Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0033316-24.2011.0.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Pardo

Objeto: art. 1º, § 1º, da Lei nº 3.685, de 19 de fevereiro de 2011, do Município de São José do Rio Pardo/SP

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, do art. 1º, § 1º, da Lei nº 3.685, de 19 de fevereiro de 2011, do Município de São José do Rio Pardo/SP, que “dispõe sobre a concessão de auxílios, contribuições e subvenção social a entidades que especifica e dá outras providências”. Dispositivo derivado de emenda parlamentar em projeto de autoria do Prefeito. Imposição para que o pagamento se realize em 12 (doze) parcelas mensais e consecutivas, como manda a LDO. Proibição ao Poder Executivo de limitar os repasses, salvo na hipótese prevista. Considerações sobre o poder de emendar e seus limites. Não acolhimento da alegação de que a emenda implica em gestão administrativa. Parecer pela improcedência.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Pardo/SP, tendo por objeto o art. 1º, § 1º, da Lei nº 3.685, de 19 de fevereiro de 2011, que “dispõe sobre a concessão de auxílios, contribuições e subvenção social a entidades que especifica e dá outras providências”.

O autor esclarece que, embora a lei decorra de projeto do Poder Executivo, o dispositivo impugnado é fruto de emenda parlamentar. Versa sobre prazo para execução de despesas, o que, a seu ver, confunde-se com a gestão administrativa. Desse modo, haveria ofensa aos arts. 5º e 47, II e XIV, c.c. o art. 144, da Constituição do Estado.

O pedido liminar de suspensão da vigência e eficácia da lei foi negado (fls. 36/40).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 49/53).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 45/47).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

O Prefeito do Município de São José do Rio Pardo subscreveu o projeto de lei nº 187, de 29 de setembro de 2010, para dispor sobre a concessão de auxílios, contribuições e subvenção social a entidades específicas.

No projeto, o art. 1º apresentava a seguinte redação:

Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder auxílios, contribuições e convenção social, no exercício de 2011, às entidades nos anexos a esta lei, dentro dos valores ali discriminados.

§ 1º - Os repasses poderão ser realizados parceladamente ou a critério da administração, podendo o Executivo limitar os repasses das subvenções sociais, auxílios e contribuições.

Com a aprovação da emenda parlamentar, o dispositivo ficou assim:

Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder auxílios, contribuições e convenção social, no exercício de 2011, às entidades nos anexos a esta lei, dentro dos valores ali discriminados.

§ 1º - Os repasses deverão ser realizados em 12 (doze) parcelas mensais e consecutivas, até o dia 20 de cada mês, podendo o Executivo limitar os repasses somente no mesmo percentual entre o valor da receita estimada para a receita arrecadada pela fonte de recurso a que está vinculada a transferência.

O dispositivo em apreço decorre de emenda modificativa, impondo-se saber, para a solução deste processo, se é legítima à luz do processo legislativo traçado pela Constituição do Estado.

Sabe-se que, uma vez apresentado o projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação. Abre-se o caminho, em seguida, para fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação públicas da matéria.

Nessa fase se sobressai o poder de emendar.

O poder de emendar é reconhecido pela doutrina tradicional e está reservado aos parlamentares enquanto membros do Poder incumbido de estabelecer o direito novo.

O Supremo Tribunal Federal o considera como prerrogativa dos membros do Congresso, como se intui do seguinte julgado:

“O exercício do poder de emenda, pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em "numerus clausus", pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção regalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).

Mas o considera restrito, como se conclui do trecho acima destacado e do paradigmático julgado adiante transcrito:

Incorre em vício de inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º., II, "a" e "c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia dotação orçamentária para o pagamento do beneficio instituído pela norma impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel. Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73).

Reconhece-se haver, portanto, limites ao poder de emendar projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo, para evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação praticamente e substancialmente distinta da proposta original.

Com essa premissa, entendo que a emenda em análise não se afigura ilegítima.

A alteração levada a efeito não importou em aumento de despesa, cabendo anotar, aliás, que o Prefeito não impugnou a redistribuição dos valores entre as entidades contempladas, também determinada pela emenda.

De outro giro, nota-se que os vereadores aprimoraram o projeto, sem descaracterizá-lo.

Se antes os repasses seriam realizados parceladamente ou “a critério da administração”, agora serão realizados em parcelas mensais, tal como determina a LDO do Município, que prevê a concessão das benesses em duodécimos pagos até o dia 20 de cada mês (fls. 31).

A providência é alvissareira, como destaca o Presidente da Câmara Municipal, pois confere maior segurança às entidades assistenciais do Município, “bem como maior programação orçamentária ao Executivo Municipal, no que tange ao cumprimento de seus programas e metas sociais” (fls. 50).

É verdade que, com a emenda, a discricionariedade do Prefeito foi restringida, pois, agora, só lhe cabe limitar os repasses em função da receita arrecadada.

Essa é, todavia, a consequência natural da deflagração do processo legislativo e da submissão do Alcaide à vontade popular que se expressa pelo parlamento, sem que isso implique efetivamente na usurpação de suas funções pela Câmara Municipal.

Diante do exposto, opino pela improcedência desta ação direta.

 

São Paulo, 2 de agosto de 2011.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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