Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0012642-25.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Caiuá

Objeto: Inconstitucionalidade dos artigos 29 e 39 da Lei Municipal 806/93

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Inconstitucionalidade dos artigos 29 e 39 da Lei Municipal 806/93 de Caiuá, de iniciativa parlamentar.

2)      Previsão de “acesso” e “transferência”, como formas de provimento derivado. Contrariedade ao art. 115, I e II da Constituição do Estado, aplicável ao Município por força do art. 144 da mesma Carta.

3)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito municipal de Caiuá, tendo como alvo os artigos 29 e 39 da Lei Municipal 806/93.

A Lei em epígrafe, segundo o requerente, trata do Estatuto dos Servidores Públicos do Município, sendo que os preceitos impugnados disciplinam o provimento derivado de cargos públicos.

A inconstitucionalidade decorre, de acordo com o promovente: (a) da previsão dos institutos da “transferência” e do “acesso”; (b) há ofensa aos artigos 111, 115 e 144 da Constituição do Estado.

Foi indeferida a liminar (fls. 82/83).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa em relação ao ato normativo (fls. 91, 93/95).

A Câmara Municipal manifestou-se (fls. 97).

É o relato do essencial.

Os dispositivos impugnados da Lei 806/93, de Caiuá, que “dispõe sobre o regime jurídico dos funcionários públicos” do Município, têm a seguinte redação:

“(...)

Seção VII – do acesso

Art. 29. Acesso é a elevação do servidor, dentro do respectivo quadro a cargo da mesma natureza de trabalho, de maior grau de responsabilidade e maior complexidade de atribuições, obedecido o interstício na classe e as exigências a serem instituídas em regulamento.

§ 1º. Serão reservados para acesso os cargos cujas atribuições exijam experiência prévia no exercício de outro cargo.

§ 2º. O acesso será feito mediante aferição do mérito dentre titulares de cargos cujo exercício proporcione experiência necessária ao desempenho das atribuições dos cargos referidos no parágrafo anterior.

(...)

Seção XI – da transferência

Art. 39. O servidor poderá ser transferido de um para outro cargo de provimento efetivo.

(...)”

As regras constitucionais aplicáveis ao provimento originário ou derivado de cargos no âmbito do Poder Público são expressas ao exigir a realização de concurso, vedando, por conseguinte, formas de provimento derivado que se afastem dessa matriz constitucional.

Nesse sentido são as disposições contidas no art. 115, incisos I e II da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por decorrência do art. 144 da mesma Carta.

O entendimento do Col. STF, nesse sentido, é pacífico, vedando, por inconstitucionalidade, os provimentos derivados usualmente denominados “acesso” e “transferência”.

Assim, inicialmente a Súmula 685 do Col. STF:

“(...)

É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.

(...)”

Além disso, vários precedentes, aqui transcritos exemplificativamente:

“(...)

Servidor público. Cargos públicos. Mesma carreira. Promoção. Constitucionalidade. A investidura de servidor público efetivo em outro cargo depende de concurso público, nos termos do disposto no art. 37, II, da CF/1988, ressalvada a hipótese de promoção na mesma carreira. Precedentes. (RE 461.792-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 24-6-2008, Segunda Turma, DJE de 15-8-2008.) No mesmo sentido: AI 801.098-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-11-2010, Primeira Turma, DJE de 26-11-2010; RE 486.681-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 31-8-2010, Primeira Turma, DJE de 23-11-2010; AI 774.902-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 25-5-2010, Segunda Turma, DJE de 11-6-2010; AI 658.449-ED, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 25-8-2009, Primeira Turma, DJE de 23-10-2009.

(...)

A inconstitucionalidade da norma ora atacada é flagrante. O Supremo Tribunal Federal firmou sólida jurisprudência no sentido de que o art. 37, II, da CF rejeita qualquer burla à exigência de concurso público. Há diversos precedentes em que a tônica é a absoluta impossibilidade de se afastar esse critério de seleção dos quadros do serviço público (cf. ADI 2.689, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, 9-10-2003; ADI 1.350-MC, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, 27-9-1995; ADI 980-MC, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, 3-2-1994); ADI 951, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, 18-11-2004), até mesmo restringindo possíveis ampliações indevidas de exceções contidas na própria Constituição, a exemplo do disposto no art. 19 do ADCT (cf. ADI 1.808-MC, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, 1º-2-1999). O rigor na interpretação desse dispositivo constitucional impede inclusive formas de provimento derivado de cargo público, por ascensão interna. (...). (ADI 3.434-MC, voto do Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-8-2006, Plenário, DJ de 28-9-2007.) Vide: ADI 336, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 10-2-2010, Plenário, DJE de 17-9-2010.

(...)

Concurso público: não mais restrita a sua exigência ao primeiro provimento de cargo público, reputa-se ofensiva do art. 37, II, CF, toda modalidade de ascensão de cargo de uma carreira ao de outra, a exemplo do 'aproveitamento' e 'acesso' de que cogitam as normas impugnadas (§ 1º e § 2º do art. 7º do ADCT do Estado do Maranhão, acrescentado pela EC 3/1990). (ADI 637, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 25-8-2004, Plenário, DJ de 1º-10-2004.)

(...)

Concurso público (CF, art. 37, II): violação de sua exigência – que já não mais se limita à primeira investidura em cargo público – por norma de constituição estadual que admite a transferência de servidor de um para outro dos poderes do Estado. (ADI 1.329, Rel. Min. Sepúlvida Pertence, julgamento em 20-8-2003, Plenário, DJ de 12-9-2003.)

(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargos ou empregos públicos. O critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, no atual sistema constitucional, ressalvados os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, indispensável para cargo ou emprego público isolado ou em carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese; para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas títulos, não o sendo, porém, para os cargos subsequentes que nela se escalonam até o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que é a ‘promoção’. Estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados. O inciso II do art. 37 da CF também não permite o ‘aproveitamento’, uma vez que, nesse caso, há igualmente o ingresso em outra carreira sem o concurso exigido pelo mencionado dispositivo. Ação direta de inconstitucionalidade que se julga procedente para declarar inconstitucionais os arts. 77 e 80 do ADCT do Estado do Rio de Janeiro. (ADI 231, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 5-8-1992, Plenário, DJ de 13-11-1992.) No mesmo sentido: AI 768.536-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 16-11-2010, Segunda Turma, DJE de 30-11-2010; RE 602.795-AgR, Rel. Eros Grau, julgamento em 16-3-2010, Segunda Turma, DJE de 9-4-2010; MS 22.148, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 19-12-1995, Plenário, DJ de 8-3-1996. Vide: RE 222.236-AgR, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 17-10-2000, Segunda Turma, DJ de 24-11-2000, RE 306.938-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 18-9-2007, Segunda Turma, DJ de 11-10-2007; ADI 430, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 25-5-1994, Plenário, DJ de 1º-7-1994.

(...)”

Sendo, pois, absolutamente pacífico o entendimento a respeito do tema, nosso parecer é no sentido do acolhimento da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade dos artigos 29 e 39 da Lei Municipal 806/93, de Caiuá.

São Paulo, 26 de maio de 2011.

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

rbl