AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Processo: 163.041-0/7-00
Requerente: Prefeito do Município de
Paraguaçu Paulista
Objeto:
Lei Municipal n. 1.659, de 22 de setembro de 1991, do Município de
Paraguaçu Paulista
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator:
O Prefeito Municipal
de Paraguaçu Paulista formulou a presente ação visando a declaração de
inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1.659, de 22 de setembro de 1991,
daquele Município, que denominou “Professor SATURNINO GOMES DA CRUZ”, a Biblioteca
Municipal de Paraguaçu Paulista. O pedido liminar foi indeferido às fls. 163. A
Câmara Municipal prestou informações às fls. 176/177, informando que o projeto
de lei que de origem a lei municipal impugnada, obteve parecer contrário, sendo
solicitada sua rejeição, eis que padece de vício de iniciativa. O Procurador
Geral do Estado manifestou-se às fls. 171/173, e afirmou não ter interesse na
defesa do ato impugnado, por envolver matéria de natureza local.
Em síntese, é o que
consta dos autos.
O
pedido é procedente.
Segundo consta, a
referida lei originou-se de projeto de autoria parlamentar que, vetado pelo
Prefeito, acabou sendo promulgado na íntegra pelo Presidente da Câmara
Municipal, após rejeição do veto.
Entretanto, alega o
Prefeito que mencionada lei contrariou o inciso XXII, do art. 70, da Lei
Orgânica do Município de Paraguaçu Paulista, sendo certo que a competência de
dar ou alterar nome de próprios públicos é privativa do Chefe do Poder
Executivo Municipal. Assim sendo, por
inserir vício de iniciativa, a lei é inconstitucional por ofender dispositivo
da Constituição do Estado de São Paulo.
E assiste-lhe razão.
Com efeito, como se viu, a lei
impugnada institui a denominação “Professor SATURNINO GOMES DA CRUZ” a Biblioteca Municipal de Paraguaçu Paulista.
Não se duvida
que a denominação de logradouros públicos municipais é matéria de interesse local (art. 30, I, da
Constituição Federal), dispondo, assim, os Municípios de ampla competência para
regulamentá-la, pois foram dotados de autonomia administrativa e legislativa.
Cumpre acrescentar, não haver na Constituição em vigor reserva dessa matéria em
favor de qualquer dos Poderes, donde se conclui que a iniciativa das leis que
dela se ocupem só pode ser geral ou concorrente.
Contudo, é
necessário distinguir as seguintes situações:
(a) a edição de regras que disponham
genérica e abstratamente sobre a denominação de logradouros públicos, ou
alterações na nomenclatura já existente, caso em que a iniciativa é
concorrente;
(b) o ato de atribuir nomes a
logradouros públicos, segundo as regras legais que disciplinam essa atividade,
que é da competência privativa do Executivo.
No Brasil,
como se sabe, o governo municipal é de funções divididas, incumbindo à Câmara
as legislativas e ao Prefeito as executivas. Entre esses Poderes locais não
existe subordinação administrativa ou política, mas simples entrosamento de
funções e de atividades político-administrativas. Nesta sinergia de funções é
que residem a independência e a harmonia dos poderes, princípio constitucional
extensivo ao governo municipal (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, “Direito
Municipal Brasileiro”, Malheiros, 8.ª ed., p. 427 e 508).
Em sua função
normal e predominante sobre as outras, a Câmara elabora leis, isto é, normas
abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua atribuição específica,
bem diferente daquela outorgada ao Poder Executivo, que consiste na prática de
atos concretos de administração. Ou seja, a Câmara edita normas gerais, enquanto que o Prefeito as aplica aos casos
particulares ocorrentes. (ob. cit., p. 429).
Assim, no exercício de sua
função legislativa, a Câmara está autorizada a editar normas gerais, abstratas
e coativas a serem observadas pelo Prefeito, para a denominação das vias e
logradouros públicos, como, por exemplo: proibir que se atribua o nome de
pessoa viva, determinar que nenhum nome poderá ser composto por mais de três
palavras, exigir o uso de vocábulos da língua portuguesa, etc. (Cf. ADILSON
DE ABREU DALLARI, “Boletim do Interior”, Secretaria do Interior do Governo
do Estado de São Paulo, 2/103).
