Parecer
Autos nº. 0045262-90.2011.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Guarulhos
Objeto: Lei nº 6.802, de 14 de fevereiro de 2011, do Município de Guarulhos
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, em face da Lei nº 6.802, de 14 de fevereiro de 2011, que “estabelece desconto de 50% (cinquenta por cento) no pagamento do ISPPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana dos imóveis localizados nas vias públicas onde se realizam as feiras livres, no âmbito do Município de Guarulhos”. Lei tributária benéfica, de iniciativa de Vereador, que implica em diminuição de receita, com impacto no orçamento. Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive benéficas, é concorrente. Parecer pela improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Guarulhos, tendo por objeto a Lei nº 6.802, de 14 de fevereiro de 2011, do mesmo Município, que “estabelece desconto de 50% (cinquenta por cento) no pagamento do ISPPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana dos imóveis localizados nas vias públicas onde se realizam as feiras livres, no âmbito do Município de Guarulhos”.
O autor noticia que a lei decorre de projeto concebido na Câmara Municipal. Afirma que há vício de natureza formal, pois cabe exclusivamente ao Prefeito a iniciativa de leis sobre o tema em pauta, divisando ofensa aos artigos 47, II e XIV e 144 da Constituição do Estado.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 49).
O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo. No mérito, defendeu a constitucionalidade do ato normativo, afirmando que, em matéria tributária, a iniciativa é concorrente (fls. 51/63).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Preliminarmente
Requeiro a citação do Procurador-Geral do Estado, para que se cumpra o disposto no § 2º do artigo 90 da Constituição do Estado, verbis:
§ 2º - Quando o Tribunal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Procurador-Geral do Estado, a quem caberá defender, no que couber, o ato ou o texto impugnado.
Mérito
A lei questionada tem a seguinte redação:
LEI Nº 6.802, DE 14 DE
FEVEREIRO DE 2011
Autoria: Vereador Edmilson Americano.
Estabelece desconto de
50% (cinquenta por cento) no pagamento do ISPPTU - Imposto Sobre a Propriedade
Predial e Territorial Urbana dos imóveis localizados nas vias públicas onde se
realizam as feiras-livres, no âmbito do Município de Guarulhos.
O Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos, Senhor EDUARDO SOLTUR, nos termos do § 7º do artigo 44 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos, promulgada em 05 de abril de 1990, FAZ SABER que, em decorrência do silêncio do Senhor Chefe do Executivo em relação ao comunicado de rejeição, na Sessão Ordinária de 08 de fevereiro de 2011, do Veto Total aposto ao Autógrafo nº 145/10, referente ao Projeto de Lei nº 104/09, de autoria do Vereador Edmilson Americano, promulga a seguinte Lei:
Art. 1º Fica estabelecido o desconto de 50% (cinquenta por cento) no pagamento do ISPPTU - Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana dos imóveis localizados nas vias públicas, onde são realizadas feiras-livres e comboios, no âmbito do Município de Guarulhos.
Parágrafo único. A municipalidade independente do pedido do contribuinte deverá proceder ao desconto à época do lançamento do ISPPTU.
Art. 2º Fará jus ao desconto ora estabelecido os imóveis diretamente afetados pelas feiras-livres e comboios, cujo endereço esteja no trecho que compreende a instalação das barracas.
Parágrafo único. Excetuam-se desta Lei, as áreas que não possuam imóveis edificados.
Art. 3º A Rua Bezerra de Menezes, localizada no Jardim Tranquilidade, onde eventualmente realiza-se feira-livre, devido à ocupação do pátio de estacionamento da Associação Atlética Flamengo, também será contemplada pelo benefício instituído por esta Lei.
Art. 4º No caso de mudança ou alteração de local da feira-livre e comboio, o benefício será suspenso, passando o mesmo aos moradores do novo local, observado o disposto no art. 2º desta Lei.
Art. 5º As despesas decorrentes da execução da presente Lei, correrão por conta de verbas próprias, consignadas em Orçamento, suplementadas se necessário.
Art. 6º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se a Lei Municipal nº 4.859, de 12 de dezembro de 1996 e as disposições em contrário.
Câmara Municipal de Guarulhos, 14 de fevereiro de 2011.
EDUARDO SOLTUR
Presidente
Sua natureza é, nitidamente, tributária.
Cuida-se, aliás, de norma benéfica, porque institui descontos de ISPPTU aos proprietários de imóveis existentes nas cercanias de onde houver feira livre ou comboios.
De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais.
Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do Orçamento.
Colhe-se,
“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores dede deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade”[1].
Essa orientação tem apoio em Carraza.
O autor, depois de anotar que a iniciativa das leis que criam e aumentam tributos é ampla, cabendo, portanto, a qualquer membro do Legislativo, ao chefe do Executivo, aos cidadãos etc., afirma que o raciocínio não vale para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, de acordo com sua lição, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentem prazos para o normal recolhimento de tributos, etc.[2]
A orientação
contrária, no entanto, apoia-se no fato de que, em matéria tributária, a
competência legislativa é concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE).
Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa na lei que institui incentivo fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do Município.
E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal.
O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária[3].
Os seguintes julgados (citados no v. Acórdão destacado) comprovam essa assertiva:
EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est.
2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est.
2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual
de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos
servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de
inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle
de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não
está condicionada à inviabilidade do controle difuso.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA
MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO
EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS
É inequívoco que, ao instituir o desconto de ISPPTU aos proprietários de determinados imóveis, a lei impugnada redimensionou para menos a receita.
Toda política pública, entretanto, tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.
Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei impugnada.
Diante do exposto, superada a preliminar, opino pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 6.802, de 14 de fevereiro de 2011, do mesmo Município, que “estabelece desconto de 50% (cinquenta por cento) no pagamento do ISPPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana dos imóveis localizados nas vias públicas onde se realizam as feiras livres, no âmbito do Município de Guarulhos”.
São Paulo, 19 de julho de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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