Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0006960-89.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Itaí

Objeto: Art. 108 da Lei Orgânica do Município de Itaí

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito Municipal, do art. 108 da Lei Orgânica do Município de Itai, que sujeita a aquisição de bens imóveis, veículos e máquinas, por compra, doação ou permuta com encargos à prévia avaliação e autorização legislativa. Alegação de violação dos arts. 5º, 47, XIX, “a” e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo. Parecer pela procedência parcial da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Itaí, tendo por objeto o art. 108 da Lei Orgânica do Município de Itai, que sujeita a aquisição de bens imóveis, veículos e máquinas, por compra, doação ou permuta com encargos à prévia avaliação e autorização legislativa.

Sustenta o autor que o dispositivo legal impugnado é inconstitucional por violar os arts. 5º, 47, XIX, “a” e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Foi deferida a liminar, para suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 84).

O Presidente da Câmara Municipal deixou de prestar informações às fls. 112/122.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 108/110).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A preliminar arguida se confunde com o mérito e juntamente com ele será analisada.

No mérito, a ação é parcialmente procedente.

O artigo108 da Lei Orgânica do Município de Itaí, cuja redação foi dada pelo art. 4º da Emenda à Lei Orgânica n. 52, de 07 de abril de 2009, têm a seguinte redação:

            “Art. 4º - O art. 108 passa a ter a seguinte redação:

Art. 108 – A aquisição de bens imóveis, veículos e máquinas, por compra, doação ou permuta com encargos, depende de prévia avaliação e autorização legislativa.”

 

São confiadas ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a estrutura da organização política da República, inclusive quanto ao município, é que sua parte integrante. Bem por isso a Constituição Federal procurou estabelecer as atribuições do Poder Executivo e Poder Legislativo, fixando funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela Constituição do Estado de São Paulo.

Como se sabe, o Prefeito, enquanto chefe do Poder Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à atuação concreta, referentes ao “planejamento, organização e direção de serviços e obras da municipalidade. Para tanto, dispõe de poderes correspondentes de comando, de coordenação e de controle de todos os empreendimentos da Prefeitura” (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, RT, 3ª ed., pp. 870/873). Em idêntica lição, José Afonso da Silva, “O Prefeito e o Município”, Fundação Pref. Faria Lima, 1977, pp. 134/143.     

De outra parte, disciplinando atividade abstrata e genérica, a Câmara Municipal “não administra o Município, estabelece, apenas, normas de administração” (Hely Lopes Meirelles, ob. cit., p. 444).

Em outro aspecto, é correto afirmar que, “em princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos. Para os atos de administração extraordinária, assim entendidos os de alienação e oneração de bens ou rendas (vendas, doação, permuta, vinculação), os de renúncia de direitos (perdão de dívidas, isenção de tributos, etc.) e os que acarretem encargos, obrigações ou responsabilidades excepcionais para o Município (empréstimos, aberturas de crédito, concessão de serviços de utilidade pública, etc.), o prefeito dependerá de prévia autorização da Câmara.” (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 9ª ed., pp. 519-520).

Assim sendo, a matéria veiculada no dispositivo impugnado, no tocante à aquisição de bens imóveis, veículos e máquinas, por compra, veicula matéria relativa à gestão do patrimônio público, pertence exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo, pois lhe cabe a administração dos bens municipais, o poder de utilização e o dever de conservação desses bens; são atos ordinários de administração, para os quais é dispensada qualquer autorização da Câmara. Isso está claro na Constituição do Estado de São Paulo, que, no artigo 19, incisos IV e V, faz competir ao Legislativo autorizar o Executivo a alienar, ceder ou conceder o uso de bens imóveis do Estado, mas é silente quanto aos atos de aquisição. Se assim é, não se poderia determinar, na lei orgânica, a obrigação do chefe do Poder Executivo de pedir autorização para  o Poder Legislativo, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes (artigo 5º, caput, da CE).  

Diante disto, as leis autorizativas só cabem nas hipóteses previstas na Constituição, como por exemplo no seu artigo 19, incisos IV e V, não se admitindo que essa espécie normativa seja manipulada livremente, pela Câmara, para interferir nas funções executivas, por constituir grave atentado ao princípio da separação dos poderes.

Na atualidade, é comum deparar-se com normas de origem parlamentar editadas com o inequívoco propósito de influenciar na definição e implantação de políticas públicas, a cargo do Prefeito — mesmo sabendo-se que, quando muito, a Câmara está habilitada a formular indicações —, o que torna indispensável a intervenção do Judiciário, neste caso, para resguardar a independência e a harmonia entre os poderes.

Em verdade, o Prefeito não depende de nenhuma autorização especial da Câmara, senão aquela que decorre dos poderes que lhe foram confiados pela própria Constituição, para a prática de ato em questão, que é peculiar à função executiva.

No entanto, no tocante à aquisição de bens imóveis, por meio de doação ou permuta com encargo, por caracterizar ato administrativo extraordinário, depende de autorização legislativa (art. 19, IV da CE).

Concluo, assim, que houve desatendimento aos artigos 5º, caput e 144, ambos da Constituição Paulista, apenas do tocante à sujeição de prévia avaliação e autorização legislativa, quanto à aquisição de bens imóveis, veículos e máquinas, por compra.

Ante o exposto, aguardo a declaração parcial de inconstitucionalidade do art. 108 da Lei Orgânica do Município de Itaí, cuja redação foi dada pela Emenda à Lei Orgânica n. 52, de 07 de abril de 2009, apenas do tocante à sujeição de prévia avaliação e autorização legislativa, quanto à aquisição de bens imóveis, veículos e máquinas, por compra, ser mantida a exigência de prévia avaliação e autorização legislativa, quando se tratar de aquisição de bens imóveis, por doação ou permuta com encargos, em atenção ao disposto no art. 19, IV, da Constituição do Estado de São Paulo.

 

São Paulo, 12 de abril de 2011.

 

         Sérgio Turra Sobrane

          Subprocurador-Geral de Justiça

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