A nomenclatura de
logradouros públicos, que constitui elemento de sinalização urbana, tem por finalidade precípua a orientação da
população (Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Urbanístico Brasileiro”,
Malheiros, 2.ª ed., p. 285). De fato, se não houvesse sinalização, a
identificação e a localização dos logradouros públicos seria tarefa quase
impossível, principalmente nos grandes centros urbanos, como é o caso da cidade
de São Paulo. Diferente é a finalidade da denominação de próprios, em que não
se visa a orientar a população, mas simplesmente homenagear pessoas ou fatos
históricos.
Contudo, a despeito de tal
distinção, nada obsta que o nome dado a determinado logradouro público cumpra
não só a função de permitir sua identificação e exata localização, mas sirva
também para homenagear pessoas ou fatos históricos, segundo os critérios
previamente fixados em lei editada para regulamentar essa matéria.
Definidas essas premissas
básicas, tem-se no caso sob exame que a Lei Municipal n. 1.659/91, ao denominar
o nome do “Professor SATURNINO GOMES DA SILVA”, para a Biblioteca Municipal de
Paraguaçu Paulista é inconstitucional ao permitir à Câmara legislar de forma
concreta e específica sobre questão que é de competência do Prefeito Municipal.
Na verdade, da forma como
está, referida lei autorizou a Câmara Municipal a dar o nome do citado
professor à Biblioteca Municipal de Paraguaçu Paulista, que não encerra o
conteúdo de uma norma abstrata ou teórica, instituída em caráter permanente e
de generalidade.
Ou seja, a Câmara pode, por
meio dessa aparente lei, , compelir o Prefeito a atender tal denominação,
invadindo sua esfera de poder. As leis formais não se mostram regras jurídicas,
mas simples atos administrativos dos
poderes legislativos.
Na ordem constitucional
vigente, que incorporou o postulado da separação de funções, a fim de limitar o
poder estatal, na consagrada fórmula desenvolvida pelo célebre filósofo
Montesquieu, não existe a menor possibilidade de a administração municipal ser
exercida pela Câmara, por meio de leis, pois a Constituição é clara ao atribuir
ao Prefeito a competência privativa para exercer, com o auxílio dos Secretários
Municipais, a direção superior da administração municipal (CE, art. 47, II) e
praticar os atos de administração, nos limites de sua competência (CE, art. 47,
XIV).
Bem por isso, aliás, ELIVAL
DA SILVA RAMOS adverte que: “Sob a vigência de Constituições que agasalham
o princípio da separação de Poderes, no entanto, não é lícito ao Parlamento
editar, a seu bel-prazer, leis de conteúdo concreto e individualizante. A regra
é a de que as leis devem corresponder ao exercício da função legislativa. A
edição de leis meramente formais, ou seja, ‘aquelas que, embora fluindo das
fontes legiferantes normais, não apresentam os caracteres de generalidade e
abstração, fixando, ao revés, uma regra dirigida, de forma direta, a uma ou
várias pessoas ou a determinada circunstância’, apresenta caráter excepcional.
Destarte, deve vir expressamente autorizada no Texto Constitucional, sob pena
de inconstitucionalidade substancial.” (“A Inconstitucionalidade das Leis -
Vício e Sanção”, Saraiva, 1994, p. 194)
Nesse contexto, a aprovação
de lei, pela Câmara, que atribui nome a Biblioteca Municipal de Paraguaçu
Paulista só pode ser interpretada como atentatória ao postulado constitucional
da independência e harmonia entre os poderes (CE, art. 5.º).
Em suma, a Câmara não pode
arrogar a si a competência para autorizar a prática de atos concretos de
administração. E a nomenclatura de logradouros e próprios públicos - que
constitui atividade relacionada ao serviço público municipal de sinalização e
identificação - enquadra-se exatamente nessa hipótese, resultando, daí, a
conclusão de que a lei em epígrafe é manifestamente incompatível com o
princípio da separação dos poderes.
Por tais razões, aguardo
seja declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 1.659, de 22 de
setembro de 1991, do Município de Paraguaçu Paulista.
São Paulo, 29 de julho de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça