Parecer
Autos nº 0003046-17.2011.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Pirajuí
Objeto: Lei nº 2.190, de 21 de dezembro de 2010, do Município de Pirajuí
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade promovida por
Prefeito, tendo por objeto a Lei nº
2.190, de 21 de dezembro de 2010,
do Município de Pirajuí. Lei de iniciativa parlamentar, que institui o Programa
de Parcelamento Incentivado – PPI destinado a promover a regularização de
créditos do Município, decorrentes de débitos tributários e não tributários,
constituídos ou não, inclusive os transcritos na dívida ativa, ajuizados ou a
ajuizar, em razão de fatos geradores ocorridos até 31 de dezembro de 2009.
Diploma que viola o princípio da separação de poderes (art. 5º, 37, 47 II e
XIV, e 144 da Constituição Paulista). Parecer pela procedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Pirajuí, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 2.190,
de 21 de dezembro de 2010, de Pirajuí, que “autoriza o Chefe do Poder Executivo a criar o Programa de Parcelamento Incentivado – PPI”.
Sustenta o autor que a lei impugnada é inconstitucional, por violar princípio da separação dos poderes e o art. 14, da Lei de Responsabilidade Fiscal, na medida em que a iniciativa de leis que impliquem em concessão de benefícios de natureza tributária é exclusiva do Chefe do Poder Executivo.
O pedido de medida liminar foi deferido (fls. 70/71).
O Presidente da Câmara Municipal de Pirajuí prestou informações defendendo a constitucionalidade da legislação impugnada (fls. 80/84).
Citado para os fins do § 2.º do art. 90 da Constituição Paulista, o Procurador-Geral do Estado defendeu a exegese que condiciona a sua intervenção nos processos de fiscalização abstrata à existência de interesse estadual na preservação do texto normativo impugnado, ausente neste caso (fls. 114/116).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
1)
Do
ato normativo impugnado.
A Lei n. 2.190, de 21 de dezembro de 2010, do Município de Pirajuí, que “ autoriza o Chefe do Poder Executivo a criar o Programa de Parcelamento Incentivado-PPI”, tem o seguinte teor:
“Art. 1º - Fica instituído o Programa
de Parcelamento Incetivado-PPI destinado a promover a regularização de créditos
do Município, decorrentes de débitos
tributários e não tributários,
constituídos ou não, inclusive os inscritos na dívida ativa, ajuizados ou a
ajuizar, em razão de fatos geradores ocorridos até 31 de dezembro de 2009.
§1º - Para fins do disposto no caput deste artigo, poderão ser
parcelados saldos que tenham sido objeto de parcelamento anterior, ainda que
não integralmente quitado ou cancelado por falta de pagamento.
§2º - Os débitos não constituídos,
incluídos no PPI por opção do sujeito passivo, serão declarados na data de
formalização do pedido de ingresso.
§3º - Poderão ser incluídos no PPI
débitos de pessoas físicas e jurídicas.
Art. 2º - O ingresso no PPI dar-se-á
por opção do sujeito passivo, mediante requerimento, conforme, anexo I, Termo
de Opção pelo PPI.
§1º - Os débitos incluídos no PPI serão
consolidados tendo por base a data de formalização do pedido de ingresso.
§2º - A formalização do pedido de
ingresso no PPI poderá ser efetuada até o último dia útil do segundo mês
subseqüente à publicação desta lei.
§3º - O parcelamento requerido na forma
e condições de que tratam esta lei, não dependem de apresentação de garantia ou
de arrolamento de bens, exceto quando já houver penhora em execução fiscal
ajuizada.
Art. 3º - A Administração Tributária
poderá enviar ao sujeito passivo correspondência para o endereço de entrega
constante do Cadastro Imobiliário, informando os benefícios e opções de
parcelamentos previstos no programa.
Art. 4º - O vencimento da primeira
parcela ou da parcela única dar-se-á no último dia útil do mês seguinte à
formalização do pedido de ingresso no PPI, e as demais no último dia útil dos
meses subsequentes.
§1º - O pagamento da primeira parcela
ou parcela única terá que ser efetuado junto á Administração Financeira da
Prefeitura.
§2º - As demais parcelas poderão ser
liquidadas junto às instituições conveniadas pela Prefeitura.
§3º - O pagamento da parcela fora do
prazo legal implicará cobrança da multa moratória de 0,33% (trinta e três
décimos por cento), por dia de atraso sobre o valor da parcela devida e não
paga até o limite de 20% (vinte por cento), acrescida de juros equivalentes à
taxa referencial do Sistema de Liquidação e de Custódia-SELIC.
Art. 5º - O ingresso no PPI impõe ao
sujeito passivo a aceitação plena e irretratável de todas as condições
estabelecidas nesta lei e constitui confissão irrevogável e irretratável da
dívida relativa aos débitos nele incluídos, com reconhecimento expresso da
certeza e liquidez do crédito correspondente, produzindo os efeitos previstos
no art.
174, parágrafo único, do
Código Tributário Nacional e no art.
202, inciso VI, do Código Civil.
§1º - A homologação do ingresso no
PPI dar-se-á no momento do pagamento da parcela única ou da primeira parcela no
caso de pagamento parcelado.
§2º - O ingresso no PPI impõe, ainda,
ao sujeito passivo o pagamento regular dos tributos municipais, com vencimento
posterior à data da homologação de que trata o §1º deste artigo.
§3º - Uma vez homologado o ingresso
no PPI a Administração Tributária emitirá carne para liquidação das parcelas
vincendas.
§4º - O valor de cada parcela, por
ocasião do pagamento, será acrescido de juros equivalentes a taxa referencial
do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia-SELIC, acumulada mensalmente,
calculados a partir do mês subseqüente ao da formalização do pedido até o mês
anterior ao do pagamento e de 1% (um por cento) relativamente ao mês em que o
pagamento estiver sendo efetuado.
Art.5º - Nenhuma parcela poderá ser
inferior a:
I- R$ 50,00 (cinqüenta reais) para as
pessoas físicas;
II- R$ 100,00 (cem reais) para as
pessoas jurídicas.
Art. 6º - Sobre os débitos incluídos
no PPI incidirão todos os encargos nos termos da legislação aplicável na data
da ocorrência dos respectivos fatos geradores.
Art. 7º - Observado o disposto nesta
lei, os débitos serão consolidados na forma do art. 6º e art. 2º ,§1º e poderão
ser pagos e parcelados da seguinte forma:
I- Pagos à vista, com redução de 100%
(cem por cento) da multas de mora e de ofício, de 70% (setenta por cento) das
isoladas, 80% (oitenta por cento) dos juros de mora, 90% (noventa por cento) da
correção monetária e 100% (cem por cento) sobre o valor dos encargos legais.
II- Parcelados em até 180 (cento e
oitenta) parcelas mensais, com redução de 100% (cem por cento) das multas de
mora e de ofício, de 60% (sessenta por cento) das isoladas, 70% (setenta por
cento) dos juros e mora, 80% (oitenta por cento) da correção monetária e 100%
(cem por cento) sobre o valor dos encargos legais.
§1º - As pessoas que se mantiverem
ativas no parcelamento de que trata esta lei, poderão amortizar seu saldo
devedor mediante antecipação no pagamento de parcelas.
§2º - O montante de cada amortização
de que trata o parágrafo anterior deverá ser equivalente, no mínimo, ao valor
de 10 (dez) parcelas.
§3º - A amortização de que trata o
§1º deste artigo implicará redução proporcional da quantidade de parcelas
vincendas.
§4º - As reduções de que trata os
incisos I e II deste artigo, não se aplica quando a verba honorária for fixada
judicialmente, caso em que se observará a decisão judicial.
Art.8º - O montante que resultar dos descontos concedidos na forma desta lei
ficará automaticamente quitado, com a conseqüente anistia da dívida por ele
representada, para todos os fins e efeitos de direito, em proveito do devedor,
no caso de quitação dos débitos consolidados incluídos no PPI.
Art. 9º - O contribuinte será
excluído do PPI, sem notificação prévia, diante da ocorrência de uma das
seguintes hipóteses:
I- estar em atraso com o pagamento de
qualquer parcela há mais de 90 (noventa) dias;
II- decretação de falência ou
extinção de pessoa jurídica;
III- cisão da pessoa jurídica, exceto
se a sociedade nova oriunda da cisão ou aquela que incorporar a parte do
patrimônio assumir solidariamente com as cindidas as obrigações do PPI.
