Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo n.º 0009881-21.2011.8.26.0000

Autor: Prefeito Municipal de Guararapes

Objetos de impugnação: Leis n.ºs 2.724, 2.725 e 2.726, de 13/1/2011, de Guararapes.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Suscitada preliminar de inviabilidade desta ação, no ponto em que são impugnadas disposições específicas da lei orçamentária anual (Lei n.º 2.724/2011), visto que, por esse aspecto, a inconstitucionalidade seria apenas indireta ou reflexa, dependente de interpretação prévia da lei de diretrizes orçamentárias (Lei n.º 2.725/2011) e do plano plurianual (Lei n.º 2.726/2011). No mérito, as alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Plano Plurianual, provenientes de emendas parlamentares, não devem subsistir (exceção feita à supressão dos dispositivos que concediam autorização genérica ao Executivo a transpor, remanejar ou transferir recursos, dentro de uma mesma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, em desacordo com o inciso VI, do art. 167 da Constituição Federal) porquanto dizem respeito a matérias nem sequer cogitadas nas proposituras originais, caracterizado, na espécie, o abuso no exercício do poder de emenda parlamentar (CE, art. 175, § 1.º, 3, b). Adoção da técnica do arrastamento para estender os efeitos da declaração de inconstitucionalidade às disposições conexas da Lei Orçamentária Anual, que não subsistem autonomamente. Ação procedente em parte.

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

         Cuida-se de ação na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade parcial das leis em epígrafe, em especial dos dispositivos abaixo destacados, introduzidos ou suprimidos por emendas parlamentares:

 

“(Lei Municipal n.º 2.724, de 13/1/2011, de Guararapes – PL n.º 84/2010 – LOA)

Art. 4.º - O Poder Executivo é autorizado, nos termos da Constituição Federal e Lei de Diretrizes Orçamentárias a:

I – ...................

II – ..................

III – Abrir créditos adicionais suplementares até o limite de 4,5 % (quatro e meio por cento) do orçamento das despesas, nos termos da legislação em vigor; (redação alterada – Emenda 24)

IV – Transpor, remanejar ou transferir recursos, dentro de uma mesma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa, nos termos do inciso VI, do art. 167 da Constituição Federal. (suprimido – Emenda 25)

..............................................................................................

(Lei Municipal n.º 2.725, de 13/1/2011, de Guararapes – PL n.º 85/2010 – LDO)

Art. 3.º - O inciso III do artigo 12, da Lei n.º 2.678/10, passa a ter a seguinte redação:

I – .....................

II – ....................

III – abrir créditos adicionais suplementares até o limite de 4,5 (quatro e meio por cento) do orçamento das despesas, nos termos da Legislação vigente; (N.R.)

Art. 4.º - Fica suprimido o inciso IV do art. 12 da Lei n.º 2.678/10.

..............................................................................................

(Lei Municipal n.º 2.726, de 13/1/2011, de Guararapes – PL n.º 86/2010 – PPA)  

Na parte que alterou os Anexos I a IV da Lei n.º 2.614/2009 (PPA) para majorar, em R$ 114.000,00 (cento e quatorze mil reais) o valor da concessão de bolsas de estudo ao Ensino Superior, e reduzir igual valor do programa de custeio da frota de automóveis do Município, em desarmonia com a LDO e LOA.”

 

         Segundo consta na inicial, o Prefeito enviou três projetos de lei à Câmara Municipal de Guararapes nos quais propôs modificações no Plano Plurianual (quadriênio 2010/2013) e na Lei de Diretrizes Orçamentárias, além de a aprovação da Lei Orçamentária Anual (exercício de 2011), mas, durante a tramitação dos referidos projetos, foram aprovadas emendas que dispunham sobre matérias totalmente alheias às tratadas nas proposituras originais, isso sem falar na desarmonia gerada entre a lei orçamentária anual, a lei de diretrizes orçamentárias e o plano plurianual. Assim, por força das referidas emendas, [1] a redação original do art. 12, III, da Lei n.º 2.678/2010 (LDO) foi alterada para reduzir de 25% (vinte e cinco por cento) a 4,5% (quatro e meio por cento) do orçamento das despesas, o limite máximo estabelecido para Executivo Municipal para a abertura de créditos adicionais suplementares; [2] houve supressão total do inciso IV do referido art. 12; [3] o Anexo V da LDO foi modificado e passou a divergir substancialmente do Anexo II do PPA; [4] a LOA e a LDO – devido a essas alterações – estão em completa desarmonia com o PPA. No final, é apontada a violação dos arts. 165 e 166, § 3.º, I, da Constituição Federal, dos arts. 5.º, 47, inciso XI, 144 e 174, incisos I a III, da Constituição do Estado de São Paulo, do art. 51, inciso IV, da Lei Orgânica Municipal e do art. 7.º, inciso II, da Lei Complementar n.º 95/98.      

