Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0029075-07.2011.3.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Divinolândia

Objeto: Lei nº 1.953, 05 de janeiro de 2010, do Município de Divinolândia

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 1.953, de 05 de janeiro de 2010, do Município de Divinolândia, que “dispõe sobre a proibição do comércio e uso de bebidas alcoólicas em vasilhames de vidro descartáveis, no perímetro urbano”. Projeto de autoria de Vereador. Lei que institui obrigação que gera ônus à Administração. Violação do princípio da separação dos poderes. Criação de despesa, sem indicação da receita. Ofensa aos artigos 5º; 25; 47, II e XIX, da CE. Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Divinolândia, tendo por objeto a Lei nº 1.953, de 05 de janeiro de 2010, que “dispõe sobre a proibição do comércio e uso de bebidas alcoólicas em vasilhames de vidros descartáveis, no perímetro urbano”.

O autor noticia que a lei decorre de projeto concebido na Câmara Municipal. Afirma que há vício de natureza formal, pois cabe exclusivamente ao Prefeito a iniciativa de leis sobre o tema em pauta, divisando ofensa aos artigos 5º; 24, § 2º, 2; 25; 47, XIX, e 111 da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 40).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade da legislação impugnada                         (fls. 47/53).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 78/80).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada, de autoria parlamentar, apresenta a seguinte redação:

                                                                  “Art. 1º - Fica expressamente proibido a venda de bebidas em vasilhames de vidro descartáveis, tipo long neck, com capacidade de 355 ml, pelos bares, lanchonetes, restaurantes, similares e ambulantes, dentro do perímetro urbano.

Art. 2º - Os comerciantes que forem surpreendidos vendendo bebidas ficarão sujeitos:

I- apreensão de mercadorias;

II- Na reincidência, à suspensão de atividade de 15 a 30 dias;

III- E, no caso de nova reincidência, após a suspensão de atividades, sujeitará o infrator à Cassação do Alvará de funcionamento Municipal.

Art. 3º - Essa Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário”.

 

Em que pesem os elevados propósitos que a inspiraram, a Lei n. 1.953/10, do Município de Divinolândia é, de fato, incompatível com os artigos 5º e 47, II, XIX da Constituição do Estado, abaixo reproduzidos:

"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

 (...)

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;"

 

Somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

No caso concreto, para marcar a proibição, a Câmara Municipal se imiscuiu nas funções do Administrador  ao dizer como o Poder Público deve proceder desta e daquela maneira em relação aos comerciantes sujeitos à norma.

Ao instituir uma obrigação ou uma proibição para o munícipe, a lei impõe à Municipalidade o dever de fiscalizá-lo, criando serviço público.

Como a lei foi concebida no Poder Legislativo, a iniciativa acabou invadindo a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quer determinar.

Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Desse entendimento comunga o em. Des. PALMA BISSON, ilustre membro desse Colegiado, que, em recente declaração de voto, ofereceu-nos a seguinte lição sobre o tema:

“(...) veio a lume a lei telada, sendo, embora, de deputada iniciativa (fls. 90/93), impondo penalidades a seus infratores (art. 6º), o que pressupõe dever de fiscalização, e, ademais, determinando ao Poder Executivo regulamentá-la especialmente quanto à atribuição de fiscalizar seu cumprimento e impor aquelas (art. 7 o).

Ora, isso e aquilo revelam que de vício de iniciativa a indigitada norma padece, logo, de inconstitucionalidade formal também, por cediço que descabe ao Legislativo dizer sobre fiscalização relacionada a poder de polícia (inclusive criando um novo serviço público de fiscalização que culminaria na suspensão das atividades ou fechamento definitivo do estabelecimento), posto constituírem atos típicos da Administração, ou seja, do Poder Executivo (Incidente de inconstitucionalidade nº 994.09.230558-2, julgado em 17 Mar. 2010, g.n.).

Com isso, a lei impugnada ofendeu, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse C. Órgão Especial:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

No caso dos autos, existe outro fundamento, igualmente relevante, que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a fiscalização a ser feita gerará despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, sendo também sob esse aspecto incompatível com o texto constitucional.

Nesse panorama, opina-se pela declaração de inconstitucionalidade da lei impugnada, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 1.953, de 05 de janeiro de 2010, do Município de Divinolândia que “dispõe sobre a proibição do comércio e suo de bebidas alcoólicas em vasilhames de vidros descartáveis, no perímetro urbano”

São Paulo, 11 de maio de 2011.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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