IV- falta de pagamento de débitos com
o município, com vencimento posterior à data de homologação deste parcelamento
salvo se integralmente pago no prazo de 30 (trinta) dias da respectiva
notificação ou quando impugnado o lançamento da intimação em decisão
administrativa.
Art. 10- A exclusão do PPI implica na
perda de todos os benefícios concedidos por esta lei, acarretando a
exigibilidade dos débitos originais, com os acréscimos legais previstos na
legislação municipal à época da ocorrência dos respectivos fatos geradores, descontados
os valores pagos, e a imediata inscrição dos valores remanescentes
Art. 11- A expedição da certidão
prevista no art. 206 do Código Tributário Nacional somente ocorrerá após a
homologação do ingresso no PPI e desde que não haja parcela vencida e não paga.
Art. 12- O PPI não configura novação
prevista no art. 360, inciso I do Código Civil.
Art. 13- Esta Lei entra em vigor na
data de sua publicação”.
2) Do Direito.
A lei em exame, a propósito de beneficiar os munícipes, impôs ao Poder Executivo Municipal a concessão de incentivos fiscais para o pagamento de débitos municipais em atraso.
Nesse contexto, embora a lei não trate de matéria atinente à iniciativa reservada do Chefe do Executivo, nos termos do art. 24, §2º da Constituição Bandeirante, ela se traduz em quebra da regra da separação de poderes, contida na Constituição do Estado, nos arts. 5º e 47, II e XIV, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da referida Carta.
Em primeiro lugar, com a devida vênia, não nos parece correto afirmar que a hipótese examinada nestes autos seja de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo.
As matérias cuja iniciativa legislativa cabe apenas ao Executivo são expressamente previstas no art. 24 da Constituição Paulista, entre as quais não se encontra aquela tratada no ato normativo aqui examinado.
Ademais, já pacificou o E. STF o entendimento de que as hipóteses de iniciativa reservada, referindo-se a direito estrito, devem ser interpretadas restritivamente (Nesse sentido, v.g.: MS 22.690, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-4-97, DJ de 7-12-06).
Entretanto, no caso ora analisado houve violação do princípio da separação de poderes.
É ponto pacífico na doutrina bem como na jurisprudência que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
O legislador municipal, na hipótese analisada, acolheu iniciativa parlamentar, impondo ao Poder Executivo medidas concretas relacionadas ao gerenciamento do serviço público, em especial, a concessão de incentivos fiscais para o pagamento de débitos municipais em atraso.
Em que pese a relevante intenção do parlamentar que apresentou originariamente referida propositura, o fato é que ela interfere no âmbito da gestão administrativa, e como tal, é inconstitucional.
Note-se que: (a) a concessão de incentivos fiscais para o pagamento de débitos municipais em atraso é providência que deve decorrer de deliberação da administração pública, e não de imposição legal; (b) quando o legislador, a pretexto de legislar, assume o papel do administrador, está a extrapolar no exercício de suas competências constitucionais.
Referido diploma, na prática, criou obrigação para a administração local, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a seguir:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de
abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de
ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio
constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade
declarada. Pedido julgado procedente.” (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des.
Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de
Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de
Itapetininga, que "dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção
distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos
aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências
Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara
Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se
reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa,
interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°,
25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI
134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
Note-se também que, como demonstrou o autor e afirmou o Sr. des. Palma Bisson, i. relator da presente ação direta, na ADI 94.356-0/7 (j. 18.06.2003, rel. des. Ruy Camilo) foi declarada a inconstitucionalidade de lei do município de Guarulhos em situação análoga à destes autos, valendo transcrever a ementa do referido julgado:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal 5777 de
8 de março de 2002 que, nos dispositivos questionados (art.2º e incisos e
art.3º, § único), impõem ao Executivo o dever de fixar dias e horários para a
prestação de serviços públicos de coleta de lixo domiciliar e varrição de vias
públicas e ainda o de divulgar tais informações no carnê do IPTU e jornais
locais – matéria que diz respeito ao gerenciamento da prestação de serviços de
iniciativa exclusiva do Executivo. Ação procedente.”
3)
Conclusão.
Posto isso, aguardo o julgamento de procedência
da presente ação direta a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei
Municipal n. 2.190, de 21 de dezembro de 2010, de Pirajuí.
São Paulo, 17 de março de 2011.
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb