Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0004385-11.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Jacareí

Objeto: Lei nº 5.418, de 12 de março de 2010, do Município de Jacareí

 

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 5.418, de 12 de março de 2010, do Município de Jacareí. Iniciativa parlamentar. Disposição acerca da regularização da retirada de postes localizados defronte das garagens de residências no Município de Jacareí. 2) Violação da separação de poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa. Lei que institui obrigação que gera ônus à administração. (arts. 5º, 47, II e XIV, da Constituição Paulista).  3) Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Jacareí, tendo por objeto a Lei nº 5.418, de 12 de março 2010, daquele Município, que “Dispõe sobre a regularização da retirada de postes localizados defronte das garagens de residências no Município de Jacareí e dá outras providências”.

Sustenta o autor que a referida lei contraria o disposto nos arts. 5º, 111, 144 da Constituição Estadual e os arts. 2º e 37 da Constituição Federal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 152/153).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 160/166).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 209/211).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

O ato normativo impugnado apresenta a seguinte redação:

“Art.1º - Fica a empresa concessionária da prestação de serviços públicos de energia elétrica obrigada a executar a remoção dos postes de iluminação pública localizados defronte das residências, onde os mesmos atrapalhem  a entrada e saída de veículos de garagem, em todo território do Município de Jacareí.

Parágrafo único- Os projetos de posteamento de rede de energia elétrica aprovados no Município a partir da publicação desta lei obedecerão orientação de instalação da Prefeitura Municipal, devendo ser mantida livre a testada dos imóveis até onze metros de largura, de forma que, então, os postes sejam colocados nas divisas dos lotes.

Art. 2º - A solicitação de remoção de poste de iluminação somente será deferida nos casos em que for comprovada a real necessidade, ou seja, nos casos em que o poste de iluminação esteja impedindo a entrada e saída de veículos das garagens ou mesmo atrapalhando a abertura dos portões.

Parágrafo único- O morador da residência enquadrada na situação acima deverá protocolar requerimento junto à empresa concessionária de prestação de serviços públicos de energia elétrica, solicitando a remoção do poste de iluminação pública e enviar cópia do protocolo para a Prefeitura do Município de Jacareí, que se encarregará de aplicar as penalidades cabíveis nos casos em que a concessionária deixar de cumprir com as disposições desta Lei.

Art. 3º - A empresa concessionária da prestação de serviços públicos de energia elétrica terá 45 (quarenta e cinco) dias para executar a remoção dos postes de iluminação, quando solicitada pelo morador da residência.

§1º - O não cumprimento do disposto no “caput’ deste artigo acarretará à empresa concessionária da prestação de serviços públicos de energia elétrica multa diária no valor de 2 (dois) VRMs, por poste cuja remoção se fizer necessária e cujo serviço não tenha sido efetuado.

§2º - A aplicação e cobrança da referida multa serão feitas pelos órgãos competentes do Poder Executivo, mediante apresentação do requerimento protocolado pelo munícipe junto à empresa concessionária da prestação de serviços públicos de energia elétrica e vencido o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias da remoção do poste solicitado.

§3º - A base de cálculo será feita observando-se o número de dias que excedam o prazo previsto para a remoção do poste de iluminação até o efetivo atendimento ao solicitado.

Art. 4º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”.

Em que pese a boa intenção estampada na propositura legislativa que culminou se transformando na lei impugnada nesta ação, o ato normativo é, de fato, incompatível com os artigos 5º e 47, II e XIX, a, da Constituição do Estado, abaixo reproduzidos:

"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

 (...)

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;"

Somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II, da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

No caso concreto, para regulamentar a retirada de postes localizados defronte das garagens de residências no Município de Jacareí, a Câmara Municipal se imiscuiu nas funções do Administrador  ao dizer como o Poder Público deve proceder em relação a empresa concessionária da prestação de serviços públicos, caso ela não cumpra os termos da referida lei.

Ao instituir uma obrigação para a empresa concessionária da prestação de serviços de energia elétrica, a lei impõe à Municipalidade o dever de fiscalizá-la, criando serviço público.

Como a lei foi concebida no Poder Legislativo, a iniciativa acabou invadindo a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quer determinar.

Bem por isso, a matéria somente poderia ser objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Desse entendimento comunga o em. Des. PALMA BISSON, ilustre membro desse Colegiado, que, em recente declaração de voto, ofereceu-nos a seguinte lição sobre o tema:

“(...) veio a lume a lei telada, sendo, embora, de deputada iniciativa (fls. 90/93), impondo penalidades a seus infratores (art. 6º), o que pressupõe dever de fiscalização, e, ademais, determinando ao Poder Executivo regulamentá-la especialmente quanto à atribuição de fiscalizar seu cumprimento e impor aquelas (art. 7 o).

Ora, isso e aquilo revelam que de vício de iniciativa a indigitada norma padece, logo, de inconstitucionalidade formal também, por cediço que descabe ao Legislativo dizer sobre fiscalização relacionada a poder de polícia (inclusive criando um novo serviço público de fiscalização que culminaria na suspensão das atividades ou fechamento definitivo do estabelecimento), posto constituírem atos típicos da Administração, ou seja, do Poder Executivo (Incidente de inconstitucionalidade nº 994.09.230558-2, julgado em 17 Mar. 2010, g.n.).

Com isso, a lei impugnada ofendeu, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse C. Órgão Especial:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 5.418, de 12 de março de 2010, do Município de Jacareí.

São Paulo, 11de maio de 2011.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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