Conflito de Atribuições

– Cível –

 

 

Protocolado n. 98997/15

PJPP-CAP n. 66.0695.0000387/2015-7

Suscitante: 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Representação. Conflito entre membros da mesma Promotoria de Justiça Especializada. Prevenção. Atribuição do suscitante. 1. Havendo identidade de fatos e de qualificação jurídica, a prevenção é critério racional determinante da atribuição. 2. Se a investigação, para sua eficiência, merece fracionamento ou não, não consulta ao interesse público que o desmembramento desafie a prevenção nem a eficiência que a estratégica visão macroscópica, concentrada, molecular e uniforme produz tanto no aspecto da instrução quanto no atinente à formação da convicção. 3. Conflito dirimido, declarando-se a atribuição do suscitante.

 

Vistos.

 

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital e como suscitado o DD. 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

A 3ª Promotoria Criminal da Capital de São Paulo encaminhou à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital representação em que noticia eventual prática de ato de improbidade administrativa consistente no descumprimento de contrato administrativo por parte de Edson Rodrigo Leite, sobretudo por conta do desaparecimento de veículos que estariam guardados no pátio sob sua responsabilidade.

Com efeito, consta que o investigado teria praticado crime de apropriação indébita, na medida em que se apropriou de vários veículos depositados no Pátio Três Estrelas.

Distribuído o procedimento ao 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, este declinou de sua atribuição, sob o argumento de que a matéria já está sendo investigada pelo 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (fls. 81/82).

Ocorre que o 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital suscitou conflito negativo de atribuições; argumentou não haver semelhança nos objetos dos inquéritos civis ns. 387/2015 e 924/2009 (fls. 85/87).

É o relato do essencial.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Assiste razão ao suscitado.

Veja-se que há em curso na 8ª Vara da Fazenda Pública ação de improbidade administrativa, proposta pelo suscitante (processo n. 0050997-08.2012.8.26.0053), com decisão exarada nos seguintes termos:

“Vistos. Trata-se a presente de ação de responsabilidade civil por atos de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face de Delegados de Polícia e pátios particulares, indicados, individualmente, na peça inicial. Narra a inicial que houve instauração de Inquérito Civil n. 924/2009 em razão de representação apresentada pelo GECEP noticiando a inexistência de locais adequados para guarda e depósito de veículos e máquinários "caça-níqueis" apreendidos pela Polícia Civil do Estado de São Paulo e que guardam relação com crimes. A Secretaria de Segurança Pública possui três locais para guarda de tais bens, mas estes são insuficientes . Por isso, as Delegacias de Polícia passaram a transferir referidos bens para pátios particulares, sendo certo que os contratos foram firmados sem a devida licitação. As delegacias foram instadas à manifestação bem como houve recomendação para realização do procedimento licitatório, o que, até agora, não ocorreu. Indica a exordial, ainda, que a quantidade de veículos e máquinas apreendidas é bastante expressiva. Sustentando a obrigatoriedade da licitação bem como os prejuízos decorrentes de sua não realização, que constitui conduta apta a caracterizar ato de improbidade, requereu medida liminar para suspensão dos contratos de depósitos firmados entre as Delegacias e os pátios particulares bem como a determinação para realização de licitação, em prazo a ser fixado, pena de cominação de pena pecuniária. Vieram aos autos procuração e documentos.

É o relatório.

 Decido.

Ouso divergir do douto entendimento do Ministério Público Paulista.

 Como efeito.

 Muito embora a jurisprudência seja pacífica no sentido de que a hipótese de urgência autoriza a dispensa de licitação, é certo que a celebração de contratos administrativos sem o regular procedimento licitatório implica vulneração ao Princípio da Moralidade Administrativa.

 Como consta da narrativa da peça inicial, a quantidade de "caça-níqueis" e veículos apreendidos é deveras expressiva e, além disso, há que se considerar que os números desta metrópole sempre são grandiosos. Daí porque entendo temerária a imediata suspensão de todos os contratos firmados, eis que o assim agir também implicaria vulneração a princípios que norteiam a Administração Pública, como o Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade, da Segurança Jurídica e o da Legalidade.

 Nesta quadra, com a suspensão dos contratos e até a realização do procedimento licitatório, indaga-se qual seria o destino dos produtos dos crimes apreendidos pela Polícia Civil do Estado de São Paulo. E mais: E o destino do material e veículos já apreendidos?

A resposta à tais questionamentos seria o provável perecimento das provas dos crimes praticados, beneficiando uma ampla gama de criminosos, gerando insegurança jurídica e a consequente sentimento de impunidade generalizada.

A incompetência administrativa não pode servir de mote para a apologia a novos crimes. Portanto, diante do evidente conflito entre os princípios constitucionais, ou seja, o da exigência de procedimento licitatório para os contratos administrativos (artigo 37, XXI, da Constituição Federal) e o princípio da legalidade (artigo 5o, II, da Carta Magna) e o da segurança (artigo 5o, "caput", também da Constituição da República), a prevalência, no caso em tela, será dos últimos, posto que, eventual responsabilidade dos agentes públicos que ofenderem o princípio da moralidade, impessoalidade, legalidade, publicidade e eficiência administrativos poderão ser objeto de indenização decorrente da prática de atos de improbidade administrativa, que ressalvo, são imprescritíveis (artigo 37, parágrafo 5o, da Constituição Federal), inexistindo, por ora, evidente perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.

Destarte, indefiro o pedido de liminar.

 Intime-se a Fazenda do Estado de São Paulo para, querendo, integrar a lide nos termos do disposto no artigo 17, parágrafo 3o, da Lei Federal 8.429/92.

Notifiquem-se os demandados para apresentação de defesa prévia” (g.n. – fls. 54/56)..

Posta assim a questão, afigura-se que a investigação deva seguir sob a presidência do suscitante, à vista da necessidade estratégica de tratamento uniforme do assunto que, em sua essência, tem inegável origem unitária: depósito e pátio de veículos.

Com o devido respeito ao entendimento esposado pelo suscitante, não se pode firmar o entendimento no sentido de que os objetos dos inquéritos civis são diversos, na medida em que o IC 387/2015 versa sobre o descumprimento de contrato de depósito de veículos apreendidos em ações judiciais, entabulado entre particular e Secretaria de Segurança Pública, ao passo que o IC 924/2009 tem como cerne a violação aso princípios da legalidade e da obrigatoriedade para aquisição de bens e serviços pelo Poder Público, especificamente a omissão na realização de certame para aquisição de locais para a guarda e depósito de veículos e máquinas “caça níqueis”. O contexto, não há negar, é conexo.

Milita em prol desta tese o art. 22 do Ato Normativo n. 484/06, e grosso modo a decisão precedente invocada, cuja ementa é a seguir transcrita:

Conflito negativo de atribuições. Inquérito Civil. Fraude em hastas públicas com recebimento de vantagem ilícita. Conflito entre membros da mesma Promotoria de Justiça Especializada. Prevenção. Atribuição do suscitado. 1.          Havendo identidade de fatos e de qualificação jurídica, a prevenção é critério racional determinante da atribuição. 2. Se a investigação para sua eficiência merece ser ou não desmembrada para o alcance de outras situações conexas envolvendo as pessoas físicas e jurídicas investigadas ou para a subsunção a outras figuras de enriquecimento ilícito ou a outras espécies de atos de improbidade administrativa em concurso ou não, não consulta ao interesse público que o desmembramento desafie a prevenção nem a eficiência que a visão macroscópica, concentrada e uniforme produz tanto no aspecto da instrução quanto no atinente à formação da convicção. 3. Conflito dirimido, declarando-se a atribuição do suscitado” (Protocolado n. 184.185/14).

                   No caso de conflito entre Promotores de Justiça dotados de idêntica atribuição, integrantes da mesma unidade especializada, a análise conjugada dessas regras abona a reunião da investigação, desmembrada ou não, no mesmo membro do Ministério Público, sendo recomendável a difusão quando inconveniente ou se cuidar de fatos desconexos ou diversos.

                   Registro, por derradeiro, que este entendimento guarda sintonia com precedente cuja ementa é a seguinte:

“1) Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitante) e 7º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitado).

2) Inquérito civil com objeto amplo. Desmembramento, para apuração de parte do objeto já investigado.

3) Adequada exegese da garantia da inamovibilidade e do princípio do promotor natural. Regra procedimental que prevê a distribuição, como mecanismo de preservação da garantia e do princípio acima referidos.

4) Relatividade da diretriz de reunião de feitos em decorrência da conexão.  Possibilidade de desmembramento, por conveniência da investigação, prosseguindo em cada inquérito civil a apuração de fatos diversos.

5) Prevenção, nos termos do art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93, do órgão de execução que já vinha investigando os fatos objeto do inquérito civil desmembrado.

6) Conflito conhecido e dirimido, determinando-se ao suscitado prosseguir na apuração” (Protocolado n. 133.825/09). 

                   Esta orientação, inclusive, foi reafirmada (Protocolado n. 174.798/13).

                   Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, a atribuição para oficiar nos autos.

                   Publique-se a ementa. Comuniquem-se os ilustres Promotores de Justiça suscitante e suscitado. Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional.

                  

São Paulo, 28 de julho de 2015.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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