Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolados n. 95.078/2014 (principal); 95.141/2014; 95.133/2014; 95.137/2014; 95.143/2014

(Ref. Inquéritos Civis n. 63/2009; 51/2009; 56/2009; 54/2009; 12/2009 [apensos deste IC n. 49/2009; 51/2009; 55/2009], todos da Promotoria de Casa Branca)

Suscitante: GAEMA – Núcleo Ribeirão Preto

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Casa Branca (atribuição na área do meio ambiente)

 

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. GAEMA – Núcleo Ribeirão Preto (suscitante) e 1º Promotor de Justiça de Casa Branca (suscitado – atribuição na área do meio ambiente).

2)   Diversos inquéritos civis, nos quais se investiga a mesma espécie de situação, em relação aos mesmos investigados, porém a imóveis distintos. Possibilidade e conveniência da reunião para análise conjunta dos conflitos de atribuição.

3)   Art. 4º, V, n. 4.1 e 4.3 do Ato Normativo nº 811/2014-PGJ, de 17 de fevereiro de 2014. Atribuição do GAEMA – Núcleo Ribeirão Preto – para análise de questões relacionadas à Área de Preservação Permanente e Reserva Legal, relativamente a grandes imóveis rurais.

4)   Conceito legal de grande imóvel rural. Remissão do Ato Normativo nº 811/2014-PGJ, de 17 de fevereiro de 2014, à Lei nº 8629/93. Impossibilidade de somatória de imóveis distintos, separados fisicamente, mas pertencentes ao mesmo titular, para alcançar-se, de forma “virtual”, a existência de um grande imóvel rural.

5)   Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado realizar a investigação.

Vistos,

1) RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Ribeirão Preto, e como suscitado o DD. 1º Promotor de Justiça de Casa Branca.

Nos diversos Inquéritos civis encaminhados à Procuradoria-Geral de Justiça (Inquéritos Civis n. 63/2009; 51/2009; 56/2009; 54/2009; 12/2009 [apensos deste IC n. 49/2009; 51/2009; 55/2009], todos da Promotoria de Casa Branca), nos quais são investigadas as mesmas partes, investiga-se a implantação da reserva legal ou a recomposição de área de preservação permanente.

Os Inquéritos Civis foram instaurados pelo DD. 1º Promotor de Justiça de Casa Branca (suscitado – atribuições na área do meio ambiente).

Em cada um dos feitos, entretanto, o suscitado ofereceu manifestação de idêntico teor, da qual se extrai o seguinte excerto, relevante para a análise do presente conflito:

“(...)

Os interessados dos presentes autos de inquérito civil também são os interessados em diversos outros inquéritos civis e ação civil pública, que apuram intervenção em área de preservação permanente ou ausência de reserva legal nas diversas propriedades rurais de titularidade dos mesmos nesta comarca de Casa Branca.

(...)

Infere-se, portanto, que os interessados dos presentes autos de inquérito civil são proprietários de imóveis rurais de tamanho que, somados, perfazem cerca de 466 alqueires, o que configura grande imóvel rural.

Nestes termos, remetam-se os presentes autos ao Gaema, por ser o mesmo de atribuição do referido grupo especializado, nos termos do art. 1º, V, itens 4.1 e 4.3, do Ato Normativo PGJ nº 811/14.

(...)”

Discordando desse posicionamento, o órgão suscitante, DD. Promotora de Justiça que oficia junto ao GAEMA – Núcleo Ribeirão Preto, lançou manifestações em cada um dos diversos Inquéritos Civis, das quais se extrai a seguinte passagem:

“(...)

4. Ocorre que SILVIO MILANEZ e VERA MARIA GRIGOLETTO são proprietários de vários outros imóveis, tendo sido instaurado contra eles outros inquéritos civis para regularização das áreas de preservação permanente e de reserva legal. Especificamente quanto à reserva legal, encontravam-se em andamento os inquéritos civis sob comento perante a Promotoria de Justiça de Casa Branca e Ação Civil Pública nº 391/09 perante a 2ª Vara Cível de Casa Branca, na qual o GAEMA atuou e celebrou acordo.

5. Não obstante a atuação deste GAEMA na Ação Civil Pública acima referida, relativa às matrículas nº. 4.764, 6.705, 5.067, 5.431, 6.384, 6.847, 14.057, 2.752, 2.960, 2.757, 6.092, 6.161 e 6.162, em imóveis cuja soma de área configura grande imóvel rural (limite de 288 há em Casa Branca), certo é que os imóveis objeto dos procedimentos de que ora se trata não se confundem com aqueles, não são a eles adjacentes, não são banhados pelo rio Congonhas e não configuram grande imóvel rural, mesmo se considerados em conjunto. Ou seja, não está presente razão de atribuição deste GAEMA para manifestação nos inquéritos civis.