         Houve inicialmente concessão de liminar tão só para suspender a eficácia do art. 4.º, III, da Lei n.º 2.724/2011, e da Emenda n.º 25 ao Projeto de Lei n.º 84/2010, que suprimiu o inciso IV de seu art. 4.º, mas, com o manejo de embargos declaratórios, os efeitos da decisão acauteladora foram expandidos de modo a também alcançar os arts. 3.º e 4.º da Lei n.º 2.725/2011.

         Citado para os fins do art. 90, § 2.º, da Constituição Estadual, o Procurador-Geral do Estado defendeu a exegese que condiciona a sua intervenção nos processos de fiscalização abstrata à existência de interesse estadual na preservação da norma impugnada, ausente, porém, neste caso, em que a lei versa sobre matéria exclusivamente local.

         Notificada, a Câmara de Vereadores de Guararapes prestou informações no prazo regimental, aduzindo, em contraposição ao pedido, que: as emendas aprovadas não são inconstitucionais; a Câmara agiu nos limites de sua competência; a Constituição veda a transposição, transferência e ou remanejamento de verbas de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa, que deve ser específica, donde necessária a mudança para adequação aos ditames constitucionais.

         Em resumo, é o que consta nos autos.

         Preliminarmente: a presente ação é inviável, em parte, porque a conclusão de inconstitucionalidade não resulta do confronto direto das leis impugnadas com a Constituição Estadual, mas sim é condicionada ao exame prévio de espécies normativas infraconstitucionais.

         Deveras, a inconstitucionalidade que resulta da inobservância do art. 175, § 1.º, 1, da Carta Estadual (“As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem serão admitidas desde que sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias”) depende para sua aferição da análise prévia do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias, o que, porém, não se admite no controle abstrato.

         Bem a propósito, “o Supremo Tribunal Federal tem orientação assentada no sentido da impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais ou de matéria de fato (ADI n.º 842).

         No caso do Projeto de Lei n.º 84/2010, que estima a receita e fixa a despesa do Município de Guararapes para o exercício de 2011, do qual se originou a Lei n.º 2.724/2011 (LOA), o Prefeito impugnou o inciso III de seu art. 4.º, fruto de emenda parlamentar, que autorizou o Executivo a “abrir créditos adicionais suplementares, até o limite de 4,5% (quatro e meio por cento) do orçamento das despesas nos termos da legislação em vigor”, enquanto que na propositura original esse limite era de 25% (vinte e cinco por cento).

         Da leitura da inicial extrai-se a seguinte passagem:

 

“pela lei de diretrizes orçamentárias (Lei 2.678/2010, art. 12, III) o Poder Executivo estava autorizado a abrir créditos adicionais suplementares até o limite de 25% do orçamento das despesas, o Projeto de lei orçamentária anual não poderia (e não pode) contrariar aquele dispositivo.

Por isso que o Projeto de lei originário, que recebeu o n.º 084/2010, repetiu em seu art. 4.º, inc. III, a diretriz estabelecida a respeito do tema pelo art. 12, inc. III, da Lei 2.678, nos seguintes termos:

 Art. 4.º O Poder Executivo é autorizado, nos termos da Constituição Federal e Lei de Diretrizes Orçamentárias a:

I. ...

II. ...

III. Abrir créditos adicionais suplementares até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do orçamento das despesas, nos termos da legislação em vigor.

 No entanto, o que fez a Câmara dos Vereadores do Município de Guararapes?

Aqui vai a resposta: em inegável afronta ao art. 175, § 1.º, n.º 1, da constituição do Estado de São Paulo, ignorou o texto da Lei matriz (LDO) e alterou o dispositivo do Projeto de Lei, redigido que fora em estrita observância daquela.

