Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº.  0004384-26.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Jacareí

Objeto: Lei nº 5.415, de 25 de fevereiro de 2010, do Município de Jacareí

 

Ementa: Fechamento de vias locais.   Lei de iniciativa do Legislativo.   Atividade própria do Executivo.  Vício de iniciativa.    Inconstitucionalidade verificada.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Cuida-se de ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 5.415, de 25 de fevereiro de 2010, do Município de Jacareí, que: "Autoriza o fechamento de vias locais, para fins de acesso controlado e vigiado, em áreas unicamente residenciais".

         Argumenta o autor que essa lei, de iniciativa parlamentar (e promulgada pelo Presidente da Câmara, após derrubada de veto total), importa usurpação de atribuições próprias do Poder Executivo, incidindo em vício de iniciativa.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 209/210).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 216/218, em defesa da constitucionalidade da norma, alegando não haver o alegado vício de iniciativa.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 263/264).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A questão deve ser analisada à luz dos arts. 5º, 180 e 181, todos da Constituição Estadual.

Assim dispõe a lei impugnada, no que interessa:

“Art. 1º Fica autorizado o fechamento de ruas ou vias locais de características unicamente residenciais, sem saída e projetadas com balão de retorno.

Art. 2º O fechamento a que se refere o artigo 1º poderá ser aplicado de forma parcial em todas as vilas, bairros, parques e jardins localizados no âmbito Municipal.

Art. 3º O fechamento das divisas, no fundo ou final das ruas, de acordo com o artigo 1º, poderá ser feito com cerca viva, muro de alvenaria de até 3 metros ou alambrado em tela, com altura máxima de 4 metros.

Art. 4º As vias de acesso locais deverão ficar livres em seus leitos, sem a existência de qualquer tipo de obstáculo permanente, podendo conter, em seu acesso único e principal, portão, cancela, correntes ou similares, para efeito de identificação do pedestre ou condutores de veículos.

Art. 5º O acesso de pedestres ou condutores de veículos não residentes nas respectivas áreas fechadas é garantido mediante simples identificação, não podendo em nenhuma hipótese ocorrer restrição ao mesmo.

Parágrafo único. As despesas com obras de fechamento das referidas áreas ficarão às expensas dos proprietários beneficiados por esta Lei.

Art. 6º O pedido pra fechamento das vias de acesso disciplinado no artigo 1º deverá atender aos seguintes requisitos:

1- Terá que ter, no mínimo, 80% da anuência dos proprietários dos imóveis;

2- Apresentação do número da inscrição imobiliária do imóvel de cada proprietário, no caso, cópia do carnê do IPTU;

3- No caso de ainda não ter a escritura do imóvel, apresentação de cópia do contrato;

4- Indicação do responsável pela organização do fechamento da rua, que poderá ser o próprio morador da rua ou uma pessoa de confiança da comunidade, com autorização da mesma, ou ainda um membro da SAB do bairro..

Art. 7º Esta Lei só abrangerá os locais onde não foi aplicada a Lei nº 4.847 - Lei do Uso e Parcelamento do Solo, que dispõe sobre loteamento fechado, aprovada em 7 de janeiro de 2007."

Resulta claro, da simples leitura do texto legal, que o Poder Legislativo adentrou competência material e exclusiva do Poder Executivo, pois claramente emitiu comando que interfere com a administração municipal, ao alterar lei que "Autoriza o fechamento de vias locais, para fins de acesso controlado e vigiado, em áreas unicamente residenciais".

São confiadas ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a estrutura da organização política da República, inclusive quanto ao município, que é sua parte integrante. Bem por isso a Constituição Federal procurou estabelecer as atribuições do Poder Executivo e Poder Legislativo, fixando funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela Constituição do Estado de São Paulo.

O Prefeito, enquanto chefe do Poder Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas públicas.

Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é a sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração.  Por meio da edição de leis, a Câmara ditará ao prefeito as normas gerais da administração, sem chegar, no entanto, à prática administrativa. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração (Cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, Malheiros,  14ª. ed., 2006,  pág. 605).

Aplicado esse raciocínio ao caso em exame, temos que a tarefa de adaptar a legislação sobre o uso e ocupação do solo urbano ao plano físico é privativa do Prefeito, que, no exercício dessa atividade, de natureza tipicamente administrativa, não pode sofrer nenhum tipo de interferência indevida do Legislativo local.

Bem a propósito, ao examinar essa questão, o Plenário desse Egrégio Tribunal de Justiça, em antigo aresto relatado pelo eminente jurista Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, concluiu que:

                      “... constituem matéria legislativa as regras imperativas, gerais e abstratas que diferenciam as construções de habitações das de comércio e indústria, e, ainda, distinguem as habitações, as casas comerciais e industriais, em diversos tipos, e, a final, prescrevem restrições ao direito de construir, conforme a zona residencial, comercial ou industrial e de forma mais ou  menos rígida, segundo critérios exclusivos ou de predominância. E mais, constituem matéria legislativa as regras imperativas gerais e abstratas que determinam recuos, estabelecem alturas de prédios, normas sobre fachadas e gradis. Enfim, as que estabelecem as regras imperativas gerais e abstratas de zoneamento. Já a especificação de uma via pública, no seu todo ou em parte, se estrita ou prevalentemente residencial é obra administrativa, atividade concreta e específica de caráter casuístico, em função do desenvolvimento local, das exigências dos bairros, das manifestações dos próprios logradouros públicos, em consonância com a fisionomia que assume no seu evolver, suscetível de se modificar por exigências urbanísticas do Município, interesse dos munícipes, só possível de ser bem sentidos pelo Executivo, no seu quotidiano contacto com a vida da cidade, atuando em matéria da sua alçada administrativa, particularizando a lei” (TJSP, Pleno, RT 289/456).

No mesmo sentido é a lição de  Hely:

 “a lei estabelecerá as diretrizes, os critérios, os usos admissíveis, tolerados e vedados nas zonas previstas; o decreto individualizará as zonas e especificará os usos concretamente para cada local. O zoneamento, no seu aspecto programático e normativo, é objeto de lei, mas na sua fase executiva - em cumprimento da lei - é objeto de decreto” (Cf. ob. cit., pág. 553/554).

Resumindo o ponto até aqui analisado: o conteúdo da lei impugnada é próprio de ato administrativo, de responsabilidade do Prefeito e, portanto, de sua exclusiva iniciativa. A atividade do Legislativo invade a seara a este reservada e incide em inconstitucionalidade, por ofensa ao artigo 5º, caput, da Constituição do Estado de São Paulo.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 5.415, de 25 de fevereiro de 2010, do Município de Jacareí .

São Paulo, 12 de abril de 2011.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

fjyd