6. A mesma titularidade da área não justifica a atuação deste GAEMA. A caracterização do tamanho da propriedade prevista no Ato Normativo nº 811/14-PGJ, de 17 de fevereiro de 2014 – com redação semelhante aos que o antecederam – não deve ser considerada pela somatória das áreas de todos os imóveis sob domínio de determinada pessoal, salvo nos casos em que sejam contínuos ou admitam tratamento único pelo Parquet ou pelos órgãos ambientais (procedimento único), o que inocorreu in casu.

(...)”

É o relato do essencial.

2) FUNDAMENTAÇÃO

Averbe-se, inicialmente, que os diversos Inquéritos Civis enviados à Procuradoria-Geral de Justiça cuidam de investigações relacionadas à mesma espécie de situação, em relação aos mesmos investigados, embora envolvam imóveis distintos.

Esse quadro sinaliza não só para a possibilidade, mas também para a conveniência da reunião para análise conjunta dos conflitos de atribuição, o que se faz nesta oportunidade.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

A questão que se apresenta nos casos ora examinados, portanto, é saber se a atribuição é da Promotoria local ou do GAEMA, considerada a área dos imóveis envolvidos.

Suscitante e suscitado apresentam interpretação divergente para a disposição a seguir transcrita, do Ato Normativo nº 811/2014-PGJ, de 17 de fevereiro de 2014, que “Dispõe sobre as metas gerais e regionais para a atuação do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) e da Rede de Atuação Protetiva do Meio Ambiente, para o ano de 2014”, e estabelece, entre outras, as metas do Núcleo de Ribeirão Preto do GAEMA:

“(...)

Art. 1º. Ficam estabelecidas como metas gerais e regionais, para o ano de 2014, para os núcleos de atuação do GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE, as iniciativas e medidas concernentes às matérias a seguir descritas:

(...)

V – NÚCLEO V – RIBEIRÃO PRETO (PARDO)

(...)

4.1. APP do grande imóvel rural, assim definido nos termos do art. 4º, da Lei nº 8.629/93;

(...)

4.3. Reserva Legal do grande imóvel rural, assim definido nos termos do art. 4º, da Lei nº 8.629/93.

(...)”

A suscitante, por um lado, entende inviável somar diferentes imóveis rurais vinculados ao mesmo titular, enquanto, em sentido diametralmente oposto, o órgão suscitado entende possível tal somatória, para chegar-se ao conceito de “grande imóvel rural”, e a partir daí dirimir-se a dúvida a respeito da atribuição para os procedimentos investigatórios.

A Lei nº 8629/93, à qual faz remissão o Ato Normativo nº 811/2014-PGJ, de 17 de fevereiro de 2014, ao dispor sobre a regulamentação dos dispositivos da Constituição Federal que dizem respeito à reforma agrária, cuidou, no seu art. 4º, de conceituar a pequena e média propriedade rural, como se observa a seguir:

“(...)

Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:

I- Imóvel Rural - o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;

II - Pequena Propriedade - o imóvel rural:

a) de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;

b) (Vetado)

c) (Vetado)

III - Média Propriedade - o imóvel rural:

a) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais;

b) (Vetado)

Parágrafo único. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural.

(...)”

Em outras palavras, não há nenhuma indicação (seja no dispositivo legal do qual se extrai o conceito de grande propriedade rural, seja no Ato Normativo nº 811/2014-PGJ) no sentido de que seja possível somar a área de imóveis distintos, que não se apresentam fisicamente unificados (sem solução de continuidade), ainda que vinculados a matrículas distintas, para identificar-se, concretamente, a existência de grande propriedade rural.

Com a devida vênia ao entendimento manifestado pelo suscitado, mostra-se correta a percepção de que só se pode cogitar da somatória de áreas para fins de reconhecimento da existência de grande propriedade rural, quando os imóveis se apresentam fisicamente unificados, ainda que, do ponto de vista registral (Cartório de Registro de Imóveis), vinculados a fólios distintos.

Não fosse assim, pequenos imóveis rurais pertencentes ao mesmo proprietários, somados, levariam ao reconhecimento da existência da grande propriedade rural.

Não parece ter sido esse o escopo do legislador ao conceituar, como visto acima, a pequena e a média propriedade rural.

Note-se que o argumento literal, embora não seja por si só suficiente, milita no sentido do entendimento aqui sustentado, pois o art. 4º da Lei nº 8629/93 usa as expressões “prédio” ou “imóvel” no singular.

Além disso, a análise sistemática ou a teleológica da lei não induzem a entendimento diverso.

Transportando essa análise para a exegese do art. 4º, V, n. 4.1 e 4.3 do Ato Normativo nº 811/2014-PGJ não se encontra de fundamento que justifique a somatória de áreas de imóveis distintos, só porque vinculados ao mesmo proprietário, para daí extrair-se a existência, aparentemente “virtual”, de uma grande propriedade rural.

Em suma, a atribuição para os casos ora examinados é da Promotoria local, e não do Núcleo do GAEMA.

3) DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 1º Promotor de Justiça de Casa Branca, a atribuição para dar seguimento à investigação.

Publique-se a ementa.

Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a extração de cópias desta decisão, bem como a sua juntada nos demais expedientes aos quais ela se refere.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 08 de julho de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

rbl