Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0016432-17.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de São Paulo

Objeto: inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 14.639, de 2007.

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 14.639, de 2007. Lei de iniciativa parlamentar que trata de regime jurídico de servidores municipais.

2)      Regime jurídico do funcionalismo municipal. Matéria incluída na iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo (art. 24, § 2º, n. 4 da Constituição do Estado, aplicável por força do art. 144 da mesma Carta).

3)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de São Paulo, tendo como alvo a Lei Municipal nº 14.639, de 2007, fruto de iniciativa parlamentar, que trata do regime jurídico de servidores municipais.

Alega o autor a inconstitucionalidade em função do (a) vício de iniciativa, da (b) não observância da impessoalidade, e da (c) violação do interesse público.

Foi concedida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo impugnado (fls. 30).

A Câmara Municipal interpôs agravo regimental (fls. 33/47), ao qual foi negado provimento pelo Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça (fls. 63/65).

Citado (fls. 81), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa relativamente ao ato normativo (fls. 85/86).

A Câmara Municipal apresentou informações (fls. 88/105).

É o relato do essencial

A Lei Municipal 14.639, de 2007, de São Paulo, que “acrescenta parágrafo 3º ao artigo 3º da Lei 10.793/89, que regula a contratação por tempo determinado, em atendimento à necessidade temporária de excepcional interesse público”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Fica acrescido o parágrafo 3º ao artigo 3º da Lei nº 10.793, de 21 de dezembro de 1989, com a seguinte redação:

‘§ 3º. A ocorrência de gravidez ou doença do contratado posterior ao início do exercício das funções não servirá de fundamento para impedir nova contratação ou renovação do contrato, autorizada por lei especial ou pelas hipóteses excepcionais desta lei, bem como não servirá de fundamento para a rescisão de contrato em andamento’.

Art. 2º. As despesas decorrentes da implantação desta lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 3º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

(...)”

Para a adequada compreensão do contexto em que se deu a proposição normativa, é necessário anotar que a Lei Municipal nº 10.793, de 1989, em conformidade com a sua rubrica, “dispõe sobre contratação por tempo determinado, nos termos do artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, e dá outras providências”.

Não há como negar, portanto, que a matéria veiculada na lei diz respeito ao regime jurídico do funcionalismo municipal, visto que o § 3º, acrescido pela lei impugnada ao art. 3º do diploma originário, cuida, respectivamente, de contratação, renovação, e de rescisão de contrato, em casos de contratação por tempo indeterminado.

Essa observação é suficiente para demonstrar, com a devida vênia, relativamente à argumentação contida nas informações prestadas pela Câmara Municipal, que a iniciativa nessa matéria é privativa do Chefe do Executivo Municipal.

Não se trata de saber, venia concessa, se a opção do legislador local foi adequada ou não, se a diretriz contida na norma já decorre de outros preceitos normativos ou não, e assim por diante.

Cuida-se simplesmente de observar que para alterar a disciplina normativa dos servidores municipais temporários é necessário que o próprio Prefeito provoque a instauração do processo legislativo.

É manifesta, nesse caso, a não observância da reserva de iniciativa do Chefe do Executivo local para a edição de lei modificando o regime jurídico do funcionalismo municipal, nos termos do art. 24, § 2º, n. 4 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

O Col. STF, interpretando e aplicando dispositivo análogo constante na Constituição da República, o art. 61, § 1º, II, c, do qual o preceito antes indicado da Constituição do Estado é mera reprodução, reiteradamente tem declarado a inconstitucionalidade de leis que tratam de regime jurídico do funcionalismo desrespeitando a reserva de iniciativa.

Confira-se:

“(...)

Dentre as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória pelos Estados, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes, encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II, da CF, que determinam a iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26-2-1999, ADI 2.115, rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, rel. Min. Maurício Corrêa. Esta Corte fixou o entendimento de que a norma prevista em Constituição Estadual vedando a estipulação de limite de idade para o ingresso no serviço público traz em si requisito referente ao provimento de cargos e ao regime jurídico de servidor público, matéria cuja regulamentação reclama a edição de legislação ordinária, de iniciativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes: ADI 1.165, rel. Min. Nelson Jobim, DJ de14-6-2002 e ADI 243, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, DJ de 29-11-2002. Ação direta cujo pedido se julga procedente. (ADI 2.873, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007.)

(...)

Processo legislativo: normas de lei de iniciativa parlamentar que cuidam de jornada de trabalho, distribuição de carga horária, lotação dos profissionais da educação e uso dos espaços físicos e recursos humanos e materiais do Estado e de seus Municípios na organização do sistema de ensino: reserva de iniciativa ao Poder Executivo dos projetos de leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria (art. 61, II, § 1º, c). (ADI 1.895, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 2-8-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.)

(...)

Lei estadual que dispõe sobre a situação funcional de servidores públicos: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, a e c, CR/1988). Princípio da simetria. (ADI 2.029, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.)

(...)”

Mais não é preciso dizer.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 14.639, de 2007, de São Paulo.

São Paulo, 11 de outubro de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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