         É facilmente perceptível, assim, que, para se concluir que o inciso III do art. 4.º da Lei n.º 2.724/2011 (LOA), alterado por emenda parlamentar, contrariou o art. 175, § 1.º, n.º 1, da Constituição do Estado de São Paulo (“As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem serão admitidas desde que sejam compatíveis com a lei de diretrizes orçamentárias”), é preciso antes cotejá-lo com o inciso III do art. 12 da Lei n.º 2.678/2010 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), na sua redação primitiva, tratando-se, pois, da hipótese de inconstitucionalidade indireta/reflexa, cuja aferição, porém, não é admissível no controle normativo abstrato.     

         Igualmente, segundo a inicial, “ao votar o Projeto de Lei n.º 84/2010 (LOA), o Legislativo alterou os valores dos quadros números 01, 02 e 04 do artigo 3.º do mesmo Projeto de Lei e dos respectivos anexos para majorar, em R$ 114.000,00, o valor da concessão de bolsas de estudo ao Ensino Superior e reduzir o valor do programa de custeio da frota de automóveis do Município (Emenda n.º 23 e Subemendas 06 e 07)”.

         Tal iniciativa, a princípio, afigura-se perfeitamente compatível com a Constituição em vigor, cujo art. 175, § 1.º,         aliás, autoriza a aprovação de emendas ao projeto de lei do orçamento anual desde que indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre: dotações para pessoal e seus encargos; serviço da dívida e transferências tributárias constitucionais para Municípios.

         No entanto, ela seria inconstitucional porque, nesse aspecto, a Lei n.º 2.724/2011 (LOA) não se harmoniza com a LDO e o PPA, tornando-se necessário para identificar essa inconstitucionalidade a interpretação prévia de espécies normativas infraconstitucionais, o que, torna-se a insistir, não é admissível nos processos de fiscalização abstrata.

         Tal constatação, porém, não impossibilita o emprego, neste caso, da técnica do arrastamento, mas por fundamento diverso da confrontação direta entre a lei e a norma constitucional paramétrica, o que é inviável na espécie.

         Assim, por esses fundamentos, a presente ação não deve ser conhecida.

         Ainda em preliminar, o único parâmetro válido de controle de constitucionalidade – nesse tipo de ação – é a Constituição Estadual, afigurando-se insubsistente a alegação posta na inicial de afronta – pelas leis editadas – a dispositivos da Constituição Federal e de normas infraconstitucionais.

         Daí que a presente ação também não é viável por esse fundamento.

         No que tange ao mérito, a ação deve ser julgada parcialmente procedente.

         Com efeito, a controvérsia jurídica aqui instaurada reside na definição dos limites do poder conferido à Câmara de emendar os projetos orçamentários de iniciativa reservada ao Executivo (CE, art. 174, incisos I a III).

         No seu art. 175, §§ 1.º a 5.º, a Constituição Estadual reza o seguinte:

        

“Art. 175 – Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais, bem como suas emendas, serão apreciados pela Assembléia Legislativa.

 § 1.º - As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem serão admitidas desde que:

 1 – sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

 2 – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:

a)      dotações para pessoal e seus encargos;

b)      serviço da dívida;

c)        transferências tributárias constitucionais para Municípios.

3    – sejam relacionadas:

a)      com correção de erros ou omissões;

b)      com os dispositivos do texto do projeto de lei.

§ 2.º - As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual.

§ 3.º - O Governador poderá enviar mensagem ao Legislativo para propor modificações nos projetos a que se refere este artigo, enquanto não iniciada, na Comissão competente, a votação da parte cuja alteração é proposta.

 

§ 4.º - Aplicam-se aos projetos mencionados neste artigo, no que não contrariar o disposto nesta seção, as demais normas relativas ao processo legislativo.

§ 5.º - Os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes, poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa.

 

         Como se observa, o poder conferido ao Legislativo de emendar os projetos orçamentários de iniciativa reservada ao Executivo não é ilimitado, muito pelo contrário, os seus limites são preestabelecidos pela Constituição.

         Nesse sentido, o STF já decidiu que:

"O poder de emendar projetos de lei, que se reveste de natureza eminentemente constitucional, qualifica-se como prerrogativa de ordem político-jurídica inerente ao exercício da atividade legislativa. Essa prerrogativa institucional, precisamente por não traduzir corolário do poder de iniciar o processo de formação das leis (RTJ 36/382, 385 – RTJ 37/113 – RDA 102/261), pode ser legitimamente exercida pelos membros do legislativo, ainda que se cuide de proposições constitucionalmente sujeitas à cláusula de reserva de iniciativa (ADI 865/MA, Rel. Min. Celso de Mello), desde que, respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição da República, as emendas parlamentares (a) não importem em aumento da despesa prevista no projeto de lei, (b) guardem afinidade lógica (relação de pertinência) com a proposição original e (c) tratando-se de projetos orçamentários (CF, art. 165, I, II e III), observem as restrições fixadas no art. 166, § 3º e § 4º da Carta Política (...)." (ADI 1.050-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 21-9-1994, Plenário, DJ de 23-4-2004.)

                   Pois bem, no caso sob exame, o Prefeito Municipal de Guararapes enviou três projetos de lei à Câmara versando sobre alterações pontuais na lei de diretrizes orçamentárias e plano plurianual e a aprovação da lei orçamentária anual; os dois primeiros tinham os seguintes objetivos: adequar a previsão da estimativa de receita para o exercício de 2011 e fixar os requisitos necessários para a concessão de ajuda financeira às entidades municipais e alterar os Demonstrativos de Riscos Fiscais e os Anexos de Metas Fiscais e outros, adequando-os à previsão de receita.  

                   Ocorre que, durante a tramitação dos referidos projetos de lei orçamentários, mormente aqueles relacionados à LDO e ao PPA, a Câmara aprovou emendas que não guardavam nenhuma relação de pertinência lógica com as proposituras originais, como será mais bem detalhado a seguir.

         No Projeto de Lei n.º 85/2010, que originalmente acrescentava um parágrafo ao art. 26 da LDO (Lei n.º 2.678/2010) e adequava os seus anexos à previsão de receita, a Câmara aprovou emenda que modificou a redação do art. 12, inciso III, da LDO, reduzindo de 25% (vinte e cinco por cento) para 4,5% (quatro e meio por cento) – do orçamento das despesas – o limite máximo estabelecido para a abertura de créditos adicionais ou suplementares.

         Não satisfeita, a Câmara aprovou emendas (17 e 18/10) que alteraram os Anexos V e VI do Projeto de Lei n.º 85/2010, com o fito de majorar em R$ 114.000,00 (cento e quatorze mil reais) o valor da concessão de bolsas de estudo ao ensino superior, programa vinculado ao Departamento da Educação, Cultura e Turismo, e, em contrapartida, anulou parcialmente despesa da Unidade do Gabinete do Prefeito, sem que tal constasse da proposta original.

         Ao analisar o Projeto de Lei n.º 86/2010, a Câmara aprovou as Emendas 19 e 20/2010 com o fito de adequar os Anexos II e III do PPA (Lei n.º 2.614/2010) à modificação referida no parágrafo anterior, mas apenas o Anexo II foi alterado para anular parte das despesas fixadas para a Unidade do Gabinete do Prefeito, destinando-se os recursos para a Unidade 02.08.02, do Departamento de Educação, Cultura e Turismo, permanecendo o Anexo III inalterado.

         Por fim, no Projeto de Lei n.º 84/2010, com a aprovação da Emenda 23, a Câmara alterou os valores constantes dos Quadros 1, 2 e 4 do seu art. 3.º, e seus respectivos anexos, para majorar em R$ 114.000,00 (cento e quatorze mil reais) o valor da concessão de bolsas de estudo ao ensino superior e reduzir o valor do programa de custeio da frota de automóveis do Município.   

         Além disso, a Câmara aprovou a Emenda 24, que modificou a redação do art. 4.º, inciso III, do referido projeto de lei, reduzindo de 25% (vinte e cinco por cento) para 4,5% (quatro e meio por cento) – do orçamento das despesas – o limite máximo estabelecido para a abertura de créditos adicionais ou suplementares, e, por meio da Emenda 25, suprimindo o inciso IV do art. 4.º da LOA, que concedia autorização para o remanejamento ou transferência de recursos, dentro de uma mesma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa.         

