Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0000819-20.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Jundiaí

Objeto: inconstitucionalidade da Lei n. 7.489, de 21 de junho de 2010, do Município de Jundiaí

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 7.489/10 do Município de Jundiaí. Polícia administrativa.  Obrigação aos estabelecimentos comerciais de afixação de orientação sobre embalagens descartáveis. Iniciativa parlamentar. Violação ao princípio da separação de poderes inexistente. Inconsistência da alegação de criação de ônus financeiro. Dever imposto a particulares. Improcedência da ação. 1. Obrigação imposta a particulares de orientação sobre embalagens descartáveis não constitui assunto da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, pois, não há regra explícita a respeito, e nem está arrolada na reserva da Administração. 2. Matéria objeto da lei a revelar a polícia administrativa. 3. Insuscetibilidade de debate sobre a geração de despesa nova seja porque implicaria exame de questão de fato seja porque o encargo de fiscalização é conatural a qualquer norma e não implica, de per si, gastos sem cobertura.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade contestando a Lei n. 7.489, de 21 de junho de 2010, do Município de Jundiaí, sob alegação de violação aos arts. 5º, 25, 111 e 144 da Constituição Estadual (fls. 02/10).

2.                Concedida liminar suspendendo ex nunc a eficácia da lei impugnada (fl. 25), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo objurgado (fls. 79/81) e a Câmara Municipal prestou informações (fls. 35/37).

3.                É o relatório.

4.                É improcedente a alegação de geração de despesas desacompanhada de indicação de sua cobertura (violação ao art. 25 da Constituição Estadual) porque, para além da questão demandar dilação probatória, insuscetível nesta via estreita, a lei local não criou encargo novo para a Administração Pública municipal.

5.                Com efeito, a atribuição do dever de fiscalização do cumprimento da norma é conatural a qualquer ato normativo, sem que resulte em nova despesa.

6.                É conveniente assentar que se trata de verdadeiro sofisma a alegação de que toda e qualquer lei que gere despesa só possa advir de projeto de autoria do Executivo. O Supremo Tribunal Federal tem estimado que:

“não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

7.                Converge a esse raciocínio a inafastável consideração de que o argumento obstativo só teria eficácia, ad argumentandum tantum, ao exercício financeiro correspondente ao da lei, não alcançando os demais subsequentes.

8.                Com efeito, a inconstitucionalidade seria limitada e parcial ao exercício financeiro da promulgação da norma, sugerindo seu amoldamento à declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto ou de interpretação conforme à Constituição, para tornar inaplicável a lei somente no exercício financeiro de sua promulgação.

9.                É que diferentemente do ordenamento constitucional anterior, “não havendo mais a expressa disposição no texto constitucional de que é iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre matéria financeira, tal reserva não mais subsiste, não sendo cabível interpretação ampliativa na hipótese, conforme entende inclusive nossa Suprema Corte”, assinala José Maurício Conti ao comentar a inexistência de reserva de iniciativa para leis que criam ou aumentam despesa pública (Iniciativa legislativa em matéria financeira, in Orçamentos Públicos e Direito Financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 283-307, coordenação José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff).

10.              Neste sentido há decisão deste egrégio Órgão Especial (ADI 0188.878-26-2011-8-26.0000, Rel. Des. Guilherme G. Strenger, 01-02-2012, v.u.).

11.              Tampouco há violação ao princípio da separação de poderes. A matéria objeto da lei impugnada é típico assunto da polícia administrativa, contendo obrigação imposta exclusivamente a particulares, e que constitui tema da iniciativa legislativa comum ou concorrente.

12.              Em se tratando de processo legislativo é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido:

“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

13.              Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:

“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

14.              Fixadas estas premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:

“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).

 

As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

 

“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36).           

15.              Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144). Não se verifica nesse preceito reserva de iniciativa legislativa instituída de maneira expressa ao objeto da lei impugnada.

16.              Tampouco o assunto se insere no art. 47 que institui a competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo, que consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo - traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo – não absorve matéria de polícia administrativa.

17.              Opino pela improcedência da ação.

                   São Paulo, 29 de março de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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