Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 99.883/14

Suscitante: 1º Promotor de Justiça do Consumidor

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Ribeirão Preto

 

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Consumidor. Exigência da denominada “cláusula SATI” em compra e venda de imóveis. Promoção de arquivamento do inquérito civil. Fundamento na existência de ação civil pública anteriormente proposta pela Promotoria de Justiça do Consumidor no Foro da Capital. Homologação. Inexistência de declinação de atribuição pela Promotoria de Justiça do Consumidor de Ribeirão Preto. Elementos coligidos ex officio indicativos da prática considerada abusiva em outras comarcas. Dano regional. Dimensão espacial da lesão. Critério determinante da atribuição. Prevenção inaplicável. Atribuição da Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital. 1. Promotor de Justiça de Ribeirão Preto que arquiva inquérito civil para apuração da legitimidade da exigência da denominada “cláusula SATI” em compra e venda de imóveis, supondo estar inserida no âmbito de ação molecular promovida pela Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital. 2. Como decidido outrora (Protocolado n. 38.162/14), o arquivamento de inquérito civil tem como pressuposto a atribuição para procedê-lo, descabendo no âmbito de conflito de atribuições apreciar os motivos dessa decisão, homologada pelo Conselho Superior. 3. Caso em que nem seria cognoscível o conflito negativo suscitado por não ter havido, na remessa de cópia do inquérito civil, declinação de atribuição. 4. Pesquisa jurisprudencial realizada ex officio que coletou dados que não são proficientes para o descarte, a priori, de dano ou lesão de característica regional em peças de informação cujo objeto tem a nota da incindibilidade, atingindo a eventual abusividade consumidores indeterminados e que decerto não se restringem àqueles residentes em Ribeirão Preto. 5. Não é a prevenção o critério que baliza a solução do conflito negativo de atribuições à vista da maior ou menor dimensão espacial do dano ao consumidor. 6. Art. 114 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, cujo § 3º, in fine, que acolhia a regra da prevenção, foi declarado inconstitucional (STF, ADI 932-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 17-10-2010, m.v., DJe 09-05-2011), muito embora soasse inadequada sua aplicação isolada e dissociada das regras próprias que norteiam a competência jurisdicional em torno de conflitos de interesses difusos e coletivos. 7. Como decidido anteriormente, “a atribuição do órgão do MP segue a competência jurisdicional do art. 93, II, CDC” (Protocolado n. 19.816/14). 8. A regra balizadora da atribuição se encontra na mensuração da extensão espacial do prejuízo. 9. Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da atuação ministerial por parte do suscitante.

 

 

 

 

1.             Põem-se em conflito negativo de atribuições os mui ilustres 1º Promotor de Justiça do Consumidor e 2º Promotor de Justiça de Ribeirão Preto a respeito da exigência de MRV Engenharia e Participações S/A a adquirentes de imóveis por ela construídos ou incorporados do pagamento de serviço de assessoria e contrato de análise financeira, denunciada em venerando acórdão proferido pela colenda 1ª Turma do Colégio Recursal da 41ª Circunscrição Judiciária, sediada em Ribeirão Preto.

2.             Enviadas as peças, o preclaro 2º Promotor de Justiça de Ribeirão Preto instaurou inquérito civil e ao tomar conhecimento de ação civil pública movida pela douta Promotoria de Justiça do Consumidor na Capital em face de MRV Engenharia e Participações S/A julgada procedente (Processo n. 0170051-55.2011.8.26.0100) promoveu seu arquivamento e enviou cópia do procedimento à douta Promotoria de Justiça do Consumidor.

3.             Consultado o digno 6º Promotor de Justiça do Consumidor sobre eventual conexão com referida ação molecular, este a recusou com a seguinte motivação:

“1. A ACP 1199/2010 trata de cobrança de comissão de corretagem e não de serviço de assessoria técnico imobiliária (cláusula SATI), como o objeto aqui investigado.

2. Não reconheço a conexão”.

4.             Ato contínuo, a ilustre 1º Promotor de Justiça do Consumidor suscitou conflito negativo alegando, em suma, que nem o art. 93, II, do Código de Defesa do Consumidor justificaria sua atribuição na medida em que constatado o dano primeiramente em Ribeirão Preto, gerando a prevenção do suscitado.

5.             De ofício colheu-se que a homologação da promoção de arquivamento pelo egrégio Conselho Superior e, por amostragem, acórdãos dos Colégios Recursais de Sorocaba, Capital (Foros Central e Regional de Santo Amaro), Araçatuba, São José dos Campos e da colenda 30ª Câmara de Direito Privado do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a respeito de lides de interesse de MRV Engenharia e Participações S/A envolvendo a cobrança da cláusula SATI.

6.             É o relatório.

7.             O douto 2º Promotor de Justiça de Ribeirão Preto arquivou o inquérito civil que havia instaurado. Destaco da respectiva motivação o seguinte excerto:

“Ocorre que a Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital deste estado já ajuizou ação civil pública em face da empresa reclamada, pelos mesmos fatos descritos acima (fls. 61/83), cujo trâmite se deu perante a 15ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, sob o nº 0170051-55.2011.8.26.0100, já tendo sido proferida sentença de procedência, com eficácia para todo o estado de São Paulo (fls. 64/83), e pendente de julgamento de recurso de apelação (fls. 61).

Diante do relatado, não há mais providências a serem tomadas no âmbito desta Promotoria de Justiça do Consumidor de Ribeirão Preto” (fl. 87).

8.             Por já estar a questão devidamente judicializada, o colegiado revisor homologou essa promoção (fl. 100).

9.             Conquanto a priori não tenha identidade o fato versado neste protocolado e aquele que embasou a promoção da ação molecular, o egrégio Conselho Superior homologou o arquivamento do inquérito civil.

10.           É bem verdade que a decisão de arquivamento do inquérito civil tem como pressuposto a atribuição do subscritor da respectiva promoção. A respeito, invoco precedente desta Procuradoria-Geral de Justiça que assim enfrentou a questão:

Conflito negativo de atribuições. Idoso. Tratamento de saúde. Indeferimento da representação. Remessa de peças. Conflito não conhecido. 1. O indeferimento de representação tem como pressuposto a atribuição para procedê-la. 2. Descabe no âmbito de conflito de atribuições apreciar os motivos do indeferimento liminar de representação ou do arquivamento de inquérito civil. 3. Como a representação foi indeferida, a atribuição não foi recusada pelo suscitado que, em atenção a precedente (Protocolado n. 158.714/10), provocou com a remessa de cópias a atribuição do Promotor de Justiça encarregado da saúde pública para aquilatar eventual projeção coletiva do funcionamento do serviço público. 4. Conflito não conhecido” (Protocolado n. 38.162/14).

11.           Com efeito, o caso é de não conhecimento do conflito porque, em realidade, não se tratou de declinação de atribuição, pois, o douto 2º Promotor de Justiça de Ribeirão Preto, como historiado, promoveu o arquivamento do inquérito civil.

12.           De qualquer maneira, não são procedentes as razões invocadas pela douta 1º Promotor de Justiça do Consumidor.

13.           A pesquisa jurisprudencial realizada ex officio coletou dados que não são proficientes para o descarte, a priori, de dano ou lesão de característica regional (e quiçá nacional) em peças de informação cujo objeto tem a nota da incindibilidade, atingindo a eventual abusividade consumidores indeterminados e que decerto não se restringem àqueles residentes em Ribeirão Preto. Destarte, não é a prevenção o critério que baliza a solução do conflito negativo de atribuições à vista da maior ou menor dimensão espacial do dano ao consumidor. Ademais, o art. 114 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, cujo § 3º, in fine, acolhia a regra da prevenção, foi declarado inconstitucional (STF, ADI 932-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 17-10-2010, m.v., DJe 09-05-2011), muito embora soasse inadequada sua aplicação isolada e dissociada das regras próprias que norteiam a competência jurisdicional em torno de conflitos de interesses difusos e coletivos.

14.           Bem por isso decidi em outra oportunidade que “a atribuição do órgão do MP segue a competência jurisdicional do art. 93, II, CDC” (Protocolado n. 19.816/14). Destaco desse precedente o seguinte excerto de sua fundamentação:

“7.              Em tema de competência jurisdicional assim vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça sobre dano regional:

‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO DE ÂMBITO REGIONAL. COMPETÊNCIA DA VARA DA CAPITAL PARA O JULGAMENTO DA DEMANDA. ART. 93 DO CDC.

1. O art. 93 do CDC estabeleceu que, para as hipóteses em que as lesões ocorram apenas em âmbito local, será competente o foro do lugar onde se produziu o dano ou se devesse produzir (inciso I), mesmo critério já fixado pelo art. 2º da LACP. Por outro lado, tomando a lesão dimensões geograficamente maiores, produzindo efeitos em âmbito regional ou nacional, serão competentes os foros da capital do Estado ou do Distrito Federal (inciso II).

2. Na espécie, o dano que atinge um vasto grupo de consumidores, espalhados na grande maioria dos municípios do estado do Mato Grosso, atrai ao foro da capital do Estado a competência para julgar a presente demanda.

3. Recurso especial não provido’ (RT 909/483).

8.               E em se tratando de dano nacional, a Corte Federal decidiu que:

‘AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POUPANÇA. DANO NACIONAL. FORO COMPETENTE. ART. 93, INCISO II, DO CDC. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. CAPITAL DOS ESTADOS OU DISTRITO FEDERAL. ESCOLHA DO AUTOR.

1. Tratando-se de dano de âmbito nacional, que atinja consumidores de mais de uma região, a ação civil pública será de competência de uma das varas do Distrito Federal ou da Capital de um dos Estados, a escolha do autor.

2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR’ (STJ, CC 112.235-DF, 2ª Seção, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 09-02-2011, v.u., DJe 16-02-2011).

9.               Anoto que a competência do art. 93, I, do Código de Defesa do Consumidor tem natureza absoluta enquanto a do art. 93, II, do codex, é de caráter relativo, como assentado em outro aresto:

‘(...) muito embora o inciso II do art. 93 do CDC tenha criado uma vedação específica, de natureza absoluta – não podendo o autor da ação civil pública ajuizá-la em uma comarca do interior, por exemplo -, a verdade é que, entre os foros absolutamente competentes, como entre o foro da capital do Estado e do Distrito Federal, há concorrência de competência, cuidando-se, portanto, de competência relativa. (...)’ (RDDP 91/123).

10.             A regra balizadora é a extensão espacial do prejuízo”.

15.           Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, 1º Promotor de Justiça do Consumidor, a atribuição para oficiar nos autos.

16.           Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

17.           Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

        São Paulo, 21 de julho de 2014.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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