         Com exceção da Emenda 25 (fl. 143) ao Projeto de Lei n.º 84/2010, a qual suprimiu o inciso IV do art. 4.º da LOA (Lei 2.724/2011), e da emenda (fl. 94) que acrescentou o art. 4.º ao Projeto de Lei n.º 85/2010 para revogar o inciso IV do art. 12 da Lei n.º 2.678/2010 (LDO), que autorizava o Executivo a transpor, remanejar ou transferir recursos, dentro de uma mesma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa, nos termos do inciso VI, do art. 167 da Constituição Federal, penso que todas as demais emendas aprovadas são inconstitucionais.

         Deveras, as emendas que reduziram de 25% (vinte e cinco por cento) para 4,5% (quatro e meio por cento) – do orçamento das despesas – o limite máximo estabelecido para a abertura de créditos adicionais ou suplementares e que aumentaram o valor previsto no orçamento para a concessão de bolsas de estudo não devem subsistir no ordenamento jurídico em vigor porque não mantêm relação de pertinência lógica com as proposições originais.

         Não é possível admitir-se que, superado o obstáculo original, com a apresentação dos projetos de lei visando à readequação das leis orçamentárias à estimativa de receita, a Câmara resolva sponte propria reexaminar disposições que já havia aprovado em outra ocasião (Plano Plurianual e Lei de Diretrizes Orçamentárias) – e que nem sequer foram contempladas nos projetos apresentados (que continham, na verdade, simples ajustes às referidas leis) – sob o pretexto de exercer o seu poder de emenda.

         Se for reconhecida essa faculdade ao legislador, o que se admite somente para argumentar, tornar-se-á forçoso aceitar também que este terá liberdade de modificar integralmente as leis orçamentárias anteriormente aprovadas, em desconsideração à reserva de iniciativa sobre a matéria instituída em favor do Executivo, que nos projetos de lei apresentados delimitou o âmbito de atuação do legislador exclusivamente às matérias neles previstas.  

        Bem por isso, a Constituição em vigor prevê que as emendas aos projetos de lei do orçamento, ou aos projetos que o modifiquem, serão admitidas desde que sejam relacionadas com os dispositivos do texto do projeto de lei (CE, art. 175, § 1.º, 3, b) apresentado, que, no caso em análise, nenhuma relação de pertinência mantinham com as alterações efetuadas pela Câmara.

         Diferente a solução quanto à Emenda 25, que modificou a redação do inciso IV do art. 4.º do Projeto de Lei n.º 84/2010, e à emenda que acrescentou o art. 4.º ao Projeto de Lei n.º 85/2010 para revogar o inciso IV do art. 12 da Lei n.º 2.678/2010 (LDO), que autorizava o Executivo a transpor, remanejar ou transferir recursos, dentro de uma mesma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa, nos termos do inciso VI, do art. 167 da Constituição Federal.

         No seu art. 176, inciso VI, a Constituição Paulista veda a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa.

         Evidentemente, a autorização legislativa deve concedida caso a caso e não genericamente, tal como previam as disposições alteradas e revogadas (inciso IV do art. 4.º da Lei 2.724/2011; inciso IV do art. 12 da Lei n.º 2.678/2010), numa autêntica delegação de poderes do Legislativo ao Executivo, vedada expressamente pela Constituição (art. 5.º, § 1.º), donde se conclui que, por esse aspecto, as emendas aprovadas objetivaram apenas adequar as leis orçamentárias vigentes aos ditames constitucionais, não podendo, por conseguinte, ser rotuladas de inconstitucionais.

         Em suma, são inconstitucionais as seguintes disposições: [1] o inciso III do art. 4.º da Lei n.º 2.724/2011, acrescido pela Emenda 24 ao PL n.º 84/2010 (por arrastamento, ante sua estreita vinculação com o art. 12, III, da LDO, na redação dada pelo art. 3.º da Lei n.º 2725/2011); [2] o art. 3.º da Lei n.º 2.725/2011, acrescido por emenda parlamentar e [3] as emendas que majoraram os gastos com a concessão de bolsas de estudo ao ensino superior, aprovadas em desacordo com o art. 175, § 1.º, 3, b, da Constituição Estadual, cuja observância é obrigatória pelos Municípios, ante o disposto no art. 144 desta mesma Carta Política.

         Nessas circunstâncias, aguarda-se o acolhimento das preliminares suscitadas, mas, no caso de sua superação, opina-se pela parcial procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade, nos moldes acima alvitrados.

 

São Paulo, 26 de julho de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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