Parecer
Autos nº. 0003870-73.2011.8.26.0000
Requerente:
Prefeito Municipal de Bastos
Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.275, de 08 de novembro de 2010, de Bastos.
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 2.275, de 08 de novembro de 2010, de Bastos, que dispõe sobre a criação de uma academia ao ar livre ao redor do Recinto Permanente de Exposições Kisuke Watanabe.
2) Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista). Ausência de indicação das receitas para fazer frente às despesas geradas pela execução do programa (art. 25 e 176, inc. I da Constituição Paulista).
3) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta
pelo Prefeito Municipal de Bastos, tendo como alvo a Lei Municipal nº 2.275, de 08 de novembro de 2010, de Bastos.
Sustenta o autor que o ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, ao prever a criação de uma academia ao ar livre em área ao redor do Recinto Permanente de Exposições Kisuke Watanabe, violou a regra da separação de poderes, e não indicou os recursos necessários para seu cumprimento, contrariando, desse modo, o disposto no art. 5º, bem como no art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo.
Foi deferida a liminar, para suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 13).
Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa para o ato normativo impugnado (fls. 23/25).
A Câmara Municipal prestou informações (fls. 27/30).
É o relato do essencial.
A Lei Municipal nº 2.275, de 08 de novembro de 2010, de Bastos, de iniciativa parlamentar que dispõe sobre a criação de uma academia ao ar livre, em área ao redor do Recinto Permanente de Exposições Kisuke Watanabe, apresenta a seguinte redação:
“Art. 1º- Fica o Poder Executivo autorizado, através da
Secretaria Municipal de Esportes, a criar uma Academia ao ar livre, em área ao
redor do recinto Permanente de Exposições Kisuke Watanabe.
§1º - Os aparelhos para a prática de exercícios físicos serão
providenciados pelo Poder Executivo, por meio da Secretaria Municipal de
Esportes e, caso não haja recursos para tal finalidade, deverá ser solicitado
tais recursos junto aos Governos Federal e Estadual.
§2º - Fica o Poder Executivo autorizado, além dos aparelhos
para a prática de exercícios, dotar a Academia ao ar livre com bebedouros,
bancos, sanitários um masculino e um feminino, disponibilizar educadores
físicos para orientarem as pessoas as
pessoas a praticarem exercícios físicos corretamente, bem como afixar e
distribuir no local informativo sobre a prática de atividades físicas para se
ter uma vida saudável.
§3º - A conservação e manutenção dos aparelhos e dos demais
bens públicos que forem colocados na Academia ao ar livre, bem como a limpeza
da referida academia é responsabilidade do Poder Executivo, por meio da
Secretaria Municipal de Esportes.
Art. 2º - O Poder Executivo tem 90 (noventa) dias para
iniciar e finalizar a criação da Academia ao ar livre, a partir da publicação
desta.
Art. 3º - As despesas decorrentes da execução desta Lei
correrão por conta de verbas próprias, constantes no Orçamento vigente e, se
necessário, serão suplementadas.
Art. 4º - Esta lei entra em vigor na data da sua publicação”.
A inconstitucionalidade
decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição
Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).
É
ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo
cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de
planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder
Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
O
legislador municipal, na hipótese analisada, dispôs sobre a criação de uma academia
ao ar livre. Abstraindo dos motivos que podem ter levado a tal solução
legislativa, ela se apresenta inconstitucional, por interferir na realização,
em certa medida, da gestão administrativa do Município.
Referido
diploma, na prática, invadiu a esfera da
gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao
princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c
o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse
E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais
de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo
na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir
exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando
Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI
12.345-0 - São
Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade da adoção da regra da separação. Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente.
Nem se alegue que, tratando-se de lei autorizativa, o vício estaria superado. Deve-se atentar para o fato de que o Executivo não necessita de autorização para administrar e, no caso em análise, não a solicitou.
Sérgio Resende de Barros, analisando a natureza das intrigantes leis autorizativas, especialmente quando votadas contra a vontade de quem poderia solicitar a autorização, ensina:
"...insistente na pratica legislativa brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu ‘lei’ autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente autorizativa é a ‘lei’ que - por não poder determinar - limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder Executivo autorizado a...’ O objeto da autorização - por já ser de competência constitucional do Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente" (“Leis Autorizativas”. Revista da Instituição Toledo de Ensino, agosto a novembro de 2000, Bauru, p. 262).
Bem por isso, não passou despercebido ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que “a lei que autoriza o Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma determinação, sendo, portanto, inconstitucional” (ADIN n°593099377 – rel. Des. Mana Berenice Dias – j. 7/8/00).
Esse E. Sodalício também vem afirmando a inconstitucionalidade das leis autorizativas, forte no entendimento de que as tais “autorizações” são eufemismo de “determinações”, e, por isso, usurpam a competência material do Poder Executivo:
LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.
VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.
LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA
PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS
NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO
DO
Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade.
Nota-se, por fim, que a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte e, destarte, colide com as disposições dos artigos 25 e 176, inc. I, da Constituição Bandeirante.
Sob esse aspecto, é de se notar que a criação de uma academia ao ar livre gera despesa para o Município que não está coberta pela lei orçamentária.
Esse Sodalício, aliás, tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que infrigem esses comandos:
LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA
PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS
NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO
DO
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência
da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.275, de 08 de novembro de 2010, de Bastos.
São Paulo, 6 de abril de 2011.
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb