Parecer
Autos nº. 0011784-57.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Suzano
Objeto: Lei nº 4.469, de 10 de maio de 2011, do Município de Suzano
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito. Lei nº 4.469, de 10 de maio de 2011, do Município de Suzano, que “Dispõe sobre a instituição do Dia Municipal da Saúde do Homem e dá outras providências”. Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 47, incs. II e XIV e 144 da CE. Parecer pela procedência da ação.
Colendo
Órgão Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente
Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Suzano, tendo por objeto a Lei nº 4.469, de 10 de maio de
2011, daquele
Município, que “Dispõe sobre a instituição do Dia Municipal da Saúde do
Homem e dá outras providências”.
O
autor noticia que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e
que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto
foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara
Municipal.
Sustenta
que a lei em questão cria obrigações para a administração pública, havendo
usurpação por parte do Poder Legislativo de atribuições pertinentes a
atividades próprias do Poder Executivo e aponta transgressão aos arts. 5º e 144
da Constituição Estadual.
A
Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex
nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 22/23).
O
Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 39/40), atendo-se ao
processo legislativo.
A
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando
que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 30/32).
Este
é o breve resumo do que consta dos autos.
A
lei impugnada do Município de Suzano assim dispõe:
“Art. 1º. Por esta Lei, fica instituído o Dia Municipal da Saúde do Homem, a ser realizado, anualmente, no dia 15 de julho, e que terá como objetivo facilitar e ampliar o acesso da população masculina aos serviços de saúde.
Parágrafo único – As campanhas às quais se refere o caput deste artigo utilizarão de recursos técnicos capazes de informar e conscientizar o maior número possível de pessoas do sexo masculino.
Art. 2º. As ações a que se refere o artigo 1º serão desenvolvidas e veiculadas na mídia em geral e, em especial, nos próprios estabelecimentos municipais, equipamentos urbanos, Unidades Básicas de Saúde e entidades conveniadas, campanhas permanentes de informação, destinadas ao público em geral, principalmente às pessoas do sexo masculino.
Art. 3º. As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.
Art. 4º. O Executivo regulamentará a presente Lei, no prazo de 60 (sessenta) dias.
Art. 5º. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Sala da Presidência da Câmara Municipal de Suzano, em 10 de maio de 2011.”
Dita
lei é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo,
especialmente com os seus arts. 5.º, 47, II e XIV, e 144, os quais dispõem o
seguinte:
“Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Nos
entes políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi
incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do
postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela edição
das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para as
atividades de gestão.
Essa
repartição de funções decorre da incorporação à Constituição brasileira do
princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º), preconizado
por Montesquieu, e que visa a impedir a concentração de poderes num único órgão
ou agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.
A
tarefa de administrar o Município, a cargo do Executivo, engloba as atividades
de planejamento, organização e direção dos serviços públicos, o que abrange,
efetivamente, a concepção de programas, como o da espécie em análise.
Por
intermédio da lei em análise, a Câmara criou um programa que visa facilitar e ampliar o
acesso da população masculina aos serviços de saúde na rede pública de Saúde do
Município de Suzano, onerando, desta forma, a Administração. Embora elogiável a preocupação do Legislativo
local com o tema, a iniciativa não tem como prosperar na ordem constitucional
vigente, uma vez que a norma disciplina atos que são próprios da função
executiva.
Por
esse motivo, a Constituição Estadual, em dispositivo que repete o artigo 61, §
1º, II, “b”, da Constituição Federal, conferiu ao Governador do Estado a
iniciativa privativa das leis que disponham sobre as atribuições da
administração pública e, consequentemente, sobre o seu orçamento. Trata-se de
questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância
obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado,
tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:
“O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).
Se
a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para
os Municípios.
As
normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo
derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo
jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo
competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos
(Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., pp. 111-112). Se essas normas não
são atendidas, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em
face de vício de iniciativa.
Sobre
isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à
privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais
matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e
promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício
inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais
inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o
Legislativo as exerça” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª
ed., pp. 544-545).
Nota-se,
por fim, que a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte e, destarte,
colide com as disposições dos artigos 25, da Constituição Bandeirante.
Esse
Sodalício, aliás, tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que
infrigem esses comandos:
LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (ADIn 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação
direta, declarando-se a
inconstitucionalidade da Lei nº 4.469, de 10 de maio de 2011, do Município de
Suzano.
São Paulo, 18 de abril de
2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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