Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n.º 0003875-95.2011.8.26.0000

Autora: Prefeita Municipal de Bastos

Objeto de impugnação: Lei n.º 2.300, de 13 de dezembro de 2010, do Município de Bastos.

 

 

 

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n.º 2.300/2010, que institui e regulariza a coleta seletiva de lixo na cidade de Bastos. Criação de atribuições a órgãos e agentes públicos municipais. Matéria de iniciativa reservada ao Executivo (CE, art. 24, § 2.º, 2). O planejamento, a organização, a direção e a prestação de serviços públicos inserem-se na órbita de atribuições tipicamente administrativas do Executivo. Caracterizada a usurpação de atribuições do Prefeito pela Câmara, com repercussão direta na independência e harmonia entre os Poderes (CE, art. 5.º). Precedentes do TJ/SP. Ação procedente.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

         Cuida-se de ação na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade da lei em epígrafe, de origem parlamentar, que reza o seguinte:

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         Segundo consta na inicial, a lei em questão apresenta vício formal de iniciativa e criou despesas sem lastro, sendo, portanto, incompatível com os arts. 5.º, 24, § 2.º, 2, 24, 111 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

         Houve concessão de liminar (fl. 18).

         Citado para os fins do art. 90, § 2.º, da Constituição do Estado de São Paulo, o Procurador-Geral do Estado defendeu a exegese que condiciona a sua intervenção – nos processos de fiscalização abstrata – à existência de interesse estadual na preservação da norma impugnada, ausente, porém, neste caso, em que a lei versa sobre matéria exclusivamente local.

         Notificada, a Câmara Municipal de Bastos prestou informações no prazo regimentalmente previsto, aduzindo, em contraposição ao pedido, que: a matéria não é de iniciativa reservada; a lei dispôs genericamente e abstratamente sobre a prestação de serviço público essencial: coleta seletiva de lixo.

 

         Em resumo, é o que consta nos autos.

 

         A ação deve ser julgada procedente, malgrado a objeção apresentada pela Câmara em defesa da validade da lei municipal ora contestada.

         Com efeito, a implantação da coleta seletiva de lixo, no Município de Bastos, depende da iniciativa do Prefeito, que não pode ter suas prerrogativas usurpadas pela Câmara, tal como se verificou neste caso, com a edição de lei que – longe de dispor genérica e abstratamente sobre assunto de interesse local, conforme alegou a Câmara – alcançou a prática administrativa.

         Essa lei verdadeiramente criou atribuições aos órgãos e agentes públicos municipais, conforme se vê dos seus arts. 9.º, I a III, e 11, desconsiderando inclusive a reserva de iniciativa sobre essa matéria (CE, art. 24, § 2.º, 2), como também usurpou a prerrogativa do Prefeito, consistente no planejamento, organização, direção e prestação de serviço público, consoante os seus arts. 8.º, I, a 14.

         A coleta seletiva de lixo constitui inegavelmente serviço público municipal (CF, art. 30, V). Nessa linha de raciocínio, HELY LOPES MEIRELLES adverte que: “A competência do Município para organizar e manter serviços públicos locais está reconhecida constitucionalmente, como um dos princípios asseguradores de sua autonomia administrativa (art. 30).”(Cf. Direito Administrativo Brasileiro, RT, São Paulo, 16.ª ed., 2.ª tiragem, p. 298)         

         Em tese, a Câmara pode dispor sobre todos os assuntos de interesse local (CF, art. 30, I), no exercício de sua função normativa, mas existem alguns limites prévios à sua atuação, como por exemplo a necessidade dela ser provocada – nas hipóteses expressamente previstas na Constituição – pelo Executivo, titular do poder de iniciativa sobre certas matérias.

         Ainda que imbuída dos mais elevados propósitos – e, na espécie, a preocupação demonstrada com o meio ambiente afigura-se louvável –, a Câmara não pode desrespeitar os limites previamente definidos na Constituição para o exercício de sua função normativa e, ao fazê-lo, com usurpação de atribuições próprias do Executivo, atentou certamente contra a independência e harmonia entre os Poderes, princípio consagrado no art. 5.º da Carta Paulista.

         Bem a propósito, ao analisar proposituras semelhantes, o Órgão Especial desse Egrégio Tribunal de Justiça concluiu que:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n° 5.418, de 12 de março de 2010, do Município de Jacareí, deste Estado - Lei que dispõe sobre a regularização de retirada de postes localizados defronte das garagens de residências no Município de Jacareí - Iniciativa parlamentar de lei sobre matéria atinente à gestão administrativa do Município, que impõe obrigação a empresa concessionária de serviço público, com previsão de imposição de penalidade em caso de descumprimento - Inconstitucionalidade formal reconhecida - Lei de iniciativa parlamentar que dispõe sobre matéria cuja iniciativa é de competência privativa do Chefe do Executivo - Violação do disposto no inciso II do artigo 47 da Constituição do Estado de São Paulo, aplicável ao Município em razão da redação do artigo 144 da mesma Constituição Estadual - Violação do principio da tripartição dos poderes, consagrado no artigo 2o da Constituição Federal e artigo 5o da Constituição do Estado de São Paulo - Inconstitucionalidade formal da Lei n° 5.418, de 12 de março de 2010, do Município de Jacareí, deste Estado de São Paulo, reconhecida - Ação procedente – Inconstitucionalidade declarada.” (ADI 0004385- 11.2011.8.26.0000, Rel. Des. OCTAVIO HELENE, j. em 6/7/2011, v.u.)

 

Ementa: Vistos. Ação direta de inconstitucionalidade - Lei n.º 6.771/10, do município de Guarulhos - Criação de regime especial de atendimento para a mulher vitima de agressão, nos serviços públicos de saúde, de referência em cirurgia plástica - Organização de serviço público de iniciativa legislativa exclusiva do Executivo - Ofensa ao princípio da separação e independência dos Poderes - Criação de despesas sem indicação dos recursos disponíveis ao custeio- Vícios que maculam integralmente a lei impugnada - Declaração de inconstitucionalidade do diploma normativo por ofensa aos artigos 5o, 25, 47, II, e 144 da Carta Paulista - Pedido procedente.” (ADI 0574698-71.2010.8.26.0000, Rel. Des. CORRÊA VIANA, j. em 25/5/2011)

 

         Em tais circunstâncias, opina-se pela procedência da presente ação, com a confirmação da liminar.

                  

São Paulo, 25 de julho de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

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