Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Autos nº. 0031789-37.2011.8.26.0000
Requerente:
Prefeito Municipal de Jundiaí
Objeto: Inconstitucionalidade
da Lei Municipal nº 7.047, de 07 de maio de 2008, de Jundiaí
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 7.047, de 07 de maio de 2008, de Jundiaí, que “Prevê desconto na tarifa de água e esgoto para imóvel atingido por enchente”. Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista). Criação de despesas sem fonte específica de receita (art. 25 da Constituição Paulista). Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta
pelo Senhor Prefeito Municipal de Jundiaí, tendo como alvo a Lei Municipal nº 7.047, de 07 de maio de
2008, de Jundiaí, de iniciativa parlamentar, que “Prevê desconto na tarifa de água e esgoto para imóvel atingido por
enchente”.
Sustenta o autor que a iniciativa, nessa matéria, é reservada ao Chefe do Executivo, bem como que houve desrespeito ao princípio da separação de poderes, provocando aumento de despesa sem indicação de receita.
Foi concedida liminar, determinando a suspensão do ato normativo (fls. 29/30).
Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa do ato normativo (fls. 40/42).
A Câmara Municipal prestou informações (fls. 44/46).
É o relato do essencial.
A Lei Municipal nº 7.047, de 07 de maio de 2008, de Jundiaí, de iniciativa parlamentar, que “Prevê desconto na tarifa de água e esgoto para imóvel atingido por enchente”, tem a seguinte redação:
“(...)
Art. 1º. Todo imóvel, residencial ou comercial, que for comprovadamente atingido por enchente e, consequentemente, tiver significativo acréscimo em sua tarifa de água e esgoto, terá direito a redução na conta do mês correspondente.
Parágrafo único. O valor da conta referida no 'caput' deste artigo será a média de consumo do imóvel, referente de consumo do imóvel, referente ao trimestre anterior."
Em que pese a boa intenção que certamente animou a iniciativa parlamentar, o ato normativo impugnado revela-se invasivo da esfera da gestão administrativa, inerente à atividade típica do Poder Executivo.
Desse modo, a lei de iniciativa parlamentar configura verdadeiro ato administrativo, sendo apenas “formalmente” ato legislativo.
Em outras palavras se a lei, fora das hipóteses constitucionalmente previstas, dispõe sobre atividade tipicamente inserida na esfera da administração pública, isso significa invasão da esfera de competências do Poder Executivo por ato do Legislativo, configurando-se claramente a violação do princípio da separação de poderes.
Criar determinado programa governamental – precisamente o que se verifica na hipótese em exame - é matéria exclusivamente relacionada à administração pública, a cargo do Chefe do Executivo.
Em síntese, cabe nitidamente ao administrador público, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema (conceder desconto na tarifa de água e esgoto para imóvel atingido por enchente).
A inconstitucionalidade,
portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na
Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e
art. 144).
É
ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo
cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de
planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder
Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
O diploma
impugnado, na prática, invadiu a esfera
da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:
“a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar.
Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra
para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal,
genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O
Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta
sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes,
princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer
atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e
inoperante” (Direito municipal
brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da
Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708).
Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (op.
cit., p. 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.
Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade e aos limites da adoção da regra da separação.
Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente, não admitindo interpretações que signifiquem, na prática, interferência de um poder na esfera de atuação ontologicamente relacionada ao outro.
Não bastasse isso, a lei impugnada provocará, evidentemente, realização de despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes de receita para tanto.
Isso implica contrariedade ao disposto no art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo.
Nesse sentido, apenas a título de exemplificação, confiram-se os julgados a seguir indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u..
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 7.047, de 07 de maio de 2008, de Jundiaí.
São Paulo, 6 de julho de
2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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