Conflito de Atribuições –
Cível
Protocolado n. 96.674/2018
Suscitante: 5º Promotor de Justiça de
Habitação e Urbanismo da Capital
Suscitada: 3ª Promotora de Justiça de
Habitação e Urbanismo da Capital
Ementa:
1. Embargos de declaração. Conflito positivo de atribuições. Suscitante: 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital. Suscitada: 3ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.
2. Embargos de declaração em conflito positivo de atribuições. Esclarecimentos sobre: a) o desarquivamento do inquérito civil nº 14.279.003/2012-0, pois trata de assunto distinto do objeto da representação que deu ensejo ao presente conflito; b) como deve proceder o Promotor de Justiça Secretário ao receber reiteração de representação já distribuída, quando tal reiteração é dirigida incorretamente a Promotor de Justiça diverso.
3. Inexistência de pontos a serem aclarados em relação ao suposto desarquivamento de inquérito civil e seu objeto, pois se trata de questionamento que não se mostrou necessário para a solução do conflito de atribuições, dirimido pela simples análise das duas representações que ensejaram o conflito. Eventual invasão de atribuição alheia, em razão de possível desarquivamento do inquérito civil nº 14.279.003/2012-0, que, se o caso, poderá dar ensejo a novo conflito de atribuições.
4. Promotor de Justiça Secretário Executivo que, diante da constatação de possível prevenção, devidamente certificada pela Secretaria, e com vistas à racionalidade e eficiência, poderá provocar os Promotores de Justiça envolvidos para as providências que entenderem cabíveis, sem, contudo, adentrar ao mérito da controvérsia.
1) Relatório.
Trata-se de embargos de declaração em conflito positivo de atribuições que restou dirimido pelo Procurador-Geral de Justiça conforme ementa abaixo transcrita:
“(...)
1. Conflito positivo de atribuições. Suscitante: 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital. Suscitada: 3ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.
2. Representação indeferida pela 3ª Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, cujo indeferimento foi mantido pelo Conselho Superior do Ministério Público, noticiando, de forma genérica, supostas más condições dos logradouros e falta de manutenção e limpeza da região central do Município de São Paulo, da insegurança dos moradores e comerciantes dos bairros dessa área por conta da presença de moradores em situação de rua e pessoas usuárias de drogas e da ineficiência do serviço público prestado pelo Município para garantir a segurança dos munícipes.
3. Posterior representação similar à anterior, endereçada à 5ª Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, com menção ao Inquérito Civil nº 14.279.003/2012-0 e a trechos da inicial de ação civil pública proposta com suporte no citado inquérito civil.
4. Reiteração de representação, menos de vinte dias após o protocolo da primeira, e no mesmo ato da interposição de Recurso ao CSMP. Menção ao Inquérito Civil nº 14.279.003/2012-0 que, com o devido respeito, buscou contornar o prévio indeferimento de representação.
5.
Eventual regularização de arquivamento
implícito que, se necessário, não pressupõe provocação ou provas novas, pois
apenas reflete revisão de suposto ato em desacordo com a regulamentação do
inquérito civil.
6. Conflito
conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da intervenção
ministerial por parte da Suscitada.”
Sustenta, em síntese, que o inquérito civil nº 14.279.003/20012-0 simplesmente não existe mais, pois evoluiu para acompanhamento da ação civil pública n] 0023977-42.2012.8.26.0053, da 7ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, inexistindo arquivamento implícito. Afirma, ainda, que o assunto tratado no referido inquérito civil é completamente distinto do abordado na representação apresentada por Artur Monteiro Rocado.
Destaca que, mesmo
admitido que a ação civil pública não teria abarcado todo o objeto do inquérito
civil nº 14.279.003/2012-0, não haveria qualquer identidade fática entre o
projeto de requalificação urbana denominado “Nova Luz”, e o objeto da representação que deu ensejo ao conflito
positivo, denominado “Redençao”. Neste
contexto, aponta que o desarquivamento do inquérito civil não terá qualquer
proveito, pois o projeto “Nova Luz” não
existe mais. Indica-se, inclusive, que o inquérito civil nº
14.0279.0000082/2014-1, instaurado para apurar as condições de segurança de
imóveis utilizados pelo programa “De
Braços Abertos”, foi arquivado pela 4ª Promotoria de Justiça da Habitação e
Urbanismo, como homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público, em
razão da extinção deste programa e sua substituição pelo programa “Redenção”.
Aponta que em março de 2016 o Dr. César Ricardo Martins instaurou, de ofício, o inquérito civil nº 14.279.72/2017-1, cujo objeto era o “Acompanhamento do Projeto Redenção no enfoque sobre a recuperação urbanística da área da Cracolândia da Luz, bem como sobre medidas destinadas ao fornecimento de moradias aos usuários de entorpecentes ali instalados”, com menção, inclusive, à inicial da ação civil pública nº 023977-42.2012.8.26.0053. Informa que, após reunião Promotoria de Justiça, deliberou-se pela livre distribuição do citado inquérito civil.
Esclarece que as intervenções realizadas no âmbito do Projeto “Redenção” são objeto do inquérito civil nº 14.0739.0004371/2017-4, em trâmite na 6ª Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, o qual originou duas ações civis públicas.
Conclui afirmando
inexistir arquivamento implícito e, caso se cogite eventual desarquivamento,
deverá ficar adstrito ao objeto da portaria inicial, que recai sobre o Projeto “Nova Luz”.
De outro lado solicita esclarecimentos acerca da forma pela qual deve proceder o Promotor de Justiça Secretário ao “receber uma reiteração de representação oferecida pelo mesmo representante, incorretamente endereçada ao 5º PJHURB (...)”, ou seja, deverá determinar sua distribuição ao Promotor a que essa peça faz menção ou direcioná-la ao Promotor de Justiça a quem distribuída a representação original?
É o relatório.
Para a decisão que dirimiu o presente conflito de atribuições não foi exarado qualquer juízo de valor sobre acerto ou erro em eventual desarquivamento de inquérito civil por suposto arquivamento implícito. De fato, assim constou na decisão que se busca aclarar:
“Da análise das
representações se constata que a segunda, de forma substancial, reitera a
primeira, destinada à 3ª Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo e que
fora indeferida, com a única diferença ter sido endereçada ao 5º Promotor de
Justiça, com menção ao Inquérito Civil nº 14.279.003/2012-0 e à ação civil
pública proposta com suporte neste Inquérito Civil.
Assim, com o devido
respeito ao entendimento do Suscitante, em caso de reiteração de representação
oferecida pelo mesmo representante, menos
de 20 (vinte) dias após o protocolo da primeira e no mesmo momento em que
interposto o Recurso contra o Indeferimento desta inicial Representação (vide
fls. 02 e 16), deve prevalecer o critério da prevenção, que indica a atribuição da Suscitada.
Caso a intenção do
representante fosse buscar a provocação da 5ª Promotoria de Justiça, a menção
ao Inquérito Civil n. 14.279.003/2012-0 e a trechos da inicial da ação civil
pública respectiva deveria ter sido feita na primeira representação, o que não
ocorreu.
Esta constatação permite
concluir que a segunda representação, ainda que bem intencinoada, de forma
indireta buscou contornar o indeferimento da primeira, a despeito da
interposição de Recurso perante o Conselho Superior do Ministério Público.
Diante deste quadro,
forçoso reconhecer a atribuição da 3ª Promotoria de Justiça de Habitação e
Urbanismo da Capital.”
Percebe-se que para a solução do presente conflito de atribuições bastou a análise das duas representações oferecidas por Artur Monteiro Rocardo para se concluir que a segunda, ao noticiar trechos de ação civil pública, visava apenas contornar o indeferimento da primeira.
A ponderação lançada na decisão acerca do desarquivamento do inquérito civil nº 14.279.003/2012-0 teve como único intuito demonstrar a impropriedade de se atrelar a segunda representação de Artur Monteiro Rocado como elemento necessário para a providência de desarquivamento, conforme abaixo transcrito:
“Por outro lado, a solução conferida a este conflito de
atribuições em nada repercute na decisão de se promover o desarquivamento do
Inquérito Civil n. 14.279.003/2012-0.
Isto porque, sem adentrar ao mérito da questão,
noticia o Suscitante a possível ocorrência de arquivamento implícito do citado
procedimento investigatório, pois no objeto litigioso da respectiva ação civil
pública não constaria todos os fatos e sujeitos investigados no Inquérito
Civil.
A despeito da discussão
acerca da necessidade ou não de provas novas para a reabertura de inquérito
civil arquivado – por exemplo, Hugo Nigro Mazzilli defende a desnecessidade de
prova nova (O inquérito civil:
investigações do Ministério Público, compromisso de ajustamento e audiências
públicas – 4ª ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2015, p.
267/274) - certo é que a exigência contida nos artigos 104 e 105 do Ato
Normativo n. 484/06-CPJ e no artigo 111 da LOEMP pressupõe o formal controle do
arquivamento pelo Conselho Superior do Ministério Público, o que não teria
ocorrido na espécie, segundo noticia o Suscitante.
A situação envolvendo o
arquivamento implícito é diversa, pois, por se tratar de ato em desconformidade
com a regulamentação legal, a eventual regularização poderia ser providenciada
de ofício, a teor da Súmula 473 do STF. Não obstante se trate de lição voltada
à reabertura de inquérito civil devidamente arquivado, Ricardo de Barros Leonel
traz apontamento que com maior razão se aplica ao arquivamento implícito, no
sentido de que a “possibilidade de
revisão da administração quanto a seus atos, por vício, ilegalidade,
oportunidade e conveniência, é inteiramente aplicável ao desarquivamento do
procedimento investigatório.” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 3. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 361).
Em palavras singelas, a eventual regularização do arquivamento implícito, caso se repute necessária, não depende de provocação formal ou prova nova, prescidindo, portanto, da Representação objeto deste conflito de atribuições.”
Caso o 5º Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo venha, de fato, a promover o desarquivamento do inquérito civil nº 14.279.003/2012-0 e, em razão deste ato, passe a promover investigações que interfiram em objeto de outros procedimentos investigatórios ou ações civis públicas em curso na Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, como naqueles noticiados nos embargos de declaração, a questão deverá ser dirimida em novo conflito de atribuições.
Assim, nada há a aclarar em relação a tal aspecto.
Por outro lado, acolho os embargos de declaração para aclarar a questão envolvendo a postura que deve ser adotada pelo Promotor de Justiça Secretário em face de possível prevenção.
Ao Secretário Executivo da Promotoria de Justiça incumbe
responder pelos serviços administrativos das Promotorias, conforme disposto no
artigo 47, inciso II da Lei Complementar nº 734/93:
Artigo 47 - As Promotorias de Justiça serão organizadas
por Ato do Procurador-Geral de Justiça, observadas as seguintes disposições:
(...)
II - nas Promotorias de Justiça com mais de 1 (um) integrante serão escolhidos Promotores de Justiça para exercer, durante o período de 1 (um) ano, permitida uma recondução consecutiva, as funções de Secretário Executivo e respectivo Suplente, com incumbência de responder pelos serviços administrativos da Promotoria;
(...)
Por sua vez, o Ato n.
145/98 – PGJ, dispõe o seguinte:
Artigo 1º - Incumbe aos Secretários-Executivos das Promotorias de Justiça responder pelos serviços administrativos internos, competindo-lhes orientar e acompanhar o andamento das atividades desempenhadas pelos funcionários e, em especial:
(...)
Conforme constou na decisão
embargada não cabe ao Secretário a decisão acerca da existência ou inexistência de hipótese de atuação de Órgão do
Ministério Público da respectiva Promotoria de Justiça, o que não impede,
todavia, provoque os interessados para eventuais providências, visando, assim,
a racionalidade e eficiência do serviço público, aspectos atrelados ao bom
andamento dos serviços administrativos.
De fato, distribuída a
representação ou peça de informação com base em prevenção caberá à Promotoria
de Justiça destinatária eventual recusa de atuação, ou, ainda, à Promotoria de
Justiça preterida a provocação de eventual conflito positivo de atribuições.
Assim, nada impede que em
razão de registro existente na Secretaria da Promotoria de Justiça, devidamente
certificado nos autos, determinada representação ou peça de informação possa
ser encaminhada pelo Secretário Executivo a determinado Promotor de Justiça,
por suposta prevenção.
Na hipótese dos autos, pelo
mesmo raciocínio, nada impediria que, em vista de certidão da Secretaria da
Promotoria de Justiça, o Secretário Executivo desse ciência ao Promotor de
Justiça preterido para eventuais providências cabíveis, como, por exemplo,
suscitar conflito positivo de atribuições.
Constatada hipótese de
reiteração de representação já distribuída livremente, em caso no qual o Promotor
de Justiça que recebeu a segunda representação não denunciou a prevenção do
primeiro, não toca ao Secretário Executivo decidir pela ocorrência da prevenção
e ingressar no mérito da controvérsia para indicar quem seria o prevento, nada
impedindo que, em prol da racionalidade e eficiência do serviço público, venha
a cientificar os Promotores de Justiça envolvidos a fim de que tomem as
providências que entenderem cabíveis.
Em face do exposto, acolho
parcialmente os embargos de declaração, na forma acima explicitada.
São Paulo, 11 de março de 2019.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aaamj