ao município, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, implementação, coordenação do Grupo Condutor Municipal da Rede de Atenção Psicossocial, financiamento, contratualização com os pontos de atenção à saúde sob sua gestão, monitoramento e avaliação da Rede de Atenção Psicossocial no território municipal.

Insta considerar que a hipótese ora ventilada é diversa daquelas trazidas à colação pelo suscitante, uma vez que aqui se apontam nitidamente além do aspecto individual (tentativa de reinserção da usuária do Sistema Público de Saúde), o aspecto de saúde pública relacionado à implantação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no município de Peruíbe, diante da notícia da ausência de equipamento de saúde mental (Serviço de Residência Terapêutica) ou outro equivalente, cuja investigação é de atribuição da Promotoria de Justiça suscitante.

Por todo o exposto se vê que a questão central noticiada nos autos está afeta às atribuições da 3ª Promotoria de Justiça de Peruíbe, tanto no aspecto da reinserção da paciente junto de sua família, tentativa que sequer foi realizada, não obstante exista a informação de que os familiares residam naquele município de Peruíbe, bem como no aspecto da saúde pública, visto que também há informação da inexistência de equipamento da Rede de Atenção Psicossocial, em Peruíbe.

 Destarte, conclui-se que o suscitante, 3º Promotor de Justiça de Peruíbe, deverá prosseguir na investigação.

3. Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao suscitante, 3º Promotor de Justiça de Peruíbe, prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.

Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 13 de novembro de 